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1503 Words
Mas não. A dor era boa. Eu pisquei, tentando me concentrar nela, me agarrando àquela pontada como se fosse um lembrete de que eu ainda estava acordada. Eu não podia desmaiar. Eu não podia. Ele devia ter colocado alguma coisa no meu suco de cranberry. Droga. Estúpida, tão estúpida! Eu jurei que não tinha tirado os olhos do copo, mas… ele tinha pegado a bebida direto do barman para me entregar. Se fosse habilidoso o bastante, poderia ter feito isso em um segundo, um truque de mão. Cansada. Eu estava tão cansada. Minhas pálpebras pesavam como concreto. Pisquei uma vez. Duas. O carro acelerou com força e o solavanco me fez abrir os olhos de novo. Merda. Eu quase tinha apagado? O que diabos eu estava pensando? Se eu adormecesse, era o fim. Eu seria estuprada, assassinada, jogada fora como lixo. Exatamente como minha mãe sempre tinha me avisado. As coisas horríveis que ela sussurrava como profecias, e eu não acreditava. Agora estavam acontecendo. Primeiro Paul, e agora isso. Drogada, sequestrada… oh, Deus, oh, Deus. Engoli em seco. Que meu pai não me ouça, mas… merda, ele tinha razão. A cidade grande, com todo seu brilho e luxo, era perigosa. Mais perigosa do que eu podia imaginar. E nem é como se eu fosse alguém especial. Eu era só eu. Mas, para predadores, qualquer pedaço de carne bastava. — Para com isso! — eu sussurrei para mim mesma. — Para de pirar! Forcei os olhos a ficarem abertos. Eu só tinha tomado um terço do copo, talvez menos. Ainda dava tempo. Eu precisava acreditar nisso. O homem estava me levando para algum lugar, mas ainda não tínhamos chegado. Havia tempo. A chuva batia contra as janelas, linhas borradas de água descendo pelo vidro enquanto o carro voava pelas ruas molhadas. Ainda estávamos na cidade, certo? Isso significava que havia chances de escapar. Eu só precisava esperar o próximo momento em que ele parasse. Era a minha única oportunidade. Ele devia estar confiando que eu já estaria apagada, sem forças para tentar nada. E ele tinha razão: dentro do clube eu m*l conseguia andar sozinha. Mas o medo agora era outro. Era vida ou morte. A adrenalina queimava minhas veias e deixava tudo em preto e branco. O carro virou a esquina e meu corpo girou junto, mas eu estava tão encolhida no chão que parecia paralisada. Congelada como um coelho tentando se esconder de um lobo. Não. De jeito nenhum eu ia deitar ali e aceitar o que esse desgraçado tivesse planejado para mim. Quando senti o carro começar a desacelerar, agi. Ou melhor… explodi em ação do jeito que meu corpo permitia. Arrastei-me devagar para o banco e agarrei a maçaneta da porta. Meus braços e pernas eram blocos de concreto, demorou preciosos segundos até conseguir puxar a trava para o lado. Mas quando finalmente a porta cedeu e o carro parou, eu me lancei na noite. — Ei! — ouvi o grito dele quando meu corpo bateu contra o asfalto molhado. Pingos gelados me atingiram o rosto. Levanta. Levanta agora! Eu gritei para mim mesma. Mas fiquei ali, atordoada, com a cidade rodopiando acima de mim. Arranha-céus se erguiam como monstros na escuridão sem fim, e eu me sentia tão pequena… só mais uma gota de chuva misturada ao asfalto. A porta do motorista se abriu. Ele vinha atrás de mim. Forçando meus músculos, me arrastei para cima, usando a porta como apoio. Olhei em volta freneticamente. As ruas estavam desertas, lojas fechadas, vitrines escuras. Só silêncio, só chuva. Até que vi. Uma porta iluminada, bem ali, à direita. Luz. Luz significava gente. Ou pelo menos, um lugar para me esconder. Corri em direção a ela. O mundo se estreitou em um túnel escuro, e no fim só havia aquela claridade tremida. Meus pés descalços batiam nas poças, a água cortava minhas bochechas, mas eu corri. Adrenalina, puro desespero. Atrás de mim, os gritos dele ecoavam, cada vez mais próximos. Desci correndo os degraus e bati na porta iluminada. Estava quase chorando quando ela finalmente abriu e eu me enfiei para dentro. O lugar parecia um bar, talvez um clube privado. Luz baixa, madeira escura, sombras pesadas em cada canto. Vi o bar, algumas cabines vazias, lâmpadas fracas. Mas não podia perder tempo olhando decoração. Ele viria atrás de mim a qualquer momento. Ofegante, me enfiei contra a parede, me colando às sombras. Passei pelo balcão vazio do porteiro, depois por uma sala de casacos. Onde estava a p***a do segurança? Se fosse mesmo privado, alguém deveria me barrar, não? Olhei para mim mesma. Vestido preto todo sujo de lama, cabelo colado no rosto, pés sangrando e descalços. Uma visão miserável. Mas minha cabeça estava mais clara. Finalmente. Eu só precisava encontrar uma saída. Uma porta dos fundos, qualquer coisa. Foi quando a porta atrás de mim bateu com violência, e eu me encolhi, o coração quase saindo pela boca. Ele tinha entrado. — Ei, cara! Você não pode vir aqui! — Uma voz grossa soou da esquerda. Um segurança. Graças a Deus. — Eu estava com minha garota, preciso ver se ela veio aqui! — a voz do desgraçado. “Eu não sou a garota dele!” Quis gritar, mas fiquei muda, encolhida nas sombras. — Este é um clube privado. Se você continuar aqui, o Sr. Ubeli não vai gostar. — a voz grave do segurança era de um homem grande, eu podia imaginar. — Não, eu disse que ela veio por aqui! — insistiu o sequestrador. Passos ecoaram. Eu me enfiei mais fundo no corredor. Encontrei uma porta, tentei a maçaneta. Trancada. Maldição. Corri para a próxima. Essa abriu, e eu me enfiei para dentro, fechando antes que alguém me visse. A sala estava mergulhada em meia-luz. Tapete vermelho. Uma mesa. E atrás dela… um homem. Congelei. Ele usava um terno escuro sob medida, os cabelos pretos caindo enquanto se debruçava sobre papéis. Ombros largos, imponência fria. Ele parecia entalhado em mármore. Belo, mas de um jeito que dava medo. Minha respiração parou. A água pingava da barra do meu vestido para o tapete caro. Por um instante, achei que ele nem tinha notado. Mas então, em um movimento suave, levantou o rosto. E seus olhos cinza me encontraram. Eu recuei até a porta. Ele era lindo, mas havia algo cortante, perigoso. Trinta e poucos anos, talvez. A sombra embaixo dos olhos deixava seu olhar ainda mais penetrante. Ele me estudou inteira: meu vestido curto, meus pés descalços, meu cabelo molhado. E eu fiquei ali, imóvel. — Sr. Ubeli? — a voz veio de fora, junto com uma batida. — Sim? — ele respondeu, sem tirar os olhos de mim. A porta abriu uma fresta. Eu me encolhi atrás dela, invisível. — Temos um cara dizendo que perdeu um cordeiro. Está procurando por ela. O senhor ouviu? O homem atrás da mesa suspirou. — Eu ouvi, Sharo. Se livre dele. Meu coração disparou. — Quer que eu dê uma lição nele, chefe? Meu corpo implorava para gritar: sim, faça isso! Mas fiquei muda. — Não. Apenas mande ele embora. Se ele quiser confusão, dê um tapa. — Sim, Sr. Ubeli. A porta se fechou. Eu fiquei exposta outra vez. Só eu e aquele homem. Damon Ubeli. Ele me estudava em silêncio, os olhos estreitados. Belo. Sombrio. Assustador. Hoje, eu não tinha sorte nenhuma… mas, de alguma forma, ele me tinha salvado. — Esse cara estava te dando problemas? — perguntou, finalmente se levantando. — S-sim — sussurrei. — Obrigada. Ele se aproximou devagar, como se eu fosse um animal arisco. Eu me encolhi, mas ele passou direto, pegou um casaco no cabide e voltou. Ergueu-o, oferecendo para que eu vestisse. Olhei nos olhos dele por um instante, depois enfiei os braços pelas mangas. Era um paletó cinza, enorme para mim, mas cobriu meu corpo e me envolveu. Quente. Seguro. Um escudo contra tudo o que tinha acontecido. A onda de alívio me golpeou com tanta força que minhas pernas cederam. Ele me guiou até uma cadeira diante da mesa. Eu afundei no couro vermelho, puxando o casaco para mais perto. — Você era a garota dele? — ele perguntou. — Não! — soltei, quase violentamente. Balancei a cabeça. — Eu não o conhecia antes desta noite. Ele colocou algo na minha bebida. Ele… ele… — Ei. — A voz dele suavizou, mas firme. — Eu vou garantir que ele nunca mais mostre a cara por aqui. Quem era ele para prometer isso? E por que eu acreditei? Mas acreditei. E senti alívio. Alívio e calor. — Qual é o seu nome? — ele perguntou. — Rose. — respondi antes de pensar. Depois fechei os lábios. Eu devia ter mentido. Minha mãe sempre dizia: estranhos são perigosos. — Prazer em conhecer você, Rose. Eu sou Damon. Damon Ubeli. Assenti, sonolenta. — Prazer… em conhecer também. Meus olhos pesavam de novo. Lutei contra o sono, mas o calor era irresistível. Só um momento. Só descansar um pouco. E então apaguei.
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