Capítulo 33: Versos não ditos

1257 Words
JACE A Isabela tava deixando eu chegar. Devagar, no meu canto, mas tava. As corridas matinais viraram nosso ponto de encontro não combinado. No começo, ela fingia que nem me via, só respondia educadamente quando eu falava algo. Mas com o tempo, foi relaxando. A gente trocava ideia, às vezes até ria de umas paradas. Era o único momento do dia que eu podia estar perto dela, e eu valorizava cada segundo. Isso tava me trazendo uma parada que eu não sentia fazia tempo, inspiração. Mano, eu escrevi um caderno inteiro de letras nesses últimos tempos. Tudo pensando nela. Tudo com aquele gosto amargo de saudade, arrependimento e vontade de fazer diferente. Eu não sabia se ia gravar, se ia soltar essas músicas um dia, mas elas estavam lá. Era o jeito que eu tinha de botar pra fora o que sentia. E outra, o jeito que a Isabela fazia as perguntas me deixava claro que ela não tava acompanhando nada sobre mim. Tipo, nada mesmo. Ela não sabia que eu tinha parado com os shows, que eu tava fazendo terapia, que larguei as festas. Ela só perguntou porque achou estranho eu estar ali, correndo cedo, em vez de estar dormindo até tarde depois de uma noitada regada a tudo que não presta. Isso era bom. Me fazia pensar que ela tava tentando me ver de outra forma. Aposto que depois que chegou em casa foi pesquisar. E, dessa vez, ela não ia encontrar escândalo, fofoca, vídeo polêmico. Não ia ter foto minha com mulher em motel, não ia ter flagra meu em festa clandestina, não ia ter treta em grupo de fofoca. Só ia encontrar coisa boa. Porque eu tinha mudado. A questão era… será que isso era o suficiente pra ela me ver diferente? Será que, no fundo, eu ainda tinha alguma chance? Aquele dia eu tava pronto pra inovar. Não queria mais só aquele papinho durante as corridas, queria mais tempo com a Isabela. E, mano, eu tinha planejado tudo. Ia chamar ela pra almoçar lá em casa, um clima leve, sem pressão. Minha mãe ia estar lá, minha cozinheira já tinha preparado aquele rango caseiro que a Isabela amava. Tudo pensado nos mínimos detalhes. Eu sabia que ela sentia falta desse tipo de comida, já tinha falado que a dona da casa onde mora agora cozinha bem, mas nada se compara ao tempero que ela já conhecia da minha casa. Minha ideia era mostrar que eu tava diferente, que agora meu foco era outro, minha energia tava em outra sintonia. E que, se ela quisesse, a gente podia pelo menos ser amigo. Ou pelo menos era o que eu tentava me convencer. Mas quando cheguei no ponto onde a gente sempre se encontrava, ela não tava lá. Fiquei esperando um tempo, olhando pro lado, vendo se ela aparecia atrasada, sei lá. Nada. Continuei ali, parado, vendo o pessoal correr, andar de skate, os camelôs começando a montar suas barracas, o cheiro de mar batendo junto com a brisa. A ficha começou a cair. E se ela estivesse me evitando? Se esses dias todos ela só tava sendo educada e agora percebeu que era melhor cortar logo o contato? Senti aquele aperto no peito, uma sensação que eu não conhecia antes de perder a Isabela. Dei mais um tempo ali, parado, tentando entender se tinha perdido mais uma chance. Depois, sem muita escolha, virei as costas e fui embora. Os próximos dias foram uma tortura. Eu acordava cedo, ia até o mesmo ponto, ficava esperando… e nada. Ela sumiu. Será que mudou o horário? Será que arrumou outro lugar pra correr? Será que me viu de longe e deu meia-volta? Mil coisas passavam na minha cabeça, e nenhuma delas era boa. Nos primeiros dias, tentei acreditar que era coincidência. Talvez um compromisso de última hora, uma gripe, sei lá. Mas depois de quase uma semana, eu já sabia a real, ela realmente tava me evitando. E o pior é que eu não tinha onde procurar. Isabela nunca foi de postar muito, mas agora parecia que tinha evaporado. Redes sociais? Tudo trancado. Amigos em comum? Não tínhamos. Eu tava no escuro. E mano, era f**a porque eu já tava acostumado com aquela rotina. Mesmo que fosse só um "bom dia", só aqueles minutos correndo lado a lado, já era o suficiente pra me manter motivado. Sem isso, a saudade bateu ainda mais forte. Comecei a me sentir inquieto. Tentava me ocupar com a música, com a terapia, mas nada fazia a sensação de vazio passar. Percebi que o problema era que eu ainda não tinha aceitado que podia nunca mais ter a Isabela de volta. E se esse sumiço fosse um aviso? E se, por mais que eu tivesse mudado, já fosse tarde demais? O tempo foi passando e a ausência da Isabela só me confirmava uma parada: ela realmente não queria mais contato comigo. No começo, eu tentava me enganar, achava que era só um desencontro, mas depois de uma semana sem ver nem sombra dela, tive que aceitar a real. Ela tinha sumido da minha vida de novo. E dessa vez, parecia definitivo. Tentei seguir minha rotina, continuar escrevendo, focar na terapia, mas nada preenchia o buraco que ficou. O pior era que eu tava acostumado com aquele tempo que a gente passava junto. Mesmo que fosse só uns minutos, mesmo que ela m*l me olhasse direito, só de ouvir a voz dela já me dava uma paz que eu não encontrava em mais nada. Agora, o silêncio era ensurdecedor. Até minha terapeuta percebeu. Na última sessão, ela me perguntou o que tava rolando. Eu não queria admitir, mas falei: — Acho que perdi a Isabela de vez. Ela me olhou com aquela cara de "vai desenrolando" e eu desabafei. Falei que a gente tava criando uma rotina, que eu tava respeitando o tempo dela, que tava me esforçando pra mostrar que eu mudei. Só que, do nada, ela sumiu. — E por que você acha que isso aconteceu? — ela perguntou. — Se eu soubesse, não tava tão bolado assim. — Você quer encontrá-la? — Quero. Mas não sei onde, não sei como. Não quero ser aquele cara que fica atrás igual doido, sabe? Mas queria pelo menos entender o que aconteceu. Ela ficou um tempo em silêncio, me analisando, depois falou. — Jace, você está realmente mudando, e isso é bom. Mas precisa entender que a Isabela não tem obrigação de perceber isso da mesma forma que você sente. Ela teve as razões dela pra se afastar, e você precisa respeitar isso. — Mas eu respeito! — Então por que está tão desesperado para encontrá-la? Aquilo me travou. Porra… Ela tava certa. Eu tava tentando forçar uma parada que talvez nem fosse mais minha. E se a Isabela tivesse seguido em frente? Se ela estivesse feliz sem mim? Se ela já estivesse com alguém? Era egoísmo meu querer que ela visse minha mudança? Querer que ela acreditasse que eu tava diferente? Saí daquela sessão com a mente ainda mais bagunçada. Naquela noite, peguei meu caderno de letras e comecei a rabiscar. A dor virou música. Escrevi sobre saudade, sobre arrependimento, sobre amor que chega tarde demais. Cada verso era um pedaço de tudo que eu queria dizer pra Isabela, mas que talvez nunca mais tivesse a chance de falar. Quando terminei, percebi que tinha escrito uma das melhores letras da minha vida. Mas de que adianta, se a única pessoa que eu queria que ouvisse talvez nunca mais quisesse me escutar?
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