Coroa
Caralho, eu sabia que ia dar merda. Sabia desde o instante que ela falou “pastor Carlos” com aquela carinha de quem ganhou presente de Natal. Mas eu deixei. Deixei porque achei que ia ser só um velhinho de barba branca e sermão chato. Achei que eu ia ficar de boa, encostado na parede, olhando de longe.
Aí abre a porta e aparece o filhinho da p**a.
Saul.
Vinte e poucos anos, carinha de bom moço, camisa social aberta no peito, barba aparadinha, sorriso de comercial de pasta de dente. Olhar devorador. Não era olhar de crente, não. Era olhar de macho que quer comer. Olhar que eu conheço muito bem porque eu uso esse olhar desde os quinze anos.
Quando ele estendeu a mão pra ela e falou “você deve ser a Sienna” com aquela voz melosa, eu senti o sangue ferver na hora. Eu vi o jeito que ele mediu ela de cima a baixo, parou na boca, desceu pro colo, subiu de novo. Vi e quase arranquei a cabeça dele ali mesmo.
E ela, inocente do c*****o, sorriu de volta. Sorriu, p***a!
Foi instinto. Puro instinto animal.
Minha mão foi sozinha pra cintura dela, dedos abertos, apertando forte, colando o corpinho dela no meu.
Marca registrada.
Aviso sonoro: “essa aqui é minha, encosta morre”. Ela travou inteira, senti o corpinho dela esquentar na hora, mas não tirou minha mão.
Boa menina.
Saul percebeu. Claro que percebeu.
O sorriso dele morreu um tiquinho, mas ele disfarçou rapidinho.
Fingiu que era tudo normal.
Eu fiquei atrás dela o tempo todo, mão firme, polegar roçando de leve na curva da cintura. Só pra lembrar pra todo mundo, inclusive pra ela, quem manda aqui.
O pastor Carlos apareceu, abraçou ela, falou um monte de benção. Eu deixei. O velho é inofensivo. Mas o filhinho… esse eu fiquei de olho o tempo todo.
A gente trocou olhares.
Olhares de homem pra homem.
Eu disse sem abrir a boca: “se tu olhar mais uma vez pra ela desse jeito, eu arranco teu olho e faço tu engolir”.
Ele entendeu.
Baixou a cabeça rapidinho.
Aí a Sienna, toda animada, quis mostrar pro pastor que tá aprendendo português. Pegou a Bíblia, abriu numa página aleatória e começou a ler em voz alta:
— O Senhor é meu pastor de ovelha, então Ele… ahn…
no let me faltar things...
Todo mundo ficou quieto um segundo. Eu quase engasguei com a risada. Ela ficou vermelha que nem pimentão, cobriu a boca com a mão.
— Ai meu Deus, me desculpe, é… é… eu me confundo ainda.
Eu mordi o lábio pra não rir alto. Até o pastor deu uma risadinha. Mas eu tava adorando. Porque naquele momento ela era só minha Barbie desajeitada, não a missãozinha perfeita do Saul.
Aí o clima mudou.
Pastor Carlos sentou, ficou sério, começou a falar a real:
— Filha, a gente tá muito agradecido pelo que você fez na creche ontem. As crianças não param de falar. Mas… a situação aqui tá perigosa. Teve tiroteio semana passada, operação policial… eu e o Saul achamos melhor você descer pro asfalto, ficar no quarto que tem aqui na igreja, onde é mais seguro.
Minha visão escureceu na hora. Meu corpo inteiro armou pra briga. Apertei a cintura dela tão forte que ela deu uma afastada, mas a puxei pra perto.
— Ela tá segura comigo. — falei com voz tão baixa que pareceu rosnado.
Pastor Carlos engoliu em seco.
— Seu Coroa, eu sei que o senhor protegeu ela, e a gente é grato, mas…
— Ela fica onde eu coloco ela.
Silêncio de morte. Até o ventilador parecia ter medo de girar.
Saul, o filhinho da p**a, resolveu meter o bedelho:
— Pai, deixa eu mostrar pra Sienna o quartinho que a gente arrumou pra ela. É simples, mas tem ar condicionado, banheiro…
Eu cortei na hora:
— Ela não vai precisar.
Pronto. Falei.
Sem espaço pra discussão, o pastor ainda insistiu, mas eu o coloquei em seu lugar rapidinho.
Saul abriu a boca, fechou. Pastor Carlos levantou as mãos em sinal de paz.
— Tá bom, tá bom… a gente conversa outro dia.
Sienna olhou pra mim, olho arregalado, bochecha vermelha. Eu não tirei a mão da cintura dela nem pra sair da igreja. Só soltei quando já tava na rua, porque senão eu ia acabar quebrando o braço de alguém.
Subimos o morro em silêncio.
Silêncio pesado.
Ela na frente, eu atrás, olhando aquela b***a rebolar no vestido azul sem nem querer. Cada passo que a gente dava pra cima, mais eu sentia que tava levando ela de volta pro meu território. Pro meu ninho. E que ninguém, nem pastor, nem filho de pastor, nem Deus, nem d***o, ia tirar ela de mim.
Já quase noite.
Jordana tava na piscina, Lohana no sofá vendo stories no celular. E não, elas não moram aqui comigo, mas vivem vindo aqui, seja pra me pedir algum dinheiro ou pra usufruir do conforto da minha casa. Eu mandei todo mundo se mandar pra sala de TV.
Queria a cozinha só pra mim e pra ela.
Jantar simples: arroz, feijão, bife acebolado, farofa. Ela sentada na minha frente, mexendo na comida, sem olhar pra mim. Eu comendo devagar, olhando pra ela. Olhando demais.
Aí não aguentei.
— Tu achou ele bonito, Barbie?
Ela levantou a cabeça rapidamente, garfo parado no ar.
— Quem?
Eu me inclinei pra frente, cotovelos na mesa, voz baixa, perigosa:
— O Saul. Tu gostou dele? Achou ele um cara interessante?
Ela ficou vermelha na hora, balançou a cabeça rápido demais.
— Não! Não, claro que não! Ele é… normal. Só educado.
— Educado uma ova — rosnei. — Ele te comeu com os olhos na frente do pai dele. Se eu não tivesse lá, ele já tinha te chamado pra “orar” no quartinho dos fundos.
Ela arregalou os olhos, depois deu um risinho nervoso.
— Você tá exagerando…
— Tô não.
Ela abaixou o olhar pro prato, mordendo o lábio. Aí falou tão baixo que quase não ouvi:
— Eu só tenho olhos pra… pra missão.
Eu levantei uma sobrancelha.
— Só pra missão?
Ela não respondeu. Ficou olhando pro feijão como se fosse mapa do tesouro.
Eu me levantei devagar, dei a volta na mesa, parei atrás da cadeira dela. Coloquei as mãos no encosto, me inclinei até minha boca ficar perto da orelha dela.
— Mente pra mim de novo, Barbie, que eu mostro o que é pecado de verdade.
Ela prendeu o ar. Eu senti o corpinho dela arrepiar inteiro.
Fiquei ali um segundo a mais, respirando o cheiro do cabelo dela, sentindo o calor da nuca. Depois me afastei, peguei minha cerveja e saí pra varanda.
Mas eu já sabia.
A guerra tava declarada.
E dessa vez não era com alemão, nem com milícia.
Era comigo mesmo.
Porque eu quero essa gringa.
Quero por inteira.
Quero de todo jeito.
E que Deus me perdoe, porque eu não vou parar até ela ser minha.
Nem que eu tenha que queimar o morro inteiro pra isso.
ADICIONE NA BIBLIOTECA
COMENTE
VOTE NO BILHETE LUNAR
INSTA: @crisfer_autora