Episódio 1

508 Words
Narrado por Helena Nunca gostei de delegacias. O cheiro de cigarro velho impregnado nas paredes, o tilintar intermitente de telefones, o vai e vem de policiais com olhares endurecidos. Tudo ali gritava caos, desordem. E, ironicamente, era onde ele reinava soberano. Rafael Montenegro. O delegado mais implacável da cidade. O homem que me olhava como se pudesse ver através da minha pele, como se pressentisse cada mentira que eu já contei. Eu estava ali porque o caso exigia. Um dos meus clientes havia sido preso numa operação que, aparentemente, tinha a assinatura dele. E eu precisava garantir que não houvesse nenhuma ilegalidade no processo. Não era apenas meu trabalho. Era minha reputação. Quando entrei na sala de reunião, ele já estava lá. Sentado com a postura de um guerreiro em descanso, mas com os olhos em alerta. Rafael Montenegro era o tipo de homem que fazia o ar pesar quando entrava num cômodo. Alto, corpo forte, camisa branca dobrada nos antebraços, barba bem-feita. Mas o que realmente me tirava o fôlego eram os olhos castanhos escuros, que pareciam julgar, medir e condenar ao mesmo tempo. — Navarro. — O tom da voz dele era seco, mas havia uma nota de ironia. — Montenegro. — Respondi no mesmo tom, e sentei de frente pra ele, cruzando as pernas com lentidão calculada. Ele observou o gesto. Claro que observou. Rafael podia bancar o incorruptível, mas eu sabia o que via nos olhos dele. Desejo. Raiva. Confusão. — Seu cliente está encrencado. — Ele disse, jogando a pasta com os documentos sobre a mesa. — Pegamos ele com drogas, armas e duas ordens de execução. — Ordens não são provas. São papel. — Retruquei. — E você sabe disso. Nossos olhos se cruzaram. Ele se inclinou para frente. Estava perto o bastante para que eu sentisse o calor do corpo dele. O perfume amadeirado. Os dedos entrelaçados como se estivessem se contendo de fazer algo. — Você sempre defende monstros, Helena. Eu me pergunto o que você vê neles. Sorri. Lentamente. — Vejo o que você se recusa a ver. Que a lei é cega, mas a justiça não precisa ser surda. Ele riu, sem humor. — Poético. Mas ele vai apodrecer na cadeia. — Não se eu puder evitar. O silêncio que se seguiu era tenso. Carregado. A eletricidade entre nós era quase visível. Eu não podia negar: havia algo nele que me desequilibrava. E eu odiava perder o controle. Era por isso que mantinha minha postura irretocável. As roupas elegantes, o salto firme, a frieza no olhar. Mas Rafael era uma tempestade que ameaçava minhas muralhas. E parte de mim queria deixar que ele as destruísse. Horas depois, já em meu apartamento, tirei os saltos e me joguei no sofá. Pensei no caso, mas meus pensamentos sempre voltavam para ele. Para a forma como os olhos dele deslizavam sobre meu corpo como se soubessem demais. Para a voz grave que ecoava nos meus ouvidos como uma promessa perigosa. Rafael Montenegro era meu oposto. E, exatamente por isso, meu igual.
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