Nicole Watson (Nike)
Tomei a decisão que estava tentando adiar há semanas: me despedir do Fernando. De verdade.
Nos encontramos uma última vez.
Sem beijos. Sem carícias. Sem desculpas.
Apenas a dolorosa verdade.
— Não fica assim, linda… eu vou te esperar. — ele disse, com a voz embargada, acariciando meu rosto como se quisesse guardar meu toque.
— Não posso te pedir isso, Nando… Eu nem sei por quanto tempo ainda vou estar casada com ele.
— Eu não me importo. Espero o tempo que for preciso.
As lágrimas desceram antes que eu pudesse conter. Nunca imaginei que um dia me separaria do Fernando.
Mas a vida... não pergunta se estamos prontos.
(***)
Um mês depois
Já faz um mês desde o casamento.
Um mês vivendo ao lado de um homem imóvel.
Um mês sem ver Fernando.
Um mês fingindo normalidade num mundo que me engole viva.
Só ouço falar dele quando a Babi comenta casualmente.
Disse que ele agora está trabalhando com o pai, em São Paulo.
Aceitou o cargo para se afastar.
Para não me atrapalhar.
Entro na mansão Martinelli e, como sempre, o silêncio é quase um soco. Um eco que me lembra o quão artificial é tudo isso.
Subo, entro no quarto e encaro o mesmo cenário de sempre:
Rodolfo Martinelli.
Imóvel. Frio. Vazio.
Peço, em silêncio, que isso acabe logo.
Meu pai já começou o tratamento contra o câncer — e só por isso não me arrependo do que fiz.
De resto? É um pesadelo.
Vou até o closet e procuro meu pijama do Mickey. Juro que trouxe ele na mala. Reviro tudo… nada.
Minhas roupas dividem espaço com as dele. Os ternos caros, as camisas alinhadas, o perfume discreto.
Sempre se vestiu bem, aparentemente.
E aí, como num impulso... pego uma das camisas dele.
— Você não se importa, né, senhor Martinelli? — murmuro com um sorriso irônico.
Passo meu hidratante, visto a camisa, como sempre sem me importar de trocar de roupa na frente dele.
Ele não vê nada mesmo.
Não sente.
Não reage.
Mas quando me viro… o mundo desaba.
O rosto de Rodolfo está virado pra mim.
Me olhando.
Congelo.
O sangue some do meu rosto.
O coração para.
Não. Não. Não pode ser.
— Mar… Margarida?! Margarida! — grito, saindo em disparada pelo corredor.
Ela surge na escada, assustada.
— O que houve, minha querida?! Por que está tão pálida?
— O... O Rodolfo… ele… ele me olhou. Ele virou o rosto e… me encarou.
Margarida empalidece também.
— Isso não pode ser…
— Mas é! Eu vi! Ele está acordado!
Sem hesitar, ela sobe correndo. Eu vou atrás.
Ao entrarmos no quarto, Rodolfo parece do mesmo jeito. Mas Margarida não hesita: se aproxima, levanta a mão e acena lentamente.
Os olhos dele acompanham o movimento.
— Senhorita… é verdade. O senhor Rodolfo… voltou. — ela diz, emocionada.
Eu continuo estática, muda.
Meus pensamentos são um borrão.
Isso não podia acontecer.
E então, a porta se escancara.
Caterina entra com dois médicos atrás.
O caos se instala.
— Irmão… meu Deus, que bom te ver de volta. — diz ela, com os olhos marejados.
Os médicos o examinam. Depois de longos minutos, se viram para nós, espantados.
— É um milagre. Tínhamos certeza que ele não resistiria por muito mais tempo.
— Ainda bem que estavam errados. — diz Caterina, com firmeza.
— Vamos iniciar o protocolo de reabilitação imediatamente. Com sorte, em poucas semanas ele estará andando. Falando. Lúcido.
E é aí que ele fala.
A voz é rouca, fraca… mas assustadoramente firme.
Ele me olha de cima a baixo, e pergunta:
— Quem é ela?
Eu engulo seco.
Caterina responde, tentando soar leve:
— É… uma longa história. Mas, resumidamente, sua esposa.
Ele franze o cenho.
— Esposa?
— Sim. Eu achei que você não merecia morrer sozinho. Quis garantir que tivesse alguém ao seu lado.
O olhar dele muda. Fica sombrio.
— Eu não tenho esposa.
Nunca quis uma.
Tirem ela daqui. Agora. — diz, a voz agora cortante.
Eu travo. Não consigo reagir. Só sinto Margarida segurar minha mão e me puxar pra fora.
— Vamos, querida. Vou te preparar um chá. Você precisa se acalmar.
— Ele… ele acordou. — murmuro, ainda em choque.
— Sim. É maravilhoso, não é?
— Não. Não é.
— Ele só está confuso. O senhor Rodolfo nunca teve outra mulher… desde… — ela para de falar.
— Desde o quê, Margarida?
— Nada, querida. Só… lembre-se que, apesar de tudo, ele é um bom homem. Mesmo que não pareça agora.
— Acho que ele não vai aceitar isso tão facilmente.
— Pode ser. Mas talvez… seja só o começo.
Eu não sei o que pensar.
Parte de mim está apavorada.
A outra… quase aliviada.
Se ele voltou, esse acordo pode finalmente acabar.
Mas algo dentro de mim diz:
Nada será tão simples quanto parece.