Capítulo oito - 8:1

724 Words
Embora improvisado, o ambiente, tinha eletricidade. Pôsteres envelhecidos de bandas icônicas dos anos 80 e 90 cobriam as paredes. A música ia além de um simples hobby. Era um portal de entrada para a imortalidade. Renato dedilhava as cordas de aço da guitarra com uma devoção etérea, atento a vibração de cada nota em busca da afinação perfeita. Hudson e Edu, discutem acaloradamente sobre possíveis alterações na letra, enquanto Cabeça, líder da "Psico Vampiro", grupo musical até o momento desconhecido, organizava o ensaio. — Chega de enrolação cambada. Bora começar! — Beleza. Vamos nessa galera — incentivou Renato, injetando uma dose extra de empolgação nos ânimos. — E DOIS, TRÊS... VAI! A bateria — minimalista e compassada, entra em cena. O bumbo pulsa como um coração enquanto o baixo produz arpejos soturnos. Renato com os cabelos desgrenhados, camiseta rasgada e jeans surrado, comandava as notas mais agudas. Os acordes da guitarra se entrelaçam a percussão, criando uma harmonia melancólica e visceral. Era dessa maneira que todos o conheciam: postura contagiante, imponente. Externamente. Por dentro, algo estava deslocado. O pensamento vagava longe. A inspiração, muitas vezes uma faísca vital, havia se extinguido. — Terra para Renato! Renato, na escuta? A voz anasalada de Hudson no vocal cortou o ritmo. — Foi m*l. Me distraí. — Se distraiu é pouco. Tava com a cabeça aonde? — Ou melhor, em “Quem”? — completou Edu dedilhando as cordas do baixo. — Vamos de novo! — ele ajustou a alça da guitarra tornando a ir do principio – com tudo algo estava errado. A melodia vinha com um timbre triste e arrastada do que o normal. Cabeça bateu nos pratos com força largando as baquetas. — Pô, Renato! Assim não dá! Tá muito lento, cara! — Eu vou acertar. Calma. — Ô Renato. Quem precisa de afinação é você, não a guitarra — alfinetou Hudson. Renato bufou aceitando a provocação. Os companheiros de banda tinham razão em reclamar. A culpa não era do instrumento ou os arranjos técnicos, tão pouco deles. A banda tentou de novo. O resultado foi ainda pior que as tentativas anteriores. Após alguns minutos de insistência frustrada, Cabeça interrompeu. — Parou, parou, parou! Assim não dá. Vamos fazer uma pausa antes que a minha paciência exploda! A banda se espalhou se desfazendo dos instrumentos. Hudson foi direto ao frigobar pegar uma bebida, Edu se jogou no sofá velho com um pacote de salgadinhos. Desolado, Renato desistiu dos ajustes e largou o instrumento no chão perto da mesa de som. Não escondia a frustração, a cabeça tombada, a postura nervosa. — Que que pega, Renatão? É a Nicole? Liga pra ela. Vai que ela atende — aconselhou Edu. — Mais fácil chover no deserto! — exclamou ele. — Ela pediu um tempo. — Esquenta não. No começo é assim mesmo. Depois desanda. Ironizou Hudson acrescentando um toque humorístico. Por outro lado, Cabeça tinha uma expressão séria. — Renato pensa bem. Tá? Focaliza no objetivo. Seu empenho despencou muito. O Hudson e o Edu tão aí de prova. Se continuar a cair, vai chegar um ponto que vamos ter que arrumar um novo guitarrista — impactou, cobrando maior presença. — Eu sou a favor do “Fica Renato”. Hudson ergueu a mão, fazendo a vez de mediador. — Vale lembrar que, de um ângulo específico, a chave do sucesso também é saber apostar as fichas. Postei um "top dez" nos meus story’s com diversos exemplos de nomes consagrados do Rock que mantiveram a formação. Incluindo as que ao logo da trajetória, como podem ter notado, tiveram uma queda praticamente absurda após perder a base original. — Os números não mentem! Como afirmava Einstein: “A matemática pura é, à sua maneira, a poesia das ideias lógicas” — apoiou Edu colocando um salgadinho na boca. — Uma semana. Uma semana no máximo é tudo que eu peço. E eu juro que as coisas vão se acertar — prometeu Renato. Cabeça cruzou os dedos atrás da nunca, como se ponderasse levar em consideração o apelo. No ensaio, outra vez reiniciado, o dom musical até esboçou uma melhora pequena, porém sem convencimento. A sonoridade continuava arrastada, desprovido de energia. Tinha que resolver o conflito interno. Ou então os esforços para permanecer na banda — talvez seu maior desejo — não haveria tido nenhum significado.
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