3 horas depois
Meu Deus… como tudo deu tão errado, tão rápido?
Levei a mão à cabeça enquanto as luzes do clube giravam e rodavam em padrões enlouquecidos, como se zombassem de mim. Balancei a cabeça, tentando clarear a mente, mas só consegui me sentir mais tonta. Meus pés tropeçavam no chão pegajoso da pista, e cada batida da música soava como um soco dentro do meu crânio.
Helena. Eu precisava encontrar a Helena. Ou até mesmo a Euro. Alguém. Talvez pudesse pedir para dormir no sofá delas hoje à noite. Porque eu não podia voltar para casa.
Casa. Que piada. Nunca tinha sido minha casa de verdade. E agora era ainda menos. Depois do que aconteceu, não havia a menor chance de eu voltar para lá.
As imagens voltaram como lâminas afiadas na minha mente. Paul… me esperando no pé da escada quando tentei sair para encontrar minhas amigas. A casa estava em silêncio. Mole dormia. Diana ainda estava no jantar. Mas ele estava ali, parado, encostado na parede, bloqueando a porta da frente.
— Você é tão linda, Rose. Acho que é hora de parar com todos os fingimentos.
Que merda ele estava falando? Aquilo não podia ser real. Durante semanas, senti o olhar dele grudado em mim, os sorrisos disfarçados, mas… agora? Tão explícito?
Tentei passar ao lado dele.
— Eu preciso ir, Sr. Donahue. Meus amigos estão me esperando. — minha voz saiu vacilante, o medo me comendo por dentro.
Ele bateu a mão na parede, bem ao lado da minha cabeça, me encurralando.
— Paul — corrigiu, o hálito carregado de uísque queimando meu nariz. — Quantas vezes eu tenho que repetir? Me chame de Paul.
Quando tentou tocar meu rosto, virei rápido e afastei a mão dele. O estômago embrulhou. Sério? Um homem bêbado me pondo medo? Era algum tipo de maldição? Saí da casa dos meus pais exatamente para fugir desse tipo de situação, e agora isso me caía no colo de novo?
— Pare com isso! — sibilei, incrédula. — O que você está fazendo? Você tem uma esposa! Uma filha!
Mas ele não me ouviu. Nenhum homem como ele ouvia. Meu pai também não ouvia, quando achava divertido assediar as empregadas. E agora Paul repetia a história, me prensando contra a parede.
— Eu não consigo parar — murmurou, a voz baixa, as mãos descendo até minha cintura. — Eu te amo, Rose. Você me deixa louco. Esse corpo… ouvir você no chuveiro, imaginar você nua…
Arfei, tentando me soltar.
— Me solta! — gritei, empurrando seu peito, mas ele só se colou mais em mim, a boca batendo contra a minha, forçando a língua grossa entre meus lábios.
O nojo me subiu como ácido. Reagi sem pensar: minha mão desceu com força entre suas pernas. Ele gemeu de dor e recuou. Aproveitei a brecha, empurrei-o com tudo e escapei.
— Eu me demito! — gritei, com a voz trêmula, correndo pela porta sem olhar para trás.
Saí apenas com o celular, o dinheiro escondido no sutiã e as roupas do corpo. Nada mais.
E agora eu estava aqui. No maldito clube. Cercada de luzes piscando e música ensurdecedora, tentando respirar, tentando esquecer.
Minhas “amigas” estavam no bar, rindo alto e se jogando nos braços de qualquer cara que oferecesse uma bebida. Contei a Helena o que tinha acontecido. Ela soltou uns ruídos de pena, mexeu o canudo no copo e disse para eu beber até esquecer. Que tipo de amiga dizia isso? Era esse o apoio que eu teria?
Olhei para ela, e doeu perceber: eu m*l conhecia aquelas garotas. Para mim, elas significavam tanto, quase um milagre, porque eu nunca tinha tido amigas de verdade. Mas, para elas, eu era só mais uma. Um detalhe sem importância no meio das vidas agitadas que levavam.
Mesmo assim, não pedi abrigo. Não quis me humilhar ainda mais. Me convenci de que faria isso depois, no fim da noite. E talvez Helena tivesse razão: talvez eu devesse relaxar, beber, me divertir. Talvez tudo não fosse tão horrível quanto parecia.
Então, deixei um cara pagar uma bebida para mim. Pedi suco de cranberry, simples. Mas algo estava errado. Tinha álcool ali, só podia. Cada gole me deixava mais estranha, mais solta e, ao mesmo tempo, mais pesada.
Meu corpo não respondia direito. Tropecei para frente e quase bati em uma garota que rebolava no colo de um cara como se fosse um poste. Minhas mãos estavam dormentes. Tentei alcançar o celular escondido no sutiã, mas parecia que eu não tinha dedos, só um tronco de madeira inútil no lugar da mão.
O pânico começou a crescer. Isso não era normal. Eu não podia mais beber nunca mais.
Consegui, depois de muito esforço, tocar o celular. A tela girava, tremia junto comigo. As luzes eram fortes demais. Tudo piscava. Precisei de três tentativas para desenhar o padrão de desbloqueio. Quando finalmente a tela se abriu, m*l conseguia focar. O mundo se movia junto, rodando.
Meus dedos batiam na tela, errando os botões, e meu coração disparava. Senti-me frenética e, ao mesmo tempo, sonolenta demais.
Eu precisava mandar uma mensagem. Precisava de ajuda.
Agora.
Graças a Deus. Graças a Deus. Eu finalmente consegui abrir o aplicativo de mensagens. As lágrimas escorreram dos meus olhos de puro alívio, borrando tudo. Eu só precisava escrever. Pedir ajuda. Só isso.
Mas, quando comecei a digitar, o celular escorregou das minhas mãos moles e caiu no chão.
— Merda! — gemi, sentindo a garganta arder.
O que está acontecendo comigo? Por que isso está acontecendo comigo? Eu não podia estar, de novo, caindo em algum tipo de armadilha. Será que sou fraca demais para bebidas? Aposto que sim. Meu pai nunca me deixou tocar nos whiskies caros dele. Eu deveria ter adivinhado que vir a um lugar como esse daria errado.
Olhei para o chão escuro e sujo do clube. Um abismo. Eu conseguiria achar meu celular ali embaixo?
— Ei, eu lembro de você. Você deixou o telefone cair? Eu vi de lá. — A voz masculina me atingiu quando um homem se abaixou na minha frente. Ele pegou meu celular e ergueu na minha direção. Naquele instante, eu quis abraçá-lo.
Tentei dizer “obrigada”, mas minha língua parecia grossa, pesada, e só saiu algo como:
— Gaa…daa…
Apertei os olhos, e as luzes estroboscópicas me atravessaram em flashes violentos, me fazendo estremecer. Ainda assim, eu o reconheci. Era o cara simpático de antes, aquele que não riu de mim quando pedi apenas suco de cranberry. Eu relaxei um pouco.
— Eu acho que eu… — tentei falar, mas tudo escureceu.
A próxima coisa que senti foi o braço dele em volta do meu corpo, segurando meu peso, me guiando para fora da multidão.
— Vamos até o banheiro, você pode jogar água no rosto — ele disse, firme. — Eu mandei mensagem para sua amiga ir te encontrar lá.
Assenti. Falar era cansativo demais. Andar também. Mas lutei para me manter em pé, tropeçando ao lado dele. O corpo dele era sólido, firme, e eu me agarrei como pude.
Levantei a cabeça e imediatamente me ceguei com as luzes. Era demais. Tudo demais. A música batia como picadores de gelo no meu cérebro. Eu precisava de silêncio, de escuridão… e o que me veio à mente foi o porão da casa do meu pai.
Sempre que eu fazia algo que ele não gostava, era pra lá que eu ia. O porão frio, escuro, sem água, sem comida. Só castigo. Uma das razões que me fizeram fugir.
Por que ele era tão c***l? Por que tão nojento com a própria família? Eu nunca entendi. Mas sabia de uma coisa: ele morria de medo do d***o. Sempre falava disso. Dizia que havia alguém mais poderoso do que ele, um inimigo.
O pensamento me fez soltar uma risada histérica dentro da minha cabeça. Olha só, papai. Você tinha razão. A cidade grande é tão assustadora quanto você disse.
Não. Não. Isso não podia ser o fim. Era só um dia r**m. Um dia péssimo. Concentrei toda a minha força em levantar um pé, depois o outro, me apoiando no homem.
Parecia que andávamos há uma eternidade. Por que ainda não chegávamos ao banheiro?
Arrisquei olhar para cima. Franzi a testa. Não… aquilo era um corredor. Olhei por cima do ombro, confusa. Havíamos passado dos banheiros.
— Banhe… — tentei falar, mas ele me cortou.
— Shhh. Quietinha, garota. Vai ficar tudo bem.
A voz dele mudou. Não era mais amigável. Era condescendente, como se falasse com uma criança incômoda. Meu coração disparou.
— Não… — balbuciei, balançando a cabeça. Não estava certo. Isso não estava certo!
Tentei me soltar, mas os dedos dele se fecharam no meu braço como garras. E em vez de me guiar com gentileza, ele me puxou para frente, rápido, duro.
Grita, Rose. Agora! Mas quando tentei, só saiu um choramingo fraco. Na minha cabeça eu lutava, gritava, arranhava, chutava. Mas por fora… nada.
De repente, estávamos do lado de fora. A porta dos fundos do clube bateu atrás de nós. O ar frio da noite me cortou como agulhas. Finalmente, um grito escapou da minha garganta, mas foi tarde demais.
— Cala a boca, v***a — ele rosnou, puxando um chaveiro do bolso.
Um carro preto estava estacionado no beco. As luzes piscaram quando ele apertou o botão.
— Não. Não, não, não… — minha mente implorava, mas minha voz quase não saía.
Tentei lutar, mas era como se meu corpo não me obedecesse. Ele me ergueu com facilidade, como se eu fosse uma boneca, e me jogou no banco traseiro. O couro frio bateu nas minhas costas, e a porta se fechou com violência.
Ele nem se preocupou em me segurar. Não precisava. Eu estava indefesa.
O motor rugiu, os pneus cantaram, e eu fui lançada contra o banco. Depois, no chão.
— Ahnn… — gemi, impotente.
E o carro acelerou, me levando embora.