1 | Kie |

1673 Words
O Reino do Sul, costumava ser um conjunto de estados, inúmeras cidades, mas agora, embora vários quilômetros separarem uma área da outra, o conjunto tornou-se único, a Área da Família Milani Real, a minha família. Se o nossos antepassados pudessem ver onde nos encontramos hoje, eles certamente se espantariam, até mesmo ousaria chamar de louco aquele que dissesse que pessoas pretas estariam em um nível tão alto de poder como a monarquia, a qual nos encontramos, talvez eles poderiam até nos vislumbrar em algum patamar de poder, mas esse? Certamente não.  Há pessoas que dizem que não estamos por mérito, que o lugar que ocupamos hoje em dia é apenas a famosa "reparação histórica", mas eu não acho que essa seja a verdade, o ponto chave... e penso que não importa o quão evoluído o mundo, o nosso Brasil possa evoluir, nada, absolutamente nada apagará os quase quatrocentos anos de escravidão... e o lugar que ocupamos, não é algo que chegou, caiu em nossos braços por sermos negros, por nossos antepassados terem sofrido, foi por que meus pais e seus pais batalharam para serem considerados alguém, considerados dignos de respeito, talvez a nossa pele possa ter sido um dos fatores, mas não era o único. O grande peso da balança foi, a minha família era uma das mais ricas, leais da época da grande crise, a crise que nos colocou em um colapso, mas no impulsionou a tornarmos uma potência... É engraçado como suponho isso como se tivesse tido um vislumbre dos meus antepassados, quando na verdade não tive… nasci a meia década depois que o novo governo foi restituído, reinstaurado…. É claro que peguei algumas nuances de como era tudo antes, mas não passava disso, nuances, uma ideia abstrata, para mim, só existia uma experiência, a dinastia, o poder de uma coroa… a qual desde muito cedo ansiei, a princípio a queria pela beleza, a graça de ter uma coroa sob a minha pequena cabeça, pessoas sujeitando-se as minhas demandas... em minha pequena cabeça infantil, o poder me ajudaria a estudar quando queria, comer doces sem que fosse repreendida. Mas os anos se passaram, e vi o que a englobava, direitos, deveres e acima de qualquer coisa o respeito, as pessoas não se curvavam, seguiam demandas por meus pais serem o poder, possuir uma coroa, eles os amavam e respeitavam… e eu queria isso, queria ser olhada com tamanha admiração, eu me via estando a frente dos projetos que minha mãe tanto se dedicava, amava… ela dava, ainda dá a sua vida para eles, eu queria saber o por que, queria ter a experiência… queria um dia me casar e ser tão perfeita com meu marido como meus pais, mas havia um pequeno problema, pequeno não, um enorme problema… Nada que eu queria poderia ter, por que esse problema tinha exatamente cinco anos a mais que eu, e o nomeava como minha irmã mais velha… Kiera nasceu no ano em que o Brasil entrou em colapso, filha amada, planejada em um momento crítico. Ela e meus pais, diferente de mim, não tiveram apenas nuances do processo de reestrutura do governo, para eles não eram apenas histórias contata em seus estudos, memórias que não eram suas, eles o vivenciaram, Kiera certamente não se lembrava de tanta coisa, mas esteve lá, desde o princípio, sendo preparada para assumir tudo o que trabalhavam um dia, para receber o poder que eu queria, e não poderia fazer nada a respeito… pois desde meu nascimento, tudo isso lhe foi imposto, lhe foi destinado… mas como posso controlar o meu querer? É inevitável, e parece que a cada instante eu quero mais dela, do que de mim, mas fala sério, como posso almejar a minha própria vida, quando estou destinada a ser a filha dois, que chegou quando tudo estava bem, e por isso era considerada privilegiada, quando as pessoas me viam apenas como um detalhe diante de três figuras importantes?  Sei que isso pode soar um tanto que amargurado... mas não amargura, ressentimento... eu só... sinto que não um propósito de fato para mim. Mordo meu lábio inferior com força, repreendendo minha mente... tenho que parar com isso, tenho que tentar focar em alguma coisa que não seja isso... Mas sabe o que torna tudo um pouco mais sufocante? É que não posso odiar a minha irmã... talvez um ressentimento enquanto ela está longe, mas quando seus lábios se curvam em um sorriso em minha direção, o único sentimento que me envolve é a culpa... Kiera é a melhor pessoa que já conheci em toda a minha vida... Dona de palavras doces, sorrisos gratuitos e abraços confortantes, ela é minha vida, sem qualquer ironia, eu não sei o que seria de mim sem ela... ela torna meus dias mais fáceis, e quando minha mãe e eu entramos em pé de guerra, minha irmã está ali, me acalmando, me amando mesmo sendo tão falha quanto eu... lembro-me de quando éramos pequenas, e minha mãe vivia me colocando de castigo por ter feito alguma peraltice... Por ser preparada para ser responsável, uma rainha... Kiera sempre foi adepta a regras, até mesmo em nossa infância, quando ela tinha quinze e eu dez anos, mas quando se tratava de mim, ela sempre abria mão, brigava consigo mesma para ultrapassar seus limites por mim...  Claro, ela puxava minha orelha, passava horas e horas me repreendendo, mas sabe, ela me amava, me ajudava... e isso torna minha situação pior... nunca fiz qualquer coisa que pudesse prejudicar a minha irmã, mas minha mente inúmeras vezes pegou-se traçando caminhos obscuros. — Ai está você, mamãe está louca te procurando... — Kiera aparece de repente, trazendo-me de volta de meus devaneios, forço um sorriso, olhando em sua direção. Ela está impecável dentro de seu vestido de um ombro só, na cor azul bebe que vai até seu joelho, os cabelos longos pretos estão presos em um coque perfeito, e em seu rosto a uma maquiagem média... ela é tão perfeita... até mesmo em seus passos, suspiro, torcendo meus lábios... — Me diz algum dia que ela não fica louca me procurando? — Inquiro com um tom zombeteiro, minha irmã ri, mas não me contradiz.  —  O que você aprontou dessa vez, Kira? — Os braços de minha irmã enlaçou o meu e me impulsionou a caminhar junto com ela em direção ao jardim.  — Apenas disse que estava pensando em estudar fora por um tempo, dois talvez três anos... Agora acho que ela pensa que posso fugir a qualquer momento. — O que? Que história é essa Kira? — Minha irmã para abruptamente. Eu sempre compartilhei a maior parte da minha vida com ela, apesar de muita coisa, a considerava mais que uma irmã, uma ligação irreversível de sangue, era a minha amiga, a qual compartilhei minhas primeiras paixões na escola, e decepções também, mas sobre isso não fui capaz de compartilhar até agora, ainda mais com os motivos que me levaram a ponderar sobre isso. Mas se não fosse eu a lhe contar, em breve seria meus pais... — Tenho vinte anos, Kiera, quero que minha vida seja mais do que isso que nos cerca, quero conhecer alguns lugares, aprender sobre o mundo que nos cerca... — Resmunguei apertando brevemente a sua mão... E quero me livra desse sentimento sufocante que é desejar por um dia ser você... Minha mente sinalizou silenciosamente, a expressão de minha irmã franziu. — Kira não é assim que as coisas funcionam... você não pode simplesmente ir... mamãe, papai, nunca permitiriam... — Ela parou abruptamente, me fazendo parar também. — E é por isso que preciso que os convença a me deixar ir... — O que? Está maluca? Nunca faria isso, sua ideia de partir é maluca, não posso me compactuar com ela. — Fala tão responsavelmente que é meio engraçado. — Kie... — A chamo pelo apelido que geralmente usava quando mais nova, ela maneia a cabeça em negativo — Não há muita coisa aqui para mim...  — Como pode falar isso, Kira? Eu, mamãe, papai, estamos aqui... somos sua família... —Resmunga com um tom meio abatido... — Sei que são, e os amo... mas olha, cada um de vocês tem um propósito, eu só quero encontrar o meu... — Resmungo, sentindo u8m nó formar em minha garganta. Não há uma mentira nisso, eu realmente quero encontrar algo que me faça sentir bem comigo, consequentemente parar de desejar algo que nunca poderá ser meu — Só alguns anos, Kie... — E seu projeto da biblioteca? — Questiona, encolho os ombros. — Mamãe disse que sou muito nova para tomar a frente de um projeto assim, sozinha... — O tom de mim voz soa com certo ressentimento. Mamãe exige muita responsabilidade de mim, mas quando tento ter uma responsabilidade diferente da qual ela acredita, ela prontamente me oferece motivos para me parar. O projeto Ler e Crescer, tinha o intuito de oferecer livros de diversos gêneros para impulsionar a leitura, que segundos algumas pesquisas, um pouco menos do que a metade da população fazia parte da categoria de leitores... segundo minha mãe, a ideia era boa, mas eu era inexperiente demais. — Sobre isso eu posso conversar com ela, até mesmo auxilia-la... — A mão de minha irmã alisou a minha face — Se não encontramos propósitos onde atualmente estamos, não encontraremos lá fora, Kira... tente focar nessa sua ideia, se eventualmente ainda querer partir, eu a ajudarei, sim? — Torci meus lábios... — Kie... — Por favor, meu bem, preciso de minha irmãzinha junto comigo... — Pede, me fazendo abaixar a cabeça. Esse era um dos momentos em que eu me sentia m*l, um dos momentos em que eu me perguntava como ela se sentiria caso pudesse ler a minha mente. Momento em que eu não conseguia lhe dizer não. — Ok... — Digo, ela sorri abertamente, então me envolve em um abraço apertado. Era isso, eu vivi vários anos assim, mais alguns não me mataria, certo?  O r**m, não poderia ficar pior... bem, assim eu esperava.
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