Micael
Os dias têm se sucedido mais estranho que os demais. Meus tios não podem mais ficar, já passaram muito tempo neste plano. Não quero saber o que Irina irá pensar ao descobrir isso. Ela nunca soube da verdade.
Ela cresceu muito, tanto fisicamente quanto mentalmente. Ainda continua a mesma menininha de sempre, mas isso mudará quando as coisas vierem à tona. Coisas estranhas já estão acontecendo, e eu não posso mais bancar o primo crianção. Eu não sou assim, mas tenho que fazer esse papel i****a. Talvez seja por isso que ela nunca me olhou com outros olhos...
Minha missão foi dada desde o princípio. Estou seguindo os conformes.
Ela é linda, apesar de ser ranzinza, é uma garota maravilhosa. Queria que ela soubesse disso.
E eu, sou só o Micael. E para piorar, sou o primo dela! Hahahaha, que idiota...
***
Ouço passos delicados, que eram quase silenciosos, descer as escadas. Então, no corredor em direção a cozinha, ela apareceu. Estava bonita como sempre, com aquelas roupas engraçadas e simples que ela costumava usar desde criança.
Percebi que estava incomodada com alguma coisa. Ela sentou-se à mesa com sua tigela de cereal, e assim permaneceu, concentrada em sua tigelinha. Desde que Miguel chegou, ela tem se comportado de forma diferente, mais retraída e menos infantil. Tem brigado menos com o Tarik — E comigo, já que estou sempre junto ao Tarik, a culpa dos acontecimentos também caem sobre mim.
Miguel não está aqui para disfarçar seu jeito de sempre: Reservado e um tanto sério, que se você não o conhecer direito, soa apático. Claro, ele tem os momentos de brincadeira, risadas e outras diversões, mas a maior parte do tempo, fica com essa cara inexpressiva de paisagem sem um fundo interessante.
Cara, o Miguel está mesmo botando medo na sua irmã! — Cochichei ao Tarik, que olhou discretamente para Irina, que parecia estar perdida em outro mundo.
Tarik riu baixinho e assentiu.
Pouquíssimos minutos depois, Irina se levantou, pegou o dinheiro e saiu. Tarik encheu o saco dela antes disso, e coitada, às vezes eu sentia pena do quanto ele enchia o saco dela. Por isso ela era tão ranzinza.
Está bem, já chega desse teatrinho. — Tarik disse, mudando sua expressão para totalmente bruta — Não podemos deixá-la perceber nada do que está acontecendo. Quanto mais pudermos agir normalmente, menos difíceis as coisas serão. Nosso plano ainda não está concreto.
Miguel sorriu, irônico. Balançou vagarosamente a cabeça para um lado e para o outro, como se tivesse incrédulo e fazendo um “não”.
Sua irmã já começou a fase, só você não percebeu. — Miguel disse, ainda com aquele sorriso que parecia psicótico.
Não diga coisas que você não sabe, Miguel! — Tarik vociferou.
Só você não percebe. Toda a legião, de todos os tipos de submundos e dimensões já a sentiram. Não há mais como escapar. — Miguel automaticamente ficou inexpressivo — É questão de tempo até os mais variados tipos dos seus irmãozinhos e outras laias estarem bem aqui, fazendo carinho em vocês com todos os tipos inimagináveis de torturas, poderes celestiais e o que mais existir.
Eles não podem a machucar, só ela mesma pode fazer isso consigo. — Eu disse, entrando no assunto que já estava ficando sério demais.
Manipulação. — Miguel disse, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo — Alguém pode manipulá-la. Do nada, até um de nós podemos trocar as bolas e começar a induzi-la a fazer o que não é correto.
Tarik abaixou a cabeça, pensativo. Miguel contraiu os lábios e entrelaçou os dedos.
Me levantei e saí dali. Eu não tinha a mesma capacidade que os dois de fazer algo, de proteger Irina — E isso me partia o coração. O medo de perdê-la era imenso e eu sou fraco. Sou ninguém em comparação aos outros.
Eu senti várias vezes vontade de voltar para o Brasil. Minha casa, com a minha família. Mas algo me prendia à Iri... Talvez, o amor. Ou só o fato de eu tentar conquistar algo que está fora do meu alcance.