Capítulo 1
Lorena narrando
Abri a janela e fui recebida por um céu carregado de nuvens escuras e uma chuva fina que descia preguiçosamente sobre o jardim da mansão. A neblina cobria tudo como um véu denso, silenciando o mundo lá fora. Era exatamente o tipo de dia que eu amava. Não tinha paciência para sol, para gente feliz andando de mãos dadas, sorrindo pelas ruas. Aquilo me cansava. Me enjoava.
— Bom dia, senhora Lorena — a voz da governanta soou assim que abri a porta do quarto.
Eu a encarei de cima a baixo, com o mesmo desdém que usava para observar o mundo.
— Bom dia. Cadê meu marido?
— Saiu logo cedo.
— E o meu pai?
— Também.
— Os dois saíram juntos?
— Sim, senhora. O seu café está pronto...
— Por favor, me sirva no escritório do meu marido — interrompi, virando de costas.
— Mas o senhor Alexandre disse...
— Me sirva no escritório do meu marido. Obrigada.
— Sim, senhora.
Antes que ela virasse, me lembrei de algo.
— Ah — falei, sem me virar — passe o lençol antes de colocar na cama. Senti ele amassado ontem à noite.
— Me desculpe, vou passar novamente...
— Não. Quero um novo. O cheiro de Alexandre me enoja.
— Sim, senhora.
— Para de repetir "sim, senhora" o tempo todo. Senhora tá no céu. Quantos anos você tem?
Ela hesitou por um segundo, como se não soubesse se podia ou não responder.
— Vinte anos.
Virei devagar e a encarei.
— A mesma idade que você... — sussurrei, com um meio sorriso. Ela apenas assentiu, em silêncio.
Desci pelas escadas com calma, atravessando o corredor longo até o escritório de Alexandre. Estava casada com ele há seis anos. Um casamento arranjado, como manda a tradição da máfia. Herdeiros devem se casar entre si. Ele queria filhos. Eu? Eu jamais daria um filho pra ele. Nem pra homem nenhum. Jamais seria mãe.
Odiava Alexandre com todas as células do meu corpo. Tinha nojo dele, da forma como ele me tocava, do som da voz dele. Nossa relação era feita de brigas intensas e sorrisos falsos, apenas para manter as aparências diante dos outros.
Entrei no escritório e me sentei na poltrona de couro dele. Observei cada detalhe da sala — o cheiro amadeirado do ambiente, os livros impecáveis nas prateleiras, o quadro de caça que ele amava. Tudo tão artificial quanto nosso casamento.
— Usando o escritório do marido? — a voz de Carlos ecoou na sala enquanto ele entrava com aquele sorriso debochado.
— Ainda bem que você chegou. Preciso da sua ajuda.
— O que aconteceu agora?
— Tô achando que meu pai e Alexandre tão tramando alguma coisa.
— Como assim?
— Inventaram uma viagem pro Brasil, um jantar com “pessoas importantes”. Tão escondendo algo. — A governanta entrou, interrompendo.
— Senhora... É que... — ela hesitou.
— Lorena. Apenas Lorena — abri um sorriso sutil.
— O café de vocês. Querem açúcar ou adoçante?
— Puro — respondi sem pensar. — Eu não como açúcar.
— Cinco colheres de açúcar — Carlos falou, sorrindo pra ela.
— Vai morrer de diabetes — murmurei, revirando os olhos.
Ela serviu o café e saiu em silêncio, como se pisasse em ovos.
— Continua — ele pediu, curioso.
— Acho que meu pai vai passar pra ele o bastão de chef da máfia.
— Sem te avisar?
— Eles me tratam como se eu fosse nada, como se eu fosse só um enfeite. Mas é aí que entra o meu plano.
— Você não pode simplesmente matar os dois — Carlos alertou, se inclinando. — Pode ser descoberta.
— Merda... — murmurei, me levantando. Bebi um gole do café e franzi o rosto. — Isso aqui tá horrível.
Apertei o botão na lateral da mesa para chamar a governanta. Alguns segundos depois, ela apareceu.
— A senhorita me chamou?
— Esse café está horrível — disse, olhando diretamente nos olhos dela. — Aos 20 anos eu já sabia fazer um café decente.
— A senhorita disse que tem 20 anos — ela respondeu num tom sutil. Carlos me encarou com um riso contido.
— Me faça um café decente e traga de volta.
— Sim, senhorita.
Assim que ela saiu, Carlos se largou na cadeira, rindo.
— Você disse que tem 20 anos? Tentando apagar doze?
— Não me irrita — falei séria. — Você sabe muito bem que minha idade está errada na identidade.
Ele riu mais ainda, e eu continuei:
— Agora não é hora de me preocupar com isso. O que importa é que eu vou matar os dois.
— Já falei que essa ideia é...
— Eu sou a herdeira da máfia. É a mim que meu pai deveria passar a chefia. Não pro Alexandre. Nunca pra ele.
— Você nem sabe se é isso que vai acontecer.
— Eu sei. Sei porque conheço meu pai. Ele é um covarde. Ele sempre preferiu o Alexandre. Mas isso não vai acontecer. — Me aproximei de Carlos e olhei nos olhos dele. — Porque eu vou matar os dois antes.
Ele me encarou por alguns segundos. Sabia que eu não estava brincando.
Senti um sorriso subir no meu rosto, um sorriso que não era de felicidade... Era de antecipação. De prazer. O simples pensamento de ver meu pai e Alexandre sangrando aos meus pés... já me causava uma excitação sombria.
Na minha mente, eu já via a cena inteira. O sangue escorrendo, o último suspiro deles. E a paz, enfim, chegando para mim.