20. Dante

943 Words
— O problema é comigo? — perguntei, chegando perto, falando baixo, mas com aquele tom que faz todo mundo prestar atenção. Ele negou com a cabeça, gaguejando, pedindo desculpa. Deixei claro que da próxima vez ia ser diferente. Não encosto nos moradores à toa. Não mexo com quem trabalha certo. Mas falta de respeito eu não aceito. — Todo mundo aqui come do mesmo pão. Inclusive você — falei antes de ir embora. De volta pra boca, passei o olho nos moleques. Tinha dois fumando maconha em horário de plantão. Mandei largarem o bagulho e irem lavar o rosto. Não gosto de soldado chapado na função. A vida na boca é assim: controle, vigilância, cálculo. Se eu fraquejar um segundo, a polícia leva. Se eu aliviar demais, os inimigos invadem. Se eu vacilar com os meus, os moleques perdem o respeito. É uma corda bamba o tempo inteiro. Mas tem hora em que me pego pensando no porquê de ainda fazer tudo isso. Não era pra eu estar aqui. Não era pra minha vida ter virado isso. Mas aqui estou eu, mantendo ordem num caos que eu mesmo ajudei a criar. O mais louco é que tem dia em que parece que só eu tô segurando as pontas de todo mundo aqui. Se eu sumir, metade desses moleques vira pó ou vira estatística no jornal. E mesmo sabendo disso, mesmo carregando a responsabilidade de cada um que carrega minha bandeira, eu continuo me achando um homem de merda. Porque, na real, é o que eu sou. Mesmo que, no fundo, de vez em quando, eu ainda faça o que é certo. Do meu jeito. O jeito que me ensinaram. O único jeito que eu sei. (…) Não era pra eu ir. Juro por Deus, não era. A cabeça me mandava resolver o resto das broncas da boca, resolver o lance com os caras de fora, fechar o caixa da semana. Mas a mão foi sozinha até a chave da moto. E quando percebi, já tava descendo a ladeira, acelerando, com o coração batendo no ritmo errado. O caminho até a casa dela parecia mais curto a cada vez que eu fazia. Não bati. Não chamei. Não anunciei. Empurrei o portão como se fosse meu. Subi os degraus e fui direto pra porta. Bati forte, uma vez só. Ela demorou pra abrir. Ouvi barulho lá dentro, passo apressado, coisa caindo no chão. Quando finalmente abriu, apareceu com aquele olhar que já virou minha maldição. Assustada. Raivosa. Quebrada. E linda pra c*****o. — O que você tá fazendo aqui? — A voz dela saiu baixa, meio trêmula, como se já soubesse a resposta. — Vim te ver — falei simples, como se fosse a coisa mais normal do mundo. Ela tentou fechar a porta na minha cara. Juro que tentou. Mas segurei com o braço, empurrei devagar, forçando a entrada sem precisar fazer muito esforço. Passei por ela e entrei. A sala tava do mesmo jeito: pequena, quente, com cheiro de café e medo. Ela me seguiu, batendo o pé. — Eu não quero você aqui! — falou mais alto agora, com os olhos brilhando como se estivesse a um passo de me bater. Me virei devagar, olhando pra ela com a calma de quem tá prestes a perder o controle. — Não perguntei o que tu queria. Ela parou, respirou fundo e fechou os olhos por um segundo, como se precisasse juntar força. — A Clara tá aqui — disse, numa última tentativa de me fazer ir embora. — Eu sei — dei de ombro. — Mas eu não vim pra gritar, nem pra fazer escândalo. Me aproximei. Ela recuou dois passos, até as costas baterem na parede. Encostei as mãos dos dois lados da cabeça dela, prendendo ela ali, com meu corpo colado no dela. — Tu sabe que eu não vou embora — falei baixo, perto demais da boca dela. — Não hoje. Ela me empurrou. As mãos pequenas tentando afastar meu peito, mas eu continuei ali. — Dante... — sussurrou, e o jeito que o nome saiu da boca dela, misturando medo e desejo, me fez perder o resto da paciência. Apertei a cintura dela com força e puxei de um jeito que fez o ar escapar dos pulmões dela. — Tô ficando cansado dessa sua mania de fingir que não me quer — rosnei, colando a boca no pescoço dela. Luna gemeu baixo, um som que tentou engolir, mas que saiu mesmo assim. — Eu te odeio — sussurrou, os olhos cheios de raiva e lágrimas. Sorri, com a boca colada na pele dela. — Mente melhor da próxima vez. Beijei ela com força, daquele jeito que não deixa espaço pra fuga. Quando larguei, ela tava com a respiração toda descompassada, o corpo mole entre as minhas mãos. Olhei pra sala e vi a porta do quarto da menina fechada. — Vou ficar aqui hoje — falei, como se fosse uma decisão que ela tivesse alguma escolha. Ela me encarou com os olhos arregalados. — Por quê? — Porque eu quero — respondi. Simples. Final. Me joguei no sofá, tirei a jaqueta, larguei o celular na mesinha de canto. — Pode continuar o que tava fazendo — falei, com o tom mais calmo que consegui. — Não vou sair daqui. Cruzei os braços atrás da cabeça e ajeitei o corpo como se fosse a coisa mais natural do mundo. Ela ainda ficou parada, tremendo, com a boca entreaberta, como se não acreditasse. Mas eu já tinha decidido. Essa noite, ela ia dormir com o cheiro da minha presença dentro da casa dela. Querendo ou não, não era mais problema dela.
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