O Encanto do Cotidiano
O elevador abriu-se suavemente no andar da cobertura. Blade entrou no apartamento, afrouxando o nó da gravata. O cansaço do dia pesava, mas o ar que o recebeu dissipou tudo.
Um aroma quente, de temperos e especiarias, envolveu o ambiente — uma mistura de manjericão, alho suave e pão assando no forno. O apartamento parecia outro.
As cortinas, antes frias e sóbrias, agora eram de linho claro. Havia almofadas coloridas no sofá, plantas novas na varanda, um vaso de lírios brancos sobre a mesa e pequenos quadros que traziam lembranças da Itália — campos de oliveiras, ruazinhas da Toscana, o Duomo de Siena.
Tudo tinha o toque de Melina.
Mas o que realmente o paralisou foi a cena diante dele.
Na cozinha, ela estava de costas, o cabelo ruivo preso num coque desalinhado, alguns fios soltos escapando e dourando sob a luz. Vestia um vestido simples, de tecido leve, e estava concentrada em misturar uma calda em fogo baixo.
Os movimentos eram precisos, delicados — e havia uma serenidade quase hipnótica em cada gesto.
Blade parou na entrada da cozinha, em silêncio. Por um momento, esqueceu quem era, esqueceu tudo. Apenas observou.
Nunca imaginou que uma mulher pudesse ser tão bonita assim — não por uma maquiagem perfeita, nem por um vestido caro. Mas por ser… real.
Por existir naquele instante com naturalidade e graça.
Ele encostou-se à parede, cruzando os braços, e sorriu sem perceber.
“Como pode ser tão simples e, ao mesmo tempo, tão inacessível?” pensou.
Não que ele achasse que a função de uma mulher fosse cuidar da casa.
Mas havia algo ali — algo que transcendia qualquer papel.
Era a leveza dela, a maneira como o lar parecia respirar através de sua presença.
— Está me espionando, senhor Schneider? — a voz dela veio sem que ela sequer olhasse para trás.
Ele deu uma risada curta, surpreso.
— Como soube que era eu?
— O som da sua respiração é mais pesado que o do vento — respondeu, com ironia suave. — E, além disso, nenhum ladrão usaria perfume francês caro às oito da noite.
Blade se aproximou devagar, rindo baixo.
— Culpa sua. Esse cheiro de comida me atraiu.
— Está quase pronto. — disse ela, mexendo a calda, ainda sem olhá-lo. — Só estou terminando a sobremesa.
Ele parou ao lado dela, observando o movimento firme das mãos.
— Posso ajudar em alguma coisa?
— Pode. — respondeu ela, apontando para o armário. — Pegue duas taças e coloque-as sobre a mesa.
Blade obedeceu, com um sorriso de canto.
Enquanto pegava as taças, não resistiu e olhou novamente para ela — o perfil delicado, a pele clara iluminada pela chama do fogão, o olhar sereno, concentrado.
Aquilo o desarmava de um jeito que nenhuma mulher havia conseguido antes.
— O que está preparando? — perguntou.
— Panna cotta com calda de frutas vermelhas. — respondeu ela, desligando o fogo. — É leve. Achei que seria o final ideal para o jantar.
— Ideal, de fato. — murmurou ele, admirando-a. — Você transforma qualquer lugar em lar, sabia?
Ela o olhou de lado, surpresa, e sorriu de leve.
— Não é o lugar, Blade. São as intenções. Quando fazemos algo com verdade, o resto se encaixa.
Ele assentiu, pensativo. E naquele instante, entendeu o que o pai quis dizer quando afirmou que Melina era o seu ponto de equilíbrio.
Ela não precisava de diamantes, nem de viagens, nem de glamour.
Ela era o próprio centro de serenidade que faltava na vida dele.
Enquanto ela arrumava a mesa, Blade foi até o escritório, pegou a pasta que trouxera e voltou.
O jantar estava servido, a mesa posta com simplicidade elegante — guardanapos de linho, copos de cristal, pratos brancos e o perfume de comida italiana enchendo o ar.
Melina sorriu ao vê-lo com a pasta.
— Mais trabalho, senhor Schneider?
Ele negou com a cabeça.
— Não. — colocou a pasta sobre a mesa. — É o novo contrato. Nosso contrato.
Ela o fitou, surpresa.
— O que quer dizer com isso?
— Que eu quero começar do zero. — respondeu, sentando-se diante dela. — Um contrato de verdade, não um acordo frio entre duas famílias.
Melina baixou o olhar, depois voltou a encará-lo, séria.
— E por que agora, Blade?
Ele respirou fundo.
— Porque só agora eu percebi que… quero que esse casamento dê certo.
O olhar dela se suavizou, mas ainda havia cautela.
— Então jantemos primeiro. — disse, servindo o prato. — Depois veremos se as suas palavras têm o mesmo sabor da sua comida.
Ele sorriu, rendido.
— Justo.
E enquanto o vinho era servido e as velas lançavam luz dourada sobre os rostos deles, Blade soube — com a certeza silenciosa que só vem da alma — que aquela seria a noite que mudaria tudo.