16. Luna

1060 Words
— Tava te procurando, sabia? — continuou, andando na minha direção. — Sumi, né? Mas tô com saudade. Vamo resolver aquele programa que ficou pendente? Olhei em volta, os olhos procurando um buraco pra enfiar minha cara. Alguns pais e mães da escola já estavam olhando. — Rogério... agora não. — Falei baixo, puxando a Clara mais pra perto. Ele não se tocou. Pelo contrário, deu mais um passo, invadindo meu espaço, olhando pra Clara com a cara mais cínica do mundo. — Relaxa, vai ser rapidinho. Você sabe como eu gosto de você. — abaixou a voz, mas o tom nojento não mudou. — Dou um troco bom. A vergonha queimou meu rosto. Meu sangue começou a ferver. — Some daqui, Rogério. — Cuspi, com a voz embargada de ódio. Ele abriu a boca pra responder, mas nem teve tempo. O ronco de uma moto cortou o ar e quando eu levantei os olhos, vi o Dante vindo na minha direção. O olhar dele era puro veneno. Andou em passos largos e antes que o Rogério pudesse entender o que tava acontecendo, Dante acertou o primeiro soco. Seco. Rápido. Direto no queixo. O corpo do Rogério tombou pra trás, caindo de lado na calçada. — Quem é tu pra falar com ela? — Dante gritou, a voz dele ecoando alto pela rua. O descontrole nele era palpável. A respiração dele vinha em rajadas, o corpo inteiro tenso, pronto pra matar se fosse preciso. Rogério tentou se levantar, mas o Dante foi pra cima de novo, chutando o peito dele com força. — Não encosta nela! — Gritou de novo, com uma raiva que eu nunca tinha visto. As pessoas começaram a sair das casas, as mães da escola recuaram, todo mundo parou pra olhar o espetáculo. A Clara começou a chorar, agarrada na minha perna, tremendo. — Por favor... para... — Eu pedi, a voz falha, mas ele parecia cego. Só parou quando viu o sangue escorrendo da boca do Rogério. Dante ficou de pé, respirando como um animal selvagem. Olhou pra mim, depois pra Clara, depois de novo pro Rogério, como se ainda quisesse acabar com ele ali mesmo. Foi só então que percebi, que a mesma mulher de antes, tava encostada num portão ali perto, com os braços cruzados, assistindo tudo com um sorriso irônico. — Tudo isso por causa de uma p**a? — Ela disse alto, o tom debochado, provocador. — Bonito, hein, Dante... Tá se humilhando por ela agora? Dante virou o rosto devagar e o olhar que ele lançou pra ela foi tão frio que eu senti a pele arrepiar. — Cuidado com o que fala. — rosnou, com os dentes cerrados. — Ah, por favor... — Ela riu, cruzando os braços com mais força. — Todo mundo aqui sabe que você tá doido por ela. Que tá perdendo a cabeça por uma vagabunda de esquina. As palavras dela cortaram o ar. O Dante respirou fundo, virou de costas, e antes de subir na moto, olhou pra mim de novo. — Some com essa criança daqui. — Foi tudo o que ele disse antes de arrancar dali acelerando como um furacão morro abaixo. Fiquei parada com a Clara chorando agarrada em mim, as pernas tremendo e o gosto amargo da vergonha entalado na garganta. Todo mundo olhando. Todo mundo comentando. Mais uma cena, mais um escândalo e mais um pedaço da minha dignidade sendo triturado ali no meio da rua. (…) A porta de casa quase não quis abrir de tão rápido que minhas mãos tremiam. A Clara ainda soluçava, agarrada no meu pescoço, com o rostinho escondido no meu ombro. As mãozinhas dela estavam sujas de terra, a blusa manchada, e o choro vinha fundo, daquele jeito que a gente sabe que vai demorar pra parar. Quando consegui entrar, larguei a mochila dela num canto da sala, fechei a porta com força e me encostei nela, respirando fundo, tentando fazer o peito parar de doer. Meu corpo inteiro tremia. O som do Rogério gritando, os socos secos, os berros do Dante, a voz da Sheila me chamando de vagabunda, tudo ecoava na minha cabeça como se ainda estivesse acontecendo. Passei a mão nas costas da Clara, tentando acalmar. — Já passou, meu amor... já passou... — Murmurei, beijando o cabelo dela. Levei ela direto pro banheiro. Abri a torneira, joguei água nas mãozinhas dela, limpei o rosto, a boca, o nariz sujo de ranho. Ela soluçava sem conseguir respirar direito. — Foi feio, mamãe... — choramingou, me olhando com os olhos vermelhos, inchados. — Eu fiquei com medo... — Eu sei... eu sei... — Apertei ela contra mim, fechando os olhos pra segurar o choro. — Ninguém vai te machucar. Eu juro. Mas a verdade era que eu não tinha como garantir nada. Eu mesma, tava apavorada. Depois que lavei ela toda, coloquei uma roupa limpa, deitei no sofá com ela no colo e fiquei ali, só embalando de um lado pro outro, como se o balanço fosse capaz de apagar o que tinha acontecido. Ela foi pegando no sono aos poucos, mas com o rosto ainda molhado de lágrimas.Quando vi que ela tinha adormecido, coloquei ela na cama com todo o cuidado do mundo. Fiquei parada ali, olhando ela respirar, o peito subindo e descendo devagar. Meu coração tava aos pedaços. O medo, a vergonha, a culpa... tudo embolado num nó no meio da garganta. Passei a mão no rosto, sentindo os olhos arderem. Não era só pela cena de hoje. Era pelo que aquilo significava. O Dante tava fora de controle. Eu achava que podia me esconder dele, que podia fingir que as coisas iam voltar ao normal se eu me afastasse, se eu parasse de ir pro ponto, se eu fizesse de tudo pra ser invisível. Mas não adiantava. Ele tava em todo lugar. Me joguei no chão da sala, com as costas encostadas na parede, abracei os joelhos e deixei as lágrimas caírem de vez. Sem fazer barulho. Sem soluço. Só o choro seco de quem já não tem força pra gritar. Me sentia encurralada. E o pior, era saber que por mais que eu quisesse fugir, por mais que eu odiasse tudo isso. Parte de mim, ainda tremia por ele de um jeito que eu não sabia explicar. E isso, me dava ainda mais nojo de mim mesma.
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