3 meses antes…
Eu estava brincando com a pequena Mole quando ouvi meus pais começarem outra discussão no quarto ao lado. De novo.
— Você sabe que eu odeio essa merda, Diana. Eu não vejo porque tenho que ir.
— Talvez porque eu espero que meu marido me apoie quando minha firma ganhar um grande caso!
Revirei os olhos e aumentei o volume do celular. Coloquei a playlist favorita da Mole, só para abafar aquela briga ridícula. Ela tinha apenas três anos, era cheia de energia e, fora algumas birras, era um doce. Não era culpa dela ter pais que não sabiam agir como pais de verdade.
Assim que os acordes começaram a sair dos alto-falantes, me virei para ela com um sorriso.
— Hora de rolar o monstro! — anunciei, erguendo-a no ar. Céus, ela estava ficando mais pesada. Se eu continuasse assim, ganharia músculos de academia sem nunca ter pisado em uma.
“Não foi isso que eu imaginei estar fazendo quando decidi trabalhar para ter algo só meu, longe dos negócios sujos do meu pai. Mas… é o que tenho. E devo agradecer.”
O riso da Mole me encheu de alívio. Era isso que importava: distraí-la, mesmo que os gritos dos pais estivessem ali, atravessando as paredes. Coloquei-a no chão, e ela imediatamente se deitou de costas no centro da sala de jogos. Afastei alguns brinquedos espalhados para que ela tivesse espaço livre e não se machucasse nos malditos legos perdidos.
Ela tinha tudo o que o dinheiro podia comprar, mas não tinha o essencial: o amor real dos pais. Por mais que dissessem amar a filha, não sabiam ser bons pais.
— Lose lole o monstlo também! — exigiu ela, e eu sorri diante da dificuldade dela com o “r”.
Fiz cara de quem estava pensando, mas logo me joguei no chão ao lado dela.
“Não é meu estilo ser tão bobinha, mas não consigo resistir. Essa garotinha precisa de alguém que brinque com ela, e não só de adultos que passem pela sala como se ela fosse mais um objeto de luxo.”
— Você está pronta? — perguntei.
— Sim!
— Então… comeceeeee rolando!
Começamos a rolar pelo chão, e o riso dela encheu a sala. Aquele espaço era enorme — claro, os Donahue viviam em um dos melhores imóveis do Upper East End. Podiam pagar fácil uma babá que morava ali, como eu. Dinheiro não era problema para eles. Pena que felicidade não se comprava.
Quando Mole alcançou a parede, continuei rolando até bater nela.
— Uh oh! Colisão! — dramatizei. — Sabe o que isso significa…
Ela gritou quando comecei a fazer cócegas nela.
— Você tem que escapar e rolar de novo, é a única saída!
Mole se contorceu, escapou e saiu rolando de novo.
— Me pegue! Me pegue, Lose!
— Ah, eu vou pegar você! — respondi, dando uma boa vantagem antes de segui-la. Meu cabelo loiro grudava no carpete e soltava estática a cada giro.
Estava prestes a dar outro rolamento quando vi uma sombra na porta. Gritei.
— Papai! — Mole exclamou, animada. — Papai, vem brincar de monstlo com a gente!
Puxei a barra da camisa, que tinha subido, e me levantei depressa.
“Esse homem me dá calafrios. Um babaca que adora me observar.”
O Sr. Donahue estava parado ali, encarando… a mim, não a filha. Tinha quarenta e poucos anos, sempre arrumado, com gel demais no cabelo, e um copo de uísque na mão.
— Parece que você pode ter a noite de folga. Decidi não sair.
— Oh… obrigada. — pisquei, surpresa.
Eu tinha pedido a noite de folga há dias. Queria sair com algumas amigas babás que conheci no parque, mas a Sra. Donahue tinha me negado. Agora, de repente, ele cancelava tudo. Estranho. E nojento. Mas quem era eu para questionar a dinâmica deles? Minha própria família podia ganhar medalha de ouro na Olimpíada da disfunção.
— Papai! — Mole puxava a perna da calça dele. — Papai, vem joga!
Olhei entre os dois, hesitante. Ele sempre pedia para eu chamá-lo de Paul, mas eu preferia Sr. Donahue.
— Tem certeza de que está tudo bem? — perguntei, indicando a porta.
Ele franziu o cenho e tomou um gole.
— Vai. Se divirta. Você é jovem. Merece uma maldita noite de deusa de vez em quando.
Encolhi os ombros com o tom dele. Ele suspirou, passou a mão no rosto e suavizou a voz.
— Desculpa. Sério. Eu coloco a Mole na cama. Está oficialmente de folga.
— Obrigada — murmurei, sincera. — Eu realmente agradeço.
Desde que saí de casa, só tinha trabalhado e cuidado da Mole. Era melhor do que conviver com os “convidados” estranhos que entravam e saíam da casa do meu pai ou ver ele se enfiando em algum tipo de crime à noite. Mas, ainda assim, eu queria mais. Amizades. Festas. Vida.
Abaixei-me e dei um beijo na cabeça da Mole.
— Vejo você amanhã, monstro.
Fiz um barulho engraçado e ela respondeu com outro. Sorri, peguei meu celular e subi correndo as escadas. Precisava de banho e roupa nova.
Mandei mensagem para Helena assim que entrei no quarto:
EU POSSO IR ESTA NOITE DEPOIS DE TUDO!
Alguns minutos depois, ela respondeu:
ESTAMOS NO STYX ÀS 10.
Dez horas? Normalmente eu já estava na cama. Mole acordava às cinco e meia, às vezes até antes. Mas dane-se. Era a minha chance.
“Chega de viver como na casa do meu pai. Sem TV, sem internet, sem celular, só regras sufocantes. Ele era o único que tinha acesso a tudo. Para mim e minha mãe, sobrava limpar, cozinhar e obedecer. Nunca diversão.”
Respirei fundo e digitei:
PARECE BOM. VEJO VOCÊ LÁ.
Coloquei música de novo. All Star, do Smash Mouth, começou a tocar.
Deixe o passado de lado. Agora eu estava na cidade grande. Livre. Com trabalho, celular, amigos e, finalmente, uma noite só minha.
Comecei a balançar a cabeça no ritmo. Depois os quadris. E logo estava dançando pelo quarto, rindo, com os braços abertos.
Eu estava livre.
E naquela noite, eu iria dançar. Quem sabe conhecer um garoto bonito. O mundo inteiro estava à minha frente. E eu estava pronta para recebê-lo, de braços abertos.