descoberta...Cap.8

1850 Words
VALENTINA Passei na cafeteria pra pegar a Cris e seguimos pra casa. No caminho, dei uma paradinha básica no supermercado — me deu vontade de fazer uma macarronada daquelas que entopem a alma e dão vontade de dormir abraçada na panela. Fazia tempo que eu não me mimava assim. — Miga, nem te conto. Dei de cara com o delegato hoje de novo. O próprio, arrogante, sexy e desnecessário como sempre. — Mentira! — Cris quase engasgou com a saliva. — Conta tudo, vai! Do começo ao babado completo! E eu contei. Tudo. Desde o “Oi” torto até a lembrança constrangedora da noite da “boate”. Cris ficou chocada, fez um escândalo digno de novela mexicana e, no fim, só disse: — Miga, você precisa urgentemente de um bom reboque emocional. Preferencialmente com abdômen trincado. Ela sempre me entendia. Nunca me pressionava, só me provocava o suficiente. Mais tarde, enquanto eu fazia o almoço e ela trocava o Enzo, combinamos tudo: à noite ela ia comigo até a boate, queria falar com a mãe — a temida dona Rosa. Dona Rosa é a rainha do boteco noturno. Mãe da Cris, minha “chefa” e o terror de qualquer cliente abusado. Ela me acolheu quando eu mais precisei e me protege como se fosse sangue do sangue. O relacionamento entre mãe e filha, porém, é digno de reality show: tapas verbais e sarcasmo de brinde. O almoço ficou pronto, o Enzo comeu e ficou vendo desenho. Cris lavou a louça, eu revisei uns conteúdos porque amanhã tinha prova. Estava tudo nos conformes. Ou quase. (***) Já estava quase na hora de ir pra boate. Dei um beijo no meu filhote, que me abraçou com aqueles bracinhos pequenos que sempre me fazem repensar a vida inteira em três segundos. Peguei minhas coisas, chamei a Cris — que estava se enrolando mais do que papel higiênico molhado — e nos despedimos da Juju, nossa babá e anjo da guarda particular. — Cuida bem do meu pequeno, hein, Juju! — Vai tranquila, Val. Pode deixar com a tia Juju. Na boate, como de costume, entrei direto pro camarim. A Cris foi falar com a mãe dela, dona Rosa, que estava no bar mandando mais que gerente de multinacional. Antes de subir no palco, dei uma olhadinha básica. Nada de delegado gostoso e babaca no recinto. Aleluia. Sem Brian, sem máscara. Decidi colocar o uniforme de policial. Sim, aquele. Porque se tem uma coisa que esses marmanjos adoram é mulher com algema e autoridade — e como nenhum deles aguentaria 5 minutos com uma de verdade, ficam satisfeitos com a ilusão de palco. — Que o show comece — murmurei pro espelho, ajeitando o batom como quem prepara a armadura. Entrei com tudo, no ritmo da batida, encarnando a Esmeralda policial. A boate estava lotada, como sempre. Os caras babando, jogando olhares sujos e dinheiro falso. Eu rebolava como se o mundo fosse acabar, mas por dentro só pensava no Enzo e na prova da faculdade amanhã. Sim, eu danço. Não, eu não amo. Mas é o que paga minhas contas e o leite do meu filho. Terminei o número com um sorriso de fachada e voltei pro camarim. Cris estava lá. Eufórica. — Val, miga! Cê não vai acreditar! Conheci um gatinho HOJE. E, ó… essa noite eu vou tirar o atraso, viu? — Ah, maravilha. Vai t*****r e ainda me deixar voltar pra casa sozinha? — Nem vem com drama. Você me ama e sabe que sim. Vai ficar chateada se eu não for contigo, né? — Só se você engravidar. De resto, aproveita. Vai com Deus e volta sem ISTs, por favor — respondi rindo, jogando a toalha no ombro. Voltei pra casa sozinha, como previsto. Me despedi da Juju, tomei um banho bem demorado e fui direto pra cama. Dormi como se o mundo estivesse em pausa. Acordei no dia seguinte e comecei minha rotina. Mas quando fui no quarto da Cris… Nada. A cama dela parecia virgem. — A safada não dormiu em casa. Fui pra cozinha preparar o café e, poucos minutos depois, a porta se abriu. Ela entrou sorrindo como quem ganhou na Mega da Virada e transou no mesmo dia. — Ai, minha linda amiga… que noite! Que transa! O Lucas… meu Deus, miga… o homem fode gostoso demais! — Tá. Então você já se apaixonou pelo tal do Lucas? — perguntei com uma sobrancelha arqueada e cara de desaprovação materna. — Não me apaixonei. Eu viciei no p*u dele. É diferente! — disse se jogando no sofá com a cara mais cara de p*u do mundo. — Ah, entendi. Uma transa e já viciou. Isso é amor à primeira estocada. — Você me julga, mas vai ver! Eu marquei com ele e o amigo dele pra esse fim de semana. Vai rolar mais! — E vão se encontrar onde? — perguntei com ar de desconfiança. — Na boate, né. Já falei pra ele que minha amiga gatona dança lá. Ele ficou doido. — Você O QUÊ?! — soltei, em choque. — Ah, para, Valentina! Já passou da hora de você conhecer um cara decente. Um homem de verdade. Chega de viver nesse casulo. — Cris… você sabe que eu não consigo me relacionar com homem nenhum, né? — Sei. Mas também sei que nem todos são escrotos como aquele seu ex. E, miga… você merece mais. Muito mais. Respiro fundo. Por ela, até um mergulho no caos vale a pena. — Tá. Eu vou tentar. Mas só por você, sua doida. — Isso, meu amor! Já me sinto a própria cupida. Ela me abraça como se tivesse acabado de me inscrever no "De Férias com o Ex" e volta pro sofá toda saltitante. (***) Mais uma semana passou voando. E pra minha felicidade, o delegado Brian Arrogância Velasques não deu as caras na boate. Consegui dançar sem máscara, como sempre fiz. Na faculdade, tudo correu bem. Enzo está cada vez mais curioso sobre o pai, e eu cada vez menos pronta pra contar que o pai dele não quis saber de nós. Hoje é o dia do encontro com o “amigo do peguete da Cris” — e olha… não tive escolha. Decidi caprichar no visual, já que a Cris praticamente me empurrou pra isso. Vestido decente, maquiagem básica, cabelo solto. Não era pra impressionar ninguém. Era pra eu me lembrar que ainda sabia me arrumar por mim. A Juju, como sempre, topou ficar com o Enzo mesmo em cima da hora. Anjo. — Anda, Cris! Você sabe que eu odeio chegar atrasada. — Relaxa, minha mãe nem liga. Mas ok, já tô pronta! Ela sai do quarto deslumbrante: vestido preto colado, sandália gladiadora, cabelo cacheado nas pontas e batom vermelho. Uma deusa noturna. Chegamos na boate. Cumprimentei o pessoal, fui direto pro camarim. As meninas me olharam com aquela cara de “a queridinha da dona Rosa chegou”. E sim, eu sou protegida. Que pena, invejosas. Falando nela, eis que a própria entra no camarim: — Val, veste a roupa de policial de novo. Os caras estão pedindo. A boate tá cheia, a galera quer ver a Esmeralda. — Ah, o fetiche eterno com a farda… beleza, Rosa. Vou atender os pedidos. Me arrumo com calma. Cris ficou no bar esperando o Lucas e o tal amigo. E eu? Me preparava pra mais um “show”. Luzes apagadas. Música alta. Plateia ansiosa. É a minha vez. Subo ao palco como a Esmeralda que todos querem ver. Danço, tiro a farda, jogo o shortinho nos pés de um babaca que berra meu nome. Sorrio. Falsa. E então, olho pro bar. Meu mundo para. Brian. Lá. Me olhando como se tivesse visto um fantasma… Ou uma bomba prestes a explodir. Merda. Merda. MIL VEZES MERDA. Congelo. A máscara caiu. Literalmente e figurativamente. Saio do palco no meio da apresentação, praticamente fugindo, coração disparado. Entro no camarim, me visto rápido, mas antes que eu consiga colocar o pé fora dali… Ele já está na porta. — Droga… — sussurro, dando um passo para trás. — O que você tá fazendo aqui? — ele pergunta, mas o tom não é de dúvida. É de julgamento. — Eu que devia perguntar isso. Achou que ia me ver dançando e teria um ataque de moralidade? — Então é isso. A louca da faculdade é a p*****a da boate — ele cospe com a arrogância que só um delegado bonito demais pode ter. — Uau, que dedução brilhante, Sherlock Holmes. Só faltou a empatia. Mas tudo bem, não é pra todo mundo. — Lucas me falou que você parecia a garota da calçada. Mas vendo agora… você é idêntica. — Q-quem é Lucas? — pergunto, tentando manter a pose. Mas a ficha já caiu. Ele se aproxima, o olhar queimando. — Você, com essa cara de anjo… é uma p**a de uma diaba. — Awn, obrigada! Já me chamaram de gostosa, safada, mas "diaba" é novo. Vou adicionar ao currículo. — Se veio aqui pra me humilhar, pode ir embora. Ou quer que eu desenhe o caminho até a saída? Posso até usar glitter. Ele me segura pelo braço, com força. — Você tá me machucando! — grito, tentando soltar meu braço. — Agora entendo o porquê do seu discurso "não preciso de homem pra ter filho". Deve ter sido de qualquer um que te comeu no palco, né, sua vagabunda? PAH. A mão estalou na cara dele. — NÃO. FALE. DO. MEU. FILHO. — falo entre dentes, tremendo de raiva. Ele me puxa com força, me prende nos braços e rosna: — Já é o segundo tapa, Valentina. Acha que pode bater em uma autoridade e sair ilesa? — Vai me bater agora? É isso? — pergunto com o medo travado no peito. Mas ele não responde. Ele me beija. Brutal. Feroz. Furioso. Um beijo que engole meu orgulho e arrebenta minha resistência. Sua língua pede passagem e, contra toda lógica, meu corpo cede. Me entrego. Só por um segundo. Maldito segundo. Nos afastamos. Eu com os lábios inchados, ele com o ego inflado. — Quanto você cobra pra f***r comigo? — diz, tirando um maço de dinheiro da carteira. Silêncio. Minha garganta trava. — Q-que p***a é essa? — Cem? Duzentos? Mil? — Vai se f***r. — Minha voz falha, mas a raiva me mantém de pé. — Eu não sou prostituta. Eu danço. É um trabalho. É o que me sustenta. É o que dá comida ao meu filho. As lágrimas vêm. Mas não de vergonha. De ódio. Começo a bater no peito dele com os punhos fechados, desesperada. — Sai daqui! Sai da minha vida! A porta se abre. Cris. Corro para ela. Me agarro nela como quem segura um pedaço de dignidade. — Tira ele daqui, por favor! TIRA! Ela olha pra mim. Depois pra ele. Chama Lucas e o arrasta porta afora sem dizer uma palavra. Eu caio no chão. Chorando. Engolindo o gosto salgado da humilhação. Hoje ele não me despiu. Ele me quebrou.
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