Sem esperar resposta, ele pegou a chave da moto e saiu, deixando a porta aberta.
E eu ali, deitada no sofá, com o corpo inteiro dolorido, a calcinha rasgada, os olhos ardendo de lágrimas que eu me recusava a derramar.
O pior de tudo era saber que, por mais que eu quisesse odiar ele, uma parte minha ainda queria de novo.
Fiquei deitada no sofá, com a calcinha rasgada, a pele ardendo e o cheiro dele grudado em mim. A casa inteira parecia impregnada dele. O ar, as paredes, o chão, até minha respiração carregava o gosto daquela madrugada.
Levantei com as pernas tremendo e fui pro banheiro como se estivesse sonâmbula. Me olhei no espelho. O pescoço cheio de marcas roxas, o lábio inferior machucado de tanto que ele mordeu, os olhos vermelhos e inchados, e aquele olhar perdido, de quem não sabe mais quem é.
Abri o chuveiro no máximo, deixando a água cair quente demais, queimando a pele. Esfreguei os braços com tanta força que ficaram vermelhos. Passei o sabonete três, quatro vezes. O cheiro dele continuava ali. A água escorria, mas eu ainda me sentia suja.
Esfreguei o pescoço, os s***s, entre as pernas, como se desse pra apagar o que aconteceu. Mas não dava. Por mais que eu esfregasse, o corpo ainda lembrava. Cada arrepio, cada dorzinha no fundo, cada marca era como se ele ainda estivesse ali, me pegando de novo.
Me sentei no chão do banheiro, com as pernas dobradas e as mãos tapando o rosto. Chorei baixo, o tipo de choro que não faz barulho, que só sufoca.
Minha cabeça gritava:
“Você é uma idiota.”
“Como que você deixou isso acontecer?”
“Depois de tudo, depois de tudo, você ainda quis ele.”
O nojo de mim mesma era tão grande que dava enjoo. E o pior era saber que, no meio da raiva, da vergonha e do medo, tinha um pedaço de mim que ainda queimava por ele. E eu odiava isso mais do que tudo.
Quando consegui parar de chorar, me levantei com dificuldade. Me enrolei na toalha, fui até o quarto. A Clara dormia tranquila, como se o mundo não tivesse desabado lá fora. Me deitei do lado dela. Passei a mão no cabelo da minha irmãzinha respirando fundo, tentando me convencer de que tudo estava sob controle.
Mas não estava.
A única coisa que eu conseguia pensar, enquanto o sono me arrastava, era que, mais cedo ou mais tarde, ele voltaria. E eu não fazia ideia do que ia fazer quando isso acontecesse. Porque fugir já não parecia mais uma opção.
(…)
Acordei com o cheiro. Nem sabia direito o que era, mas o aroma invadiu a casa toda. Café fresco, pão quente, alguma coisa com queijo, talvez bolo. Meu corpo inteiro travou antes mesmo de abrir os olhos.
Ainda deitada, olhei pro lado e vi a Clara dormindo encolhida, com os braços abraçados na boneca. Ela parecia em paz, como se a noite passada fosse só mais um pesadelo da minha cabeça. Mas não era.
Levantei devagar, sentindo o corpo dolorido, com aquelas marcas dele ainda queimando na minha pele. Fui até a porta, descalça, com o coração disparando. Quando abri, meu estômago virou.
Ali, bem na frente da porta, tinha uma cesta. Daquelas grandes, de vime, com pano xadrez por cima. E dentro, tudo o que eu não podia comprar antes. nem se trabalhasse uma semana seguida: pães frescos, queijo, dois litros de leite, frutas, bolos pequenos, uma garrafa térmica com café quente.
E, por cima de tudo, um bilhete. Dobrado, com o meu nome escrito num pedaço de papel rasgado.
“Pra você e a menina. Come direito. Se eu passar aqui e te ver abatida de novo, vai ter problema.”
Assinado? Claro que não. Não precisava.
Meu coração disparou. Fechei a porta com força antes que algum vizinho visse. Encostei as costas na madeira, respirando fundo, o papel tremendo na minha mão. O cheiro da comida enchia a sala e, por um segundo, meu estômago traiu o resto do meu corpo, roncando alto. Eu não comia direito fazia dias.
A raiva subiu como veneno. Joguei o bilhete em cima da mesa, com as mãos tremendo de ódio.
“Agora é isso? Vai me comer, me machucar e depois trazer café da manhã? Vai brincar de marido de madrugada e de provedor de manhã?”
Fui até a cozinha, coloquei a cesta no canto como se fosse uma bomba-relógio.
A Clara acordou pouco depois, esfregando os olhos.
— Lulu, que cheiro bom — disse, com aquele sorriso bobo de criança faminta.
Olhei pra ela e meu peito apertou. Por um instante, só por ela, respirei fundo e fui até a cesta. Preparei o café, coloquei um pouco de bolo no prato dela, dei o leite.
Ela comeu feliz, sem nem imaginar o preço daquele café.
Enquanto ela mastigava com os olhos brilhando, eu fiquei ali, de pé, com a xícara na mão, olhando pra porta como se ela fosse explodir a qualquer segundo.
Porque eu sabia. O café, o bilhete, a ameaça velada… era só o começo. Ele não estava só me possuindo. Agora, estava me cercando.
De todos os jeitos.