Você aceita? cap. 01
Nicole Watson
Estou diante do espelho e m*l reconheço o reflexo à minha frente.
Vestida de branco, com os olhos borrados de tantas lágrimas, vou me casar em poucos minutos com um homem que nem conheço direito. Um estranho.
Um homem que não pode sequer me olhar, muito menos repetir os votos.
Rodolfo Martinelli está em estado vegetativo desde um acidente de moto há alguns meses. E eu... bem, eu estou prestes a me tornar sua esposa.
A mão trêmula tenta conter o choro, mas é inútil. As lágrimas escorrem em silêncio, traindo a pose que tento manter.
— Está pronta? — pergunta Samira, enquanto fecha os últimos botões do vestido.
— Não. — respondo com a voz embargada.
Ela se aproxima, acaricia meu ombro com carinho e diz baixinho:
— Eu sei que está sendo difícil. Mas é o certo a se fazer.
Certo. Que palavra pesada.
Talvez não seja o certo... mas é o único caminho possível para impedir que meu pai perca tudo o que construiu a vida inteira. É a única forma de garantir que ele tenha o tratamento médico que precisa.
Um casamento por contrato. Por dívida. Por desespero.
Fecho os olhos por um instante e Fernando invade meus pensamentos. Eu sonhava em me casar com ele. Com ele, sim, eu me via fugindo, vivendo o amor, rindo à toa.
Ele até me pediu isso. Pra largar tudo e ir embora com ele.
E, por um momento… eu quase disse sim.
Mas não podia.
Mesmo o amando, precisei dizer não. Porque amar, às vezes, não é o bastante.
Respiro fundo, enxugo as lágrimas e retoco a maquiagem o melhor que posso. Saio do quarto com passos lentos, e encontro meu pai me esperando.
Os olhos dele estão vermelhos. A dor no rosto, escancarada.
— Me perdoa, filha. — diz ele ao me ver.
— Você não tem nada que me pedir perdão, pai. Essa foi a minha escolha. — respondo, forçando um sorriso que não chega aos olhos.
Ele me abraça com força. E chora.
Eu sei que isso não é o que ele queria pra mim.
Mas ele sabe que não pode me impedir.
Caminhamos juntos até o pequeno salão onde tudo está montado. Cerimonialista, juiz, flores, arranjos.
Tudo organizado como se fosse um casamento comum.
Mas o noivo não está em pé me esperando. Está em uma cama, em algum hospital, sem saber que está prestes a se tornar marido.
A cerimônia acontece de forma simbólica, diante das poucas pessoas presentes. A irmã de Rodolfo, sentada na primeira fileira, me observa com um olhar duro, calculista. Samira, do meu lado, segura minha mão discretamente. Meu pai não para de enxugar as lágrimas.
— Nicole Watson, você aceita Rodolfo Martinelli como seu legítimo esposo, prometendo amá-lo, ser fiel, respeitá-lo, estar com ele na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, por todos os dias da sua vida, até que a morte os separe?
Tudo parece girar em câmera lenta.
Meu coração martela no peito, sufocado.
Olho pro meu pai.
Samira assente com a cabeça.
A irmã do Rodolfo cruza os braços, me encarando como se pudesse me ler por dentro.
Respiro fundo. E digo:
— Sim.
Pego a aliança e coloco no próprio dedo. O juiz continua:
— Declaro-os, diante da lei, marido e mulher.
E é isso.
Agora sou Nicole Martinelli. Oficialmente esposa de um homem que nunca disse meu nome.
Uma das mulheres mais ricas do Rio de Janeiro. E, ainda assim, nunca me senti tão vazia.
Aceitei esse casamento por causa do meu pai. Pelo amor que sinto por ele. Pela necessidade. Pelo medo.
Posso parecer fria...
Mas a verdade é que parte de mim espera que Rodolfo parta logo.
Os médicos dizem que ele tem apenas alguns meses… talvez dias.
E é isso que me consola, ainda que me destrua por dentro.