Episódio 1
Narrado por Helena
Nunca gostei de delegacias. O cheiro de cigarro velho impregnado nas paredes, o tilintar intermitente de telefones, o vai e vem de policiais com olhares endurecidos. Tudo ali gritava caos, desordem. E, ironicamente, era onde ele reinava soberano. Rafael Montenegro. O delegado mais implacável da cidade. O homem que me olhava como se pudesse ver através da minha pele, como se pressentisse cada mentira que eu já contei.
Eu estava ali porque o caso exigia. Um dos meus clientes havia sido preso numa operação que, aparentemente, tinha a assinatura dele. E eu precisava garantir que não houvesse nenhuma ilegalidade no processo. Não era apenas meu trabalho. Era minha reputação.
Quando entrei na sala de reunião, ele já estava lá. Sentado com a postura de um guerreiro em descanso, mas com os olhos em alerta. Rafael Montenegro era o tipo de homem que fazia o ar pesar quando entrava num cômodo. Alto, corpo forte, camisa branca dobrada nos antebraços, barba bem-feita. Mas o que realmente me tirava o fôlego eram os olhos castanhos escuros, que pareciam julgar, medir e condenar ao mesmo tempo.
— Navarro. — O tom da voz dele era seco, mas havia uma nota de ironia.
— Montenegro. — Respondi no mesmo tom, e sentei de frente pra ele, cruzando as pernas com lentidão calculada.
Ele observou o gesto. Claro que observou. Rafael podia bancar o incorruptível, mas eu sabia o que via nos olhos dele. Desejo. Raiva. Confusão.
— Seu cliente está encrencado. — Ele disse, jogando a pasta com os documentos sobre a mesa. — Pegamos ele com drogas, armas e duas ordens de execução.
— Ordens não são provas. São papel. — Retruquei. — E você sabe disso.
Nossos olhos se cruzaram. Ele se inclinou para frente. Estava perto o bastante para que eu sentisse o calor do corpo dele. O perfume amadeirado. Os dedos entrelaçados como se estivessem se contendo de fazer algo.
— Você sempre defende monstros, Helena. Eu me pergunto o que você vê neles.
Sorri. Lentamente.
— Vejo o que você se recusa a ver. Que a lei é cega, mas a justiça não precisa ser surda.
Ele riu, sem humor.
— Poético. Mas ele vai apodrecer na cadeia.
— Não se eu puder evitar.
O silêncio que se seguiu era tenso. Carregado. A eletricidade entre nós era quase visível. Eu não podia negar: havia algo nele que me desequilibrava. E eu odiava perder o controle. Era por isso que mantinha minha postura irretocável. As roupas elegantes, o salto firme, a frieza no olhar.
Mas Rafael era uma tempestade que ameaçava minhas muralhas. E parte de mim queria deixar que ele as destruísse.
Horas depois, já em meu apartamento, tirei os saltos e me joguei no sofá. Pensei no caso, mas meus pensamentos sempre voltavam para ele. Para a forma como os olhos dele deslizavam sobre meu corpo como se soubessem demais. Para a voz grave que ecoava nos meus ouvidos como uma promessa perigosa.
Rafael Montenegro era meu oposto. E, exatamente por isso, meu igual.