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A mansão Di’Angelo erguia-se majestosamente no coração da Toscana, uma fortaleza imponente cercada por hectares de terra protegida por muros altos, câmeras de vigilância e homens armados que patrulhavam os terrenos com olhares atentos. Era uma propriedade isolada do mundo, onde poucos tinham permissão para entrar e ainda menos saíam sem autorização. A brisa suave da tarde agitava as copas das árvores e carregava consigo o cheiro da terra úmida, misturado ao aroma dos jardins perfeitamente podados.
Em meio a essa paisagem protegida, duas crianças corriam pelo gramado verdejante, alheias à tensão e brutalidade que sustentavam o império da família Di’Angelo.
Eva, uma menina de cabelos loiros como o trigo e olhos azuis cristalinos, ria enquanto se escondia atrás de um dos grandes carvalhos que cercavam a propriedade. Seu vestido azul claro esvoaçava enquanto ela se encolhia, contendo a respiração. Carlos, por sua vez, era o oposto dela: cabelos negros como a noite, olhos pretos intensos, traços marcantes que deixavam evidente sua herança italiana. Ele era o único filho de Dom Vittorio Di’Angelo, o líder absoluto da máfia que governava a região.
Embora pertencentes a mundos distintos, as diferenças entre eles nunca importaram. Eva era filha da governanta da família e crescera nos corredores da mansão ao lado de Carlos. Eram inseparáveis, compartilhavam segredos e brincadeiras, encontrando na infância uma bolha de inocência dentro de um universo perigoso.
Carlos girava o corpo, olhos fechados, contando até vinte. Sua voz ressoava pelo jardim:
“Dezessete… dezoito… dezenove… VINTE! Estou indo te encontrar, Eva!”
Ele abriu os olhos com um sorriso travesso e começou a procurar pela menina. Seus passos eram ágeis, mas cuidadosos, como se aquela brincadeira fosse uma missão importante. Sabia que Eva era esperta, sempre encontrava os melhores esconderijos.
Mas antes que pudesse dar mais alguns passos, o som inconfundível de motores ecoou pelos portões da mansão. Pneus cantaram contra a estrada de pedras, e uma fila de carros negros entrou rapidamente, trazendo consigo um ar pesado e ameaçador. Os homens que desceram dos veículos não eram visitantes comuns. Vestiam ternos escuros, alguns com expressões cerradas, outros visivelmente perturbados. Cada um carregava no olhar algo urgente, quase sombrio.
Os soldados da casa, que antes estavam em posição de vigília tranquila, logo se armaram, mas bastou um olhar de reconhecimento para perceberem que aqueles eram homens da própria organização. Havia tensão no ar.
Carlos franziu o cenho, esquecendo-se momentaneamente de Eva e se concentrando no que acontecia. Ele aprendera desde cedo a reconhecer sinais de perigo, e aquele era um deles.
Os homens foram rapidamente conduzidos ao grande salão da mansão, um espaço de tetos altos e iluminação dourada, onde o cheiro de madeira antiga se misturava ao do charuto queimada no cinzeiro. No centro do ambiente, uma mesa maciça sustentava um tabuleiro de xadrez em pleno jogo. Vittorio Di’Angelo, o temido Dom da família, estava recostado em sua cadeira de couro, observando as peças com um olhar calmo, quase entediado.
O silêncio era absoluto quando um dos recém-chegados se ajoelhou diante dele, cabeça baixa em sinal de respeito.
“Chefe… deu tudo errado. Quando estávamos fazendo a entrega, os homens da Portinari chegaram.”
Ao ouvir aquele nome, um sorrisinho cínico surgiu no canto dos lábios de Vittorio. Ele pegou um dos peões do tabuleiro e girou entre os dedos antes de soltá-lo de volta à mesa.
“Já era de se esperar que eles tentassem atrapalhar nosso negócio,” murmurou, balançando a cabeça, como se a notícia não fosse novidade alguma.
Mas então, o homem ajoelhado engoliu seco e prosseguiu com a verdadeira revelação:
“Chefe… Diego Portinari está morto.”
A sala ficou em silêncio absoluto. Todos os olhares se voltaram para Vittorio, que paralisou momentaneamente. O peão que segurava escapou de seus dedos e caiu sobre o tabuleiro, derrubando outras peças.
“Eu… eu não sei como aconteceu,” o homem continuou, sua voz carregada de incerteza. “Mas o fato é que, por algum motivo, ele estava lá e acabou morrendo durante a operação.”
A reação foi instantânea. Vittorio se levantou bruscamente, empurrando a mesa com tanta força que o tabuleiro deslizou e as peças voaram pelo salão, espalhando-se pelo chão de mármore.
Seus olhos, antes frios e calculistas, agora reluziam com algo diferente: fúria e medo.
“FIGLI DI PUTTANA!” ele rugiu, praguejando em italiano enquanto chutava uma das cadeiras para longe. “Como isso aconteceu? Ninguém mata um herdeiro da máfia sem saber o que isso significa!”
Ele passou as mãos pelos cabelos, a mandíbula travada, sua respiração pesada.
O significado era claro.
Diego Portinari não era apenas um dos homens da máfia rival — ele era o herdeiro. Filho do chefe, o próximo na linha de sucessão. Sua morte não era apenas uma baixa comum. Era uma declaração de guerra.
Uma guerra que só terminaria quando um dos lados fosse exterminado.
Ou… quando o ditado “olho por olho” fosse aplicado.
E isso significava apenas uma coisa:
Carlos Di’Angelo era agora um alvo.
Os Portinari não descansariam até que a vida do filho de Vittorio fosse ceifada. O equilíbrio fora quebrado. Agora, a caça havia começado.
Vittorio fechou os olhos por um instante, tentando conter a tempestade dentro de si. Quando os abriu novamente, sua decisão já estava tomada.
“Dobrem a segurança da mansão,” ordenou em voz baixa, mas carregada de autoridade. “Ninguém entra e ninguém sai sem minha permissão. Quero homens armados em cada entrada, cada saída. Quero vigias até no inferno, se for preciso.”
Ele parou por um momento, respirando fundo antes de finalizar:
“Se os Portinari querem guerra… que assim seja.”
Enquanto isso, no jardim, Eva se esgueirava sorrateiramente para fora do esconderijo, procurando por Carlos. Mas ao invés de vê-lo correndo em sua direção, encontrou-o parado, encarando a casa com o semblante sério, seus pequenos punhos cerrados ao lado do corpo.
“Carlos?” ela chamou, confusa.
Ele demorou a responder, como se estivesse perdido em pensamentos distantes.
Por fim, virou-se para ela, mas seu sorriso já não era o mesmo. Algo dentro dele mudara.
E, sem saber, naquele instante, a infância de Carlos Di’Angelo terminava.