Teto Narrando
Meu nome de verdade é Renan, mas ninguém me chama assim. Aqui no Morro do Dendê, meu nome é Teto. Tenho 28 anos, sou alto, forte, tatuado até o pescoço e sou o sub dessa pörra toda. O dono do morro mesmo é o Hell, meu padrasto. Ele que manda geral, que fecha com os contato, que decide quem vive e quem morre. Mas eu sou o braço direito dele, aquele que resolve os bagulho sem precisar perguntar.
Sou filho único da minha mãe, uma mulher braba, daquelas que você respeita no olhar. Meu pai de sangue morreu no combate, era vapor do Hell quando tudo ainda era no miudinho. Cê sabe, né? Quando o morro era bala pra tudo quanto é lado, ninguém tinha moral nenhuma, só vontade de sobreviver.
Depois que meu coroa morreu, Hell começou a ajudar minha mãe. Trazia cesta, pagava umas conta, arrumava uns corre. E aí, como já era de se esperar, acabaram ficando juntos. Eu devia ter uns sete anos quando eles se casaram. Lembro até hoje do churrasco que rolou no barraco da tia Neuza. Foi o primeiro dia que me senti parte de alguma coisa.
Cresci no meio da bandïdagem. Não adianta vir com papo de escola, de futuro, meu futuro já tava desenhado desde moleque. Hell me ensinou cedo a me defender, a pegar numa arma, a ser ligeiro, desconfiado. Nunca me tratou como filho, tipo meu filhinho, mas sempre me deu o espaço. Sempre foi um bom padrasto, não posso reclamar.
Com a minha mãe, ele é tipo assim, bom até a parte B. Nunca tocou nela, nunca gritou, nunca humilhou. Quando ela se estressa, começa a discutir, ele sai de perto, vai beber, vai dar um rolê, mas não bate de frente. Dá tudo pra ela. Roupa cara, joia, carro, até motorista se ela quiser. Vive como uma rainha, só que sabe que o trono dela é meio instável.
Por quê? Porque fidelidade, meu parceiro, isso ele nunca teve. Hell é cheio de amante, dentro e fora do morro. Tem marmita que ele banca no asfalto, tem pïranha que ele pega aqui mesmo no Dendê, às vezes até dentro da favela, na cara dura.
Minha mãe já deu muito esculacho em vadïa por causa disso. Já vi mulher saindo do barraco dele com a calcinha na mão e minha mãe esperando na escada com um chicote na mão. O barraco pega fogo, ela grita, quebra tudo, bota tudo pra correr.
Mas no fim das contas? Não resolve nada. Ele sempre volta, ela sempre aceita. Então eu já parei de me meter. Isso é vida deles, eles que se entendam. Eu respeito os dois, mas o que rola entre eles é problema dos dois.
Moro com eles ainda. É cômodo, é seguro, e pra falar real, não vejo problema nenhum nisso. A casa é grande, tem meu quarto separado, tenho minha liberdade. E eles também não se metem nas mina que eu trago, então tá de boa, mané. Só prosperidade.
Eu acordo cedo, faço meu corre, cuido dos vapor, organizo os ponto, vejo quem tá na atividade e quem tá ramelando. Quem vacila, já era. O morro tem que girar redondo. E o respeito aqui em cima é lei.
Na quebrada, todo mundo me respeita. Tô sempre com os rádio ligado, sempre com a Glock na cintura, e com os olhão aberto. Não deixo passar nada. Os cria me respeitam porque sabem que eu sou linha de frente, mas também porque eu não sou tirano. Dou esporro quando precisa, mas também dou moral. Ajudo quem tá comigo.
No mais, eu curto minha vida. Vivo no luxo que o crime me dá. Roupa de marca, whisky caro, corrente pesada. Mas também sei que a qualquer momento o chão pode abrir, tá ligado?
Então, enquanto isso não acontece, eu sigo no corre. De cabeça erguida, arma engatilhada e coração blindado.
Porque nessa vida, quem vacila, dança.
E eu não nasci pra ser mais um. Eu nasci pra ser o próximo rei.
Mas por enquanto, pode me chamar de Teto, o sub que comanda no silêncio.
Vou mandar a real: fiquei com a Celina, sim. Mina gostosa, fogosa, aquela pegada boa de cama, safada do jeitinho que eu curto. Só que deu ruïm. A mulher é afilhada da minha mãe, e a coroa, do nada, começou a tratar a garota como se fosse minha esposa.
Logo ela, que sempre me viu rodando com uma e outra, agora vem querer me enfiar aliança no dedo à força? Só rindo.
Falei logo pra geral que não quero nada com a Celina. É só cama, e ponto. Sem sentimento, sem cobrança, sem ilusão. Só que a coroa não entende. Já chamou a mina pra dentro de casa, já botou ela pra comer com a gente na mesa, tipo “nora oficial”. Até brinco que ela quer casar por mim.
O Hell já mandou a ideia:
— Para com isso, mulher. O moleque já tá grande, sabe o que faz.
Mas ela insiste. Diz que a Celina é moça de família, direita, educada, que é a mulher perfeita pra mim. Perfeita pörra nenhuma. Mulher perfeita pra mim é qualquer uma que tenha büceta e cüzinho, que meta gostoso, que me faça gözar com vontade. Só isso. O resto é enfeite.
Já falei mil vezes pra Celina:
— Tu pode fazer o que quiser, pode até se mudar pra casa do Hell de mala e cuia. Só não acha que vai me prender, porque não vai.
E não prende mesmo. Só que agora a mina não quer mais sair daqui. Se enfiou no meu quarto como se fosse dona, bagunçando minha rotina, pegando minhas camisetas, deitando na minha cama pelada como se eu tivesse que querer.
Tô dormindo no quarto de hóspede faz duas noites, porque não tenho paciência. E vou te dizer, vontade de meter a porrada nela, dá. Mas eu não bato em mulher, nunca bati. Nem o Hell curte esse barato. Aqui na favela, homem que encosta em mulher perde moral. Então, eu me seguro.
Agora passo o dia na rua. Fico no galpão, na quadra, dou o rolê pelos pontos, fico no bar dos cria, só volto pra casa na hora de dormir. E mesmo assim, só pra me enfiar no quarto de hóspedes e esperar o outro dia chegar.
Hoje o dia mudou. Apareceu uma novata no morro: Alice. Magrinha, daquelas que anda com a coluna reta, olhar firme, mas que tem um bündão que parece que foi moldado pra sentar com força. Boca carnuda, jeito misterioso,
gostosa e com atitude.
Fiquei só observando. Ela não fala muito, mas me olhou de volta com firmeza, sem abaixar os olhos. Isso aí já me fez ficar em alerta. Não é olhar de quem se intimida fácil. É de quem carrega história.
Não vou mentir: se ela quiser, eu tô dentro. O jeito dela me deu gatilho. Mas tem alguma parada nessa mina que eu não sei explicar, algo nela chamou minha atenção diferente. Não é só corpo. É energia, presença. Um bagulho que eu não sinto com qualquer uma.
Vou ficar de olho. Alice pode ser só mais uma, ou pode ser o tipo de problema que eu nem sabia que tava querendo arrumar.
No mais, Celina que se conforme. Porque se depender de mim, o trono de minha mulher vai continuar vazio. E se alguém tiver que sentar nele. Vai ser porque eu quis, não porque empurraram.