Rodolfo Martinelli
Não sei onde estou.
Tudo é escuridão e confusão.
Só ouço vozes ao longe. Ecos abafados.
Tento falar… mas nada sai.
Tento me mexer… e é como se toneladas me esmagassem.
Estou preso dentro do meu próprio corpo.
Mais uma vez, ouço uma voz feminina. Suave. Doce. Familiar.
Será que é ela...?
Não… ela está morta.
Só pode ser um sonho.
Mas aos poucos, os sons ganham nitidez. O cheiro muda.
Acordo no meu quarto.
É sutil, mas está lá: o perfume feminino, a brisa pelas janelas, a sensação de que algo… mudou.
Reúno cada grama de força que me resta e consigo virar o rosto.
E o que vejo... me paralisa.
Uma mulher.
Linda. Sensual. Desconhecida.
Ela está se trocando — ali, no meu quarto — como se fosse dona do espaço.
Seu corpo... perfeito. E, ainda por cima, veste uma das minhas camisas.
O sangue me ferve.
Quem deu o direito a essa mulher de tocar nas minhas coisas?
Quem permitiu que ela invadisse meu espaço?
Ela se vira. Me vê.
Empalidece.
Fica paralisada por um segundo… e depois sai correndo, gritando por alguém chamada Margarida.
Minutos depois, Caterina entra no quarto com os olhos marejados e os médicos logo atrás.
Ela se aproxima com um sorriso emocionado.
— Irmão… meu Deus, é tão bom te ver de volta.
— Quem te deu o direito de me casar com uma estranha qualquer? — digo com esforço, mas com o veneno de sempre.
— Ela não é uma estranha. Ela é sua esposa.
— Esposa? Eu nunca quis uma. Isso não é da sua conta, Caterina. Você não tinha esse direito.
— Você estava prestes a morrer, Rodolfo. Eu só queria que tivesse alguém ao seu lado.
— Palhaçada. Quero essa mulher fora da minha casa. Agora. — rosno, mesmo com a voz fraca.
— Por favor, não se altere. Você acabou de acordar.
Respiro fundo, mas a raiva pulsa no peito. Minha cabeça dói. Estou fraco. Odeio me sentir fraco.
Fecho os olhos e tento me organizar.
A última coisa que lembro é…
Minha moto. A estrada. O vento.
Depois… nada.
— Caterina… o que aconteceu comigo? Por que agem como se eu estivesse morto?
Ela se aproxima, segura minha mão.
— Você sofreu um acidente de moto. Entrou em coma. Estado vegetativo. Os médicos disseram que… você não voltaria.
— Por quanto tempo eu fiquei assim?
— Quatro anos.
Quatro. Anos.
O mundo parece parar por um segundo.
— E minha empresa?
— Está bem. Eu cuidei de tudo.
— Você? — levanto uma sobrancelha, irritado.
— Sim. Sempre estive ao seu lado, Rodolfo. Eu sabia como tocar os negócios.
— Espero que não tenha ferrado nada. Trabalhei duro demais pra construir isso.
— Fique tranquilo. Está tudo como você deixou. — ela diz, antes de sair do quarto.
Preciso recuperar o controle.
De tudo.
Agora.
Alguns dias depois
Ainda não consigo mover as pernas. O fisioterapeuta me diz que é questão de tempo.
Mas eu odeio depender de alguém. Depender me fere.
Caterina entra no quarto, empurrando uma cadeira de rodas.
— Aqui está, Rodolfo.
— Eu não quero essa merda. Não sou um aleijado.
— Você vai andar. Mas até lá… precisa colaborar.
Não respondo. Apenas aceito a cadeira com o olhar cheio de veneno.
Café da manhã
Estou sentado à mesa de jantar. O café está servido, mas não toco em nada.
E então ela entra.
Minha “esposa.”
Está usando minha camisa.
De novo.
Ela para, me encara.
Nossos olhos se cruzam.
Por um segundo, o tempo congela.
Ela é linda. Isso é fato.
Mas a audácia dela... me incomoda.
Ela desvia o olhar e vai saindo.
Mas então para quando vê Margarida.
Sinto que ela ainda não entendeu onde se meteu.
Mas vai entender.
Muito em breve.