Capítulo I

2609 Words
                                           Gramado – RS/ Brasil, outubro de 2020          O cômodo que o gerente indicou como seu local de trabalho, não dispunha de nenhum luxo. A sala era retangular com paredes brancas e uma janela de vidro fumê que permitia a visibilidade do restante do galpão. `` essa é Bianca, a responsável pelo departamento de compras`` - o gerente lhe indicou uma moça de sorriso simpático que imediatamente lhe apertou a mão ``ela já trabalha há quinze anos na empresa, apesar de desempenharem funções diferentes, tenho certeza de que ela terá prazer em ajudá-la `` - ele garantiu passando mais tranquilidade a Lara, que logo se sentiu acolhida. ``esta é Michele, ela trabalha no setor de vendas, também está conosco há dois anos`` - Michele era mais vaidosa, com roupas mais chamativas e uma maquiagem mais trabalhada; tinha as unhas feitas e usava joias que pareciam ser valiosas. Lara apertou a mão da garota, lhe oferecendo um sorriso gentil que foi igualmente retribuído. - Está certo! – o gerente pareceu satisfeito – assim que Fabricio chegar, virá lhe passar as orientações e mostrar as empresas internacionais com as quais trabalhamos – ele sorriu e deixou a sala, com dois rapazes que já o aguardava na porta do escritório. Lara olhou para a sala novamente, as paredes brancas, peladas, sem qualquer adorno, o forro de madeira modestamente limpo, o chão recoberto por uma cerâmica de baixa qualidade. Ela não se sentiu no direito de ficar frustrada. B&A era uma fábrica de chocolates com grande parte de seus produtos apreciados pelo mercado exterior, era um dos grandes orgulhos da cidade. - é verdade que se formou em Oxford, na Inglaterra? – Bianca perguntou sem disfarçar a surpresa. - Sim é verdade, me formei em julho do ano passado – Lara alargou o sorriso de forma amigável, apesar de suas bochechas já estarem doendo de tanto sorrir. - Oxford? – Michele olhou boquiaberta – nossa! Como você conseguiu? Foi muito difícil conseguir uma vaga lá? Tenho uma prima que quer muito estudar fora do Brasil. - A faculdade disponibiliza bolsas de estudos, a depender do curso. - O seu inglês deve ser impecável! – Bianca falou encantada. Lara não negou, seu inglês sempre fora elogiado até mesmo por alguns colegas britânicos. - E você não quis se casar com um britânico e já ficar por lá? – Michele a fitou ansiosa – eles devem ser lindos e muito educados. Tenho certeza de que se eu tivesse uma oportunidade como a sua, teria me casado e ficado por lá. - é uma cultura diferente, eles são mais frios e mais distantes e as coisas lá são muito caras, os empregos muito disputados – Lara explicou as dificuldades que encontrara quando pensou em permanecer na Inglaterra. - Mas você sente saudades? – Bianca não escondeu o fascínio que sentia ao ouvi-la. - Não tem como não sentir, lá também foi a minha casa, de alguma forma ainda me sinto como parte de lá. - Olha pra ela Bianca, até o jeito dela se sentar é diferente, parece mesmo uma inglesa elegante! – Michele falou observando a postura ereta com que Lara estava sentada. - é verdade, você parece ser uma estrangeira! – Bianca concordou avaliando o vestido social bem passado, que Lara usava, dando a ela a aparência de alguém mais velha e responsável, apesar de seus vinte e dois anos.      As garotas passaram quase toda a manhã conversando. Lara se sentiu feliz ao perceber o quanto fora bem acolhida e já se sentiu cercada por novas amigas, algo que ela tinha certeza de que jamais teria acontecido em uma empresa com britânicos. Aquela sem dúvidas era uma das melhores coisas de estar no Brasil, ela se sentia em casa, se sentia compreendida, se sentia aceita sem precisar fazer muito esforço para isso.       O escritório era simples e pouco se parecia com o que havia imaginado quando estava estudando na poderosa universidade da Inglaterra, mas o importante era que estava empregada e para o primeiro emprego até que seu salário não era r**m, concluiu para si mesma.      Theo já estava esperando no carro, quando Lara saiu para o almoço. Ela entrou na corola prateado do noivo com um suspiro aliviado. - E então, como está sendo o primeiro dia de trabalho? – ele a observou entusiasmado. - Melhor do que eu esperava! – ela abriu um sorriso satisfeita – estou muito feliz que tudo esteja finalmente se encaixando. - Eu também! – Theo admitiu. Muitas vezes ele vira a noiva passear triste pela cidade, mesmo com todo seu esforço para levá-la aos melhores restaurantes e passeios. Frequentemente ele percebia o desinteresse dela pelo lugar. Lara negava, mas era evidente que retornar de Oxford para trabalhar em sua cidade natal, não eram os sonhos que havia traçado, mas uma consequência imposta pela realidade. - Quantas horas temos de almoço? – ele perguntou colocando o carro em movimento. - Duas horas! – ela respondeu olhando para as construções antigas que imitavam o estilo europeu, lhe arranhando o coração com a saudade que sentia da Europa. Ao perceber que novamente estava dando espaço para a melancolia, Lara voltou sua atenção para o noivo, ela voltaria a amar aquela cidade como antes de deixá-la, só precisava de tempo, de filhos, de paciência com o recomeço. - Sua irmã conseguiu pegar os convites da gráfica? - Creio que sim. Os armários da cozinha chegaram, seria bom passarmos mais tarde para ver se está tudo do seu agrado. - Do nosso agrado! – Lara o corrigiu. Ela definitivamente não podia reclamar de nada em sua vida. Theo era um homem charmoso, de trinta e um anos, trabalhava em seu próprio escritório de advocacia com o pai e o irmão mais novo, agora estava empregada em sua área de trabalho e vivia na mesma cidade que seus pais. Tudo estava mais do que maravilhoso, reclamar ou se sentir incompleta era a ingratidão carregada pela essência miserável do ser humano - garantiu a si mesma.       Gramado era uma das cidades turísticas mais visitadas e organizadas do sul do país, ela sempre se orgulhara e sentira satisfeita por viver ali e agora tudo o que mais desejava era que essa sensação de satisfação e plenitude retornasse ao seu coração. Apesar do vazio e falta de felicidade que sentia, Lara lutava paciente, na certeza de que com o tempo, seu coração se acalmaria e entenderia que ali havia sido seu passado e seria seu futuro.    - Lara! – Theo chamou a noiva com a porta do carro aberta. - Ah! – ela saiu do carro sem graça, disfarçando a confusão que sentiu ao perceber que estava diante da casa de seus pais. Theo não disse nada e chateado coçou a cabeça. - O que foi? Eu respondi tudo o que você falou – ela garantiu vasculhando em sua memória se de alguma forma havia deixado o noivo sem respostas durante o trajeto. - Não vamos discutir por essas coisas, estou começando a aceitar que esse realmente é o seu jeito! – ele se deu por vencido, fechando a porta do carro com cuidado. - Será que o papai chegou? – Lara perguntou ansiosa e se apressou em entrar.          A casa dos pais de Lara era uma das belas construções antigas da cidade, que havia pertencido a seus bisavôs e que possuía um valor tanto arquitetônico para a cidade, como sentimental para a família. Não havia nada de luxo, mas era uma casa aconchegante de dois andares, com seis quartos, cozinha e duas salas espaçosas, estando sempre cheia, com netos e sobrinhos barulhentos, um dos motivos pelo qual Lara se sentia compelida a se mudar. Apesar de deixar seu quarto sempre trancado, o barulho era algo do qual ela não tinha controle. - Filha chegou um envelope grande pra você. Acho que veio da Inglaterra! – sua mãe falou enquanto preparava a mesa do almoço. - Uma correspondência? – Lara franziu o cenho – onde está? – ela perguntou tomada por uma ansiedade. Poderia ser Mary ou talvez Aba - Lembrou-se das amigas da Inglaterra.  - Na estante. Laura tira a Beatriz de perto do fogão! – Violeta pediu aflita, lutando com os pratos e as panelas ao mesmo tempo. - Sua mão não está quebrada, só porque começou a trabalhar! – Laura reclamou olhando feio para Lara – m*l posso esperar para ver como vai se virar quando tiver seus próprios filhos! - com certeza melhor do que você! – Lara bufou seguindo para a sala. Alcançando o controle remoto, reduziu abruptamente o volume da televisão. - Naoooooo – Vitor começou a espernear, se debatendo no chão em gritos estrondosos. - Por que está fazendo isso? – Luanda perguntou furiosa, tomando o controle remoto das mãos de Lara, voltando a aumentar o som da tv. - Não pode fazer todos os gostos desse menino – Lara reclamou. - Na verdade, ele já estava na sala assistindo antes de você chegar, então o certo seria você conversar com ele e informá-lo que iria diminuir o volume da tv. - Então ele tem a crise de birra e eu é quem sou a culpada? - O engraçado é que você vive exigindo educação das pessoas, mas é a primeira a não ter nenhuma – Luana provocou. - A tia Larissa falou que a senhora se acha melhor que todo mundo, só porque estudou ... - Laura tampou a boca da filha de seis anos, antes que ela terminasse de falar. - Mamãe eu volto mais tarde! – Laura gritou puxando suas filhas para fora da casa, seguindo para o carro já antigo, estacionado na frente da residência. Laura era a única das quatro filhas que morava na casa dos sogros.       Lara alcançou o envelope sobre alguns livros empilhados na parte superior da estante, o canal de televisão foi trocado para o noticiário local, Victor fez menção de chorar, mas calou-se ao ver o avô se sentando no sofá, Theo sentou-se na outra poltrona agora vazia. Lara ergueu as sobrancelhas vitoriosa ao olhar para Luana e seguiu para a cozinha abrindo o envelope. - Insuportável! – Luana passou por ela puxando Vitor para a cozinha. - Luana não fale assim! – Violeta reclamou, tudo o que menos queria era mais uma briga entre as filhas. - o que é isso? – Larissa, a filha mais nova da casa, perguntou se encostando em Lara. - Não tenho a menor ideia! – Lara retirou os papeis do envelope sem entender, do que aquilo se tratava. - Parecem documentos! – Larissa falou forçando seu inglês, tentando ler as palavras destacadas. - Não estou entendendo nada. - Mas você não fala inglês? Tem o seu nome – Larissa protestou. - Estou entendendo o que está escrito, mas não entendo o que isso significa. - Como assim? - Theo, pode vir aqui? – Lara chamou o noivo, já nervosa com os papeis nas mãos – sabe me explicar o que significam esses papeis?     Theo pegando os documentos, o avaliou com atenção. - Você foi intimada a comparecer na embaixada britânica, em Brasília. - Que? – Lara franziu o cenho – como assim? Tem alguma coisa a ver com a faculdade? - Não. Você está sendo acusada por injuria, calunia, difamação, danos morais e conspiração – Theo olhou para a noiva surpreso. - Acusada? Como assim? Deve haver algum engano! – ela sorriu buscando na memória qualquer ato seu que justificasse algo como aquilo. - Realmente deve estar tendo alguma confusão, porque o acusador tem o título de grão-duque. - do que vocês estão falando? – Larissa colocou as mãos na cintura. Lara pegou os papei das mãos de Theo, enquanto Theo pegando o celular digitou o nome do grão-duque em um site de busca. - Lara... Lara... – Theo teve que chamar a noiva duas vezes, ao perceber que os papeis tremiam nas mãos dela. Lara olhou para o noivo pálida, sem uma gota de sangue na face. - Você conhece essa pessoa que levantou essa ação contra você? – Theo perguntou preocupado.      Sem conseguir abrir a boca Lara se sentou, as mãos ainda tremendo. - Deve ... haver algum engano! – ela conseguiu falar, mas em nada foi convincente. - No site de pesquisa diz que ele é o grão-duque de Luxemburgo – Theo insistiu, mostrando a foto do duque para a noiva. - Um duque? Deixa-me ver! – Larissa pegou o celular das mãos do futuro cunhado e olhou a foto de Hurg – Céus! Que deus grego! – a garota abafou um sorriso eufórico – não me diga que já viu esse homem pessoalmente? - Eu não o conheço! – Lara negou. - Tem certeza disso? – Theo perguntou com frieza, ao perceber que Lara estava escondendo algo. - Ele estudou na mesma faculdade que eu, mas nunca nos falamos – ela garantiu com a voz fraca. - Deve haver algum m*l-entendido, não fique nervosa! – Violeta falou ao perceber o estado da filha.   - Você tem quinze dias para comparecer a embaixada com seu advogado, precisa apresentar uma defesa contra as acusações, alegando não ter qualquer relação com o acusado – Theo informou ainda tentando entender o motivo do comportamento da garota – me avise quando pretende ir, eu vou com você. - Não – Lara fitou Theo abruptamente – não quero que se preocupe com isso, já está muito atarefado com os preparativos para o casamento. - Não se preocupe com isso – Theo falou sério, devolvendo os documentos para ela, visivelmente insatisfeito com o comportamento da garota que visivelmente lhe escondia algo.      O almoço seguiu como o de costume, Violeta, Larissa e Laura mantiveram as conversas habituais no clima animado de sempre. Lara tentou demonstrar o mesmo entusiasmo, empurrando a notícia devastadora que acabara de receber para o mais longe que conseguiu. Theo almoçou em silencio, permanecendo sério apesar das brincadeiras. Com vários anos no ramo da advocacia, ele sabia reconhecer quando alguém estava lhe escondendo algo.       Durante o trajeto para o trabalho Lara falou mais do que o habitual, puxando monólogos em um falso entusiasmo. Theo estacionou o carro ainda muito sério. - Lara! – ele suspirou confuso com a própria irritação – não sei qual é o problema, mas sei que algo não está certo – ele a fitou com seriedade, os olhos castanhos escuros refletiam preocupação e Lara apertou uma mão contra a outra, se sentindo sufocada. - Por que ficou tão nervosa com a intimação? – ele a observou com atenção. - Eu não sei, as vezes eu fico assim ansiosa, não sei explicar! – ela admitiu sem olhá-lo. - Está certo. Quero apenas que saiba que independente de qualquer coisa, pode contar comigo para tudo, entendeu? Sou uma pessoa muito paciente e compreensiva. Não sou do tipo que gosta de falar sobre ex-namorados, mas sei que não sou o primeiro homem na sua vida, e está tudo bem por isso, você também não é a primeira mulher na minha. Tenho um filho de 16 anos e já fui casado. - Eu já sei disso! - Só estou falando isso, porque nem sempre temos o passado perfeito, mas é importante ser transparente. - Nunca fui casada, não tenho filhos, não tenho nenhum envolvimento com ninguém, nunca me envolvi com drogas ou roubei ninguém – Lara respondeu ríspida e saiu do carro. Theo coçou a cabeça se apoiando no volante, ainda com o carro parado. `` então qual era o problema? `` - perguntou-se confuso balançando a cabeça, dando-se por vencido. Lara jamais lhe dera motivos para desconfiar dela, era uma garota centrada, tímida, reservada, inteligente, de família descente, não havia motivos para duvidar dela.     
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