Capítulo 5

1108 Words
Sofia Valente Tentei passar os dias seguintes mantendo distância. De Pietro. De Luca. De tudo. Depois da noite do baile, do bilhete, do toque de Pietro, da provocação de Luca e de saber que sou um prêmio, tudo em mim parecia confuso, torto. Minha cabeça não era um lugar seguro. Nem meu corpo. O que eu sentia por Pietro era errado. E o que Luca despertava era ainda pior. Ambos haviam brincado com minha presença durante anos como se eu fosse um troféu a ser disputado entre dois herdeiros entediados. E o que me machucava mais… era saber que eu havia acreditado, mesmo que por segundos, que poderia ser algo além disso para qualquer um deles. Vesti o uniforme da universidade com mãos trêmulas. O tecido novo, o blazer escuro com o brasão costurado no peito e o ar abafado de recomeço me fizeram prender a respiração diante do espelho. Não era apenas o primeiro dia de aula. Era o primeiro passo fora dos limites que os Mancini me impuseram a vida toda. A universidade era tudo o que eu imaginava… e ainda mais. Os prédios antigos misturavam colunas de mármore com janelas envidraçadas e varandas que pareciam ter saído de algum filme italiano clássico. As árvores que margeavam o caminho principal deixavam uma sombra elegante no chão de pedra clara, e havia uma calma estranha no ar, como se o mundo lá fora tivesse ficado em pausa por algumas horas. Era bonito. Seria perfeito, talvez, se eu não estivesse carregando tantas perguntas não respondidas no peito. — Finalmente — disse uma voz animada atrás de mim. — Achei que fosse te perder no caminho. Isabela Vescari surgiu com aquele sorriso despreocupado que parecia iluminar qualquer lugar. Alta, morena, com olhos castanho-claros e uma postura elegante que herdou da mãe, uma mulher influente dentro de uma das famílias aliadas dos Mancini, Isabela era meu único elo sincero com o mundo fora da minha casa. Estudávamos juntas desde o ensino médio. — Você está linda. Assustadoramente concentrada, mas linda. — Ela me lançou um olhar brincalhão, ajustando os livros nos braços. — Pronta pra encarar a nova fase? Sorri, mesmo que não de todo o coração. — Pronta o suficiente. — Isso quer dizer "com vontade de sair correndo, mas sem coragem de dizer em voz alta"? — Exatamente isso. Ela riu, e por um momento, o peso da noite passada se afastou de mim. Por um momento, eu era apenas Sofia, caloura, nervosa, num campus bonito demais pra ser real. Mas só por um momento. Fiz que sim, sem muita convicção. A primeira metade da manhã passou num borrão de vozes, salas geladas e apresentações formais. Eu tentava focar, manter a mente na aula, mas a anterior ainda pesava na minha memória. Saímos da sala para tomar ar, mas como retornaríamos em breve porque tínhamos mais uma aula antes do almoço, deixei meu material na mesa e, ao retornar, havia mais um bilhete entre as minhas coisas. A mesma letra firme, inclinada. “Sua mãe realmente morreu tentando proteger seu pai adotivo, como ele diz? Encontre-se comigo no terraço atrás do ginásio ao cair da noite se quiser saber a verdade.” O mundo pareceu desacelerar. Senti meu estômago revirar e as mãos esfriarem. Por um momento, fiquei ali, apenas encarando o bilhete como se ele pudesse me engolir inteira. Então fechei a agenda e respirei fundo. — Você está bem? — Isabela perguntou, me observando com um vinco de preocupação na testa. — Só... uma dor de cabeça. Acho que é o nervosismo do primeiro dia — sorri. — Vai almoçar com o pessoal? — Claro. Você vai com a gente? — Encontro vocês depois. Não prometi nada. O dia pareceu se arrastar, como se os minutos fossem horas. Saí da sala, segui o corredor, caminhei em direção ao ginásio, como indicado. O local era discreto: o terraço de uma das alas mais antigas do campus. Vazio. Silencioso. Perfeito para uma conversa que não deveria acontecer. Para minha surpresa e profundo desgosto, quem estava me esperando lá era Giovanni. Encostado no parapeito, mãos nos bolsos do casaco e olhar voltado para o horizonte, como se eu fosse a última coisa que ele esperava... ou a única. — Achei que você não viria — disse, sem virar o rosto. — E pensei em não vir... talvez não devesse, mas... — Você quer saber a verdade. — Você não disse que me contaria a verdade, mas, neste momento, tudo o que eu tenho são mais dúvidas. Ele se virou. Os olhos escuros, inteligentes, fixos em mim. — Sua mãe não morreu protegendo Giorgio como ele contou. Minha garganta secou. — Então… como ela morreu? — Ela foi assassinada. As palavras saíram diretas. Sem rodeios. E ainda assim, pareceram me atravessar como um punhal invisível. — Por quem? — Eu não sei. — Mentiroso... Dei um passo para trás, pronta para ir embora. Giovanni não tentou me impedir. Apenas falou, e o que ele disse me paralisou. — Sua mãe era leal. Extremamente. Mas você nunca se perguntou se essa lealdade faria sentido a ponto de ela abandonar você? O marido? O mundo que construiu? Não respondi. — Um ano depois da morte dela, seu pai também morreu. De forma conveniente demais. De repente demais. Você realmente não suspeitou de nada? — Ele estava doente. Todos disseram... — Todos mentem, Sofia. Silêncio. Lágrimas que não caiam. Dúvidas que se acumulavam. E uma verdade incômoda, latente, que começava a fazer sentido demais. — O que você quer de mim? — perguntei, com a voz embargada. — Quero apenas te ajudar, acho que todos merecem a verdade, você precisa descobrir quem realmente matou sua mãe. E para isso, precisa sair da redoma onde está. Precisamos conversar mais vezes. — Não posso simplesmente desaparecer da mansão. Pietro e Luca... — Eles te seguem. Te observam. Te prendem. — Ele se aproximou. — Então vamos enganá-los. — Como? — Fingimos que estamos juntos. Um namoro. Nada sério. Apenas convincente. — Um relacionamento falso? — Com benefícios. Você ganha liberdade. Eu ganho acesso. E, juntos, talvez consigamos algo maior que vingança. Respirei fundo. Eu sabia o que aquilo significava. Sabia que Pietro surtaria. Que Luca não deixaria barato. Sabia que Giorgio havia escondido a verdade por uma razão. E que, ao aceitar, eu estaria cavando um buraco sem fim. Mas também sabia que não podia confiar em ninguém ali dentro. Nem no pai que me criou. Nem nos irmãos que me desejavam como prêmio. — Está bem — disse. — Fingiremos. E naquele instante, mesmo sabendo que podia me custar tudo… eu escolhi o risco.
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