Makyson Mancini †
Estava inquieto, e isso me incomodava; problemas e mais problemas surgiam como uma avalanche. Meu gerente no sul enfrentava dificuldades com o carregamento de drōgas. A necessidade de viajar para Friazino não seria um problema se não estivéssemos de babá, além do maldįto almoço em família no domingo.
Fechei o notebook com tanta força que o medo de ter danificado o aparelho me atingiu. O olhar de Felipe levantou da tela, me analisando. Forcei um sorriso, e ele riu, balançando a cabeça. Vi-o fechar o computador com calma, e, com paciência que me irritava, colocou o queixo apoiado na mão.
— Qual o motivo de toda essa irritação? — o olhar sínico de meu amigo me fez respirar fundo.
— Nada, está tudo ótimo, mil maravilhas! — joguei os braços para cima em derrota. Virei a cadeira, vendo a mesinha de vidro com o jogo de xadrez sobre ela. — Não entendo aonde esse velho dęsgraçado quer chegar...
— Ainda estou tentando pensar também. — a voz séria de Felipe mostrou que ele estava na mesma sintonia que eu. — Dois meses depois do ataque na casa dos seus pais... Pra isso?
— Entreguei as terras de Istra para ele; o maldįto já está com quarenta e cinco por cento de tudo. — levantei da cadeira, analisando o tabuleiro. — Qual será a próxima jogada dele, Lipe?
— A troca que você fez pela Ariel vai fazer ele pensar que ela é importante para ti. — Asimov preparava duas doses de uísque sem gelo para nós. — Como um calcanhar de Aquiles, sabe? — soltei o ar pelo nariz, sorrindo de maneira divertida.
— Se estiver pensando assim, está jogando errado... — balançava o rei das peças brancas sobre meu dedo. — Ele não vai parar até terminar de pegar tudo que quer; ele usa aquele filho nojentō como uma torre indo de um lado ao outro. — conversava com Felipe, mas estava pensando alto e sozinho.
— Pode acreditar que ele está. O cara mandou dois carros com quatro homens em cada um... — peguei o copo que Felipe me entregava — ele apostou alto indo ao Brasil, e principalmente deixando as câmeras da estrada registrar.
— Precisamos saber a merdå que meu pai fez contra ele na época que estava no comando. — tomei todo o líquido de uma vez. — Cansei de ficar parado assistindo. — parei de mexer no rei branco, pegando o bispo das peças pretas e o levando até a F seis. — Cheque.
— Vou ligar para Giulia e pedir para mandarem seu pai para cá. — me ajeitei na cadeira junto com Felipe.
— Segundo ponto, ela vai para sua casa. — o ponto de interrogação na testa dele me fez revirar os olhos. — Ariel.
— Não! Está maluco?! — foi a minha vez de olhar o mesmo de forma interrogativa. — Giulia vai contar para minha mãe; ela não vai saber mentir por muito tempo para meu pai. E a sua família, que está na paz ultimamente, vai ficar na guerra e no banho de sangue outra vez.
— Ha! — gritei na direção dele, pelo simples fato de que o moleque estava certo. — Eu odeįo você!
— Pode parar, cara, você me ama! Sou seu melhor amigo, e principalmente o único! — Felipe rodava na cadeira em comemoração. Iria mandar ele ir se ferrar, mas o barulho na porta foi ouvido.
Respirei fundo enquanto Felipe pedia para ela entrar. A jovem dos olhos de esmeralda analisava cada canto do escritório. Ela era curiosa, podia ver isso de longe; seus olhos entregavam metade de seus sentimentos, o medo e desespero foram as primeiras coisas que enxerguei. O corpo pequeno parecia frágil, mesmo com as pernas grossas e corpo bem estruturado.
Assim que a jovem sentou, o cheiro de rosas invadiu todo meu espaço. Ela me causava uma perturbação e agonia no peito; Ariel Gonzalez era problema. Minha mente alertava isso de maneira insana, e nunca esteve errada com as minhas intenções. Precisava mandar ela para longe; se o que Felipe pensava era verdade, essa mulher iria me causar dores de cabeça. Não iria ficar trocando meus territórios por ela, mas não deixaria meu amigo que salvou minha vida várias vezes na mão.
— Quando vou embora? — sorri de maneira discreta; viu a jovem quer ir embora sem motivos para manter ela aqui.
— Precisamos de duas semanas para organizar tudo. Antes de você chegar, já existiam problemas; preciso resolver isso antes para depois lidar com você. — falei de forma fria, tomando a palavra antes que Felipe falasse qualquer merdå.
— Qual seu nome? — a morena empinou o nariz de forma afrontosa, levando a sobrancelha esquerda. Os olhos verdes focaram nos meus. — Pelo menos seu amigo deve a educação de se apresentar. — a risada de Felipe parou no instante que olhei rapidamente em sua direção.
— Makyson Mancini. Sou o dono da casa e das terras que está pisando. Estou dizendo que sairá daqui em segurança porque vai. — minha voz saía rouca e firme; olhava aquela mulher ousada da mesma forma que ela.
— Dono? — a voz dela havia amansado, mas a postura ousada estava lá. — O presidente da Rússia, se não me engano, é o...
— Não sou presidente, Ariel. Não importa meu cargo, apenas aguarde. — levantei a tela do notebook novamente. — Vimos que usa óculos; Felipe vai ajudar você a comprar algumas coisas por aqui, pelo menos para passar as duas semanas. — a vi abrir e fechar a boca duas vezes; parecia querer formular alguma coisa. — Pode ir, Felipe.
— Hm... Aonde vou ficar? — a postura firme finalmente mudou; ela parecia tímida e envergonhada.
— No mesmo quarto que acordou. A moça que lhe entregou as roupas se chama Dorotéia. Governanta da casa; pode pedir a ela as coisas. — suspirei, finalmente voltando a olhá-la. — Mas algum questionamento?
— Vários, mas não gostei de você, então não vou perguntar. Licença! — a mulher rapidamente levantou e virou as costas. — Antes que eu me esqueça, diferente de você, tenha educação. Obrigada pela ajuda, seja lá quais forem seus motivos para tal. — enquanto Gonzalez rebolava na direção da porta, Felipe me olhava com diversão.
— Eu deveria ter gravado sua cara de surpresa. — ele riu. — Foi demais. Personalidade, rapaz! Está no sångue! — ele batia no próprio braço do jeito palhaço de sempre.
— Liga logo para Giulia e cala a boca!
Assim que saí o deixando sozinho para a ligação, pensei em ficar ali no corredor. Porém, precisava fumar e principalmente comer pelo menos uma maçã. Enquanto caminhava na direção da fruteira, lembrei que a jovem ainda não tinha comido. Peguei o interfone e liguei para Dorotéia; ela não ficava rondando minha casa. Tinha a sua própria no jardim.
— Dote, meu amor! — falei de forma animada. — Eu tô com fome; poderia fazer Strogonoff, por favor? — ouvi seu sim alegre do outro lado. — Vamos ficar com a visitante por duas semanas. Irei explicar para ela como pedir as coisas, ta bom?
— Sim, senhor. Gostei dela. — revirei os olhos para tal informação. — Bonita, viu? A pele dela é linda também.
— Dote pode ser amiga dela, só não se apega; daqui duas semanas, ela vai embora. — voltei o telefone ao gancho. — Rром! Que merdå! — ouvi os latidos dele e encaminhei em passos largos para o segundo andar.
Não precisei adivinhar que ele estava no quarto da garota, mas o que vi me surpreendeu. Ela estava com as mãos trêmulas fazendo carinho no animal, falando em uma língua estranha, provavelmente em português. Nunca procurei aprender, pois tenho Felipe que faz qualquer interação com países que não quero.
— Doberman. — a jovem pulou de susto, correndo com seus olhos para a porta. — Ele é um Doberman, Rpom. — rapidamente ele veio parar do meu lado. — Existe um interfone na cozinha; só consegue chamar a Dote por lá. Licença.
— Qual o nome dele? — Ariel ainda olhava para o animal de forma curiosa, porém com um medo ainda existente.
— Rpom... — falei como se fosse óbvio e a vi revirar os olhos. — Tradução livre, trovão. — falei em inglês para a mesma entender.
— Trovão. — ela obviamente repetiu em português, pois não entendi, mas trovão sim. Que correu para ela de novo, lambendo seu rosto.
— Estranho... — analisei todo aquele comportamento; trovão não era de confiar em ninguém. Não assim tão fácil. Felipe não saía daqui de casa, e mesmo assim, ele o estranhava. Os únicos que ganhavam todo esse carinho eram eu e Dote.
Decidi sair e deixar o animal lá. Quando tinha gente em casa, ele sempre ficava com Dote no quintal ou em sua casa, mas na primeira oportunidade voltava para cá. Assim que terminei de descer as escadas, minha salvação diária estava ali; fazia quarenta anos que Dorotéia estava comigo. Foi minha babá na ausência de meus pais, chegou a cuidar um pouco do meu irmão mais novo. Meu pai a dispensou, e eu a contratei; aquela mulher era minha segunda mãe.
— Nossa, minha barriga dói de fome! — fiz uma careta dramática, dando um beijo em sua testa. — Dote, vou pedir pro Felipe te dar um cartão; leva a menina para comprar algumas roupas. Vou mandar uma lista das coisas necessárias.
— Sim, senhor. — ela respondeu sem olhar para mim enquanto cortava o frango.
— A senhora pode me responder uma coisa... — finalmente a senhora de olhos castanhos, cabelos cortados bem curto e preto, pela branca porém marcada pelo tempo, me olhou. — Sabe algo que meu pai fez contra o Fabrício Orlov?
O seu silêncio durou tempo demais. Dote sempre tinha respostas rápidas, tudo na ponta da língua, mas seu olhar perdido e a agitação no dedo que segurava a faca me deixaram agoniado.
— Sabe que não me envolvo nessas coisas. — Sua resposta curta e fala trêmula fez minhas dúvidas ganharem mais força. Aquele velho não queria só o nosso território, que era maior que o seu. Algo além tinha também. — Pode me dar licença para terminar o almoço.
— Faça um prato para mim e coloque no micro-ondas, por favor. — ordenei, saindo da cozinha e voltando ao meu escritório. — Pegue suas coisas; vamos sair! — Felipe deu um pulo contra a cadeira.
— Estava preparando o jato para seu pai.
— Nós vamos para lá. Agora.