Coroa
Caralho, Rodrigo, o que foi aquilo?
Eu entrei no quarto como um louco, bati a porta com força suficiente pra acordar metade do morro, joguei a regata no chão e fiquei andando de um lado pro outro que nem leão enjaulado.
Pau duro latejando na bermuda, veia pulsando no pescoço, mão coçando pra quebrar alguma coisa.
Eu quase beijei ela.
Quase.
A boca dela tava ali, entreaberta, molhada, esperando. Eu vi. Eu senti o calor subindo do corpo dela como se fosse febre, aquele cheirinho doce de mulher que tá querendo sem saber nomear. E quando ela começou a roçar as coxas uma na outra, reprimindo o t***o, meu Deus do céu… os olhos dela queimavam, falavam tanta s*******m sem palavra nenhuma.
“Me pega, me come, me faz tua”.
Eu li tudo ali num olhar.
Como foi que eu consegui me afastar? Como eu não joguei ela na parede, enfiei a língua naquela boca até ela gemer meu nome, desci a mão por baixo daquele vestido e descobri se ela tava molhada pra mim?
Porque eu sou um filho da p**a controlado, só por isso.
Mas tá difícil pra c*****o.
Esse jogo tá ficando perigoso.
Perigoso demais. E ela tá gostando?
Tá gostando mesmo ou é coisa da minha cabeça tarada? Ela é virgem, com toda certeza. Virgem da igreja, criada na bolha, vai se casar com um cara igual ela: crentinho de terno, Bíblia na mão, vida certinha, casa com cerca branca na Austrália. Só de imaginar outro homem encostando nela, beijando aquela boca, tirando aquela roupa, metendo nela… meu peito dói.
Uma dor física.
Não.
Ela não vai ser de ninguém.
Não vai.
Ela é minha.
Minha Barbie. Meu território. E território aqui no morro ninguém invade.
Respirei fundo, peguei o celular, mandei mensagem no grupo dos soldados:
📲 Eu: Regra nova rapaziada: ninguém toca na Sienna. Ninguém olha torto. Ninguém cochicha, ninguém faz piadinha. Quem desobedecer leva tiro na perna e sai do bonde. Passa adiante.
Em menos de cinco minutos o morro inteiro sabia. Os cria estranharam pra c*****o.
“Coroa tá namorando a gringa?”
“É sério isso?”
“Ela virou a primeira dama agora?”
Mas ninguém questionou diretamente.
Aqui quem manda sou eu.
Ponto final.
No dia seguinte, cedo, eu decidi que era hora dela conhecer o morro de verdade. Não pra assustar — já assustei o suficiente — mas pra ela ver que nem tudo é tiro e morte.
Tem vida aqui.
Tem gente que eu cuido.
Bati na porta do quarto dela.
— Acorda, Barbie. Hoje tu vai andar de moto comigo.
Ela abriu a porta com cara de sono, cabelo bagunçado, pijaminha curto que mostrava aquelas pernas brancas intermináveis. Eu quase mandei o plano pro c*****o e tranquei a gente ali dentro o dia todo.
— Moto? Tipo… motocicleta?
— É, loira. Bota um short jeans que hoje tu vai ver o morro lá de cima.
Ela desceu meia hora depois, de short jeans comportado, regatinha branca, tênis e cabelo preso num r**o alto.
Linda pra p***a.
Eu já tava na garagem, em cima da minha Harley preta, motor ronronando baixo.
— Sobe — mandei.
Ela hesitou, mas subiu. Braços fininhos em volta da minha cintura, corpo colado nas minhas costas. Eu senti os peitinhos dela encostando, o calor da coxa dela na minha. Liguei o motor e acelerei alto, só pra disfarçar o gemido que quase escapou.
Saímos devagar pelas ladeiras. O morro acordando: mulher varrendo porta, moleque indo pra escola, cara abrindo comércio.
Todo mundo olhando.
Todo mundo cumprimentando.
“Bom dia, Coroa!”
“E aí, chefe!”
Ela apertava mais forte a cintura toda vez que eu acelerava.
Primeira parada: mirante do topo.
Vista pro mar, pro Pão de Açúcar, pro Cristo de braços abertos lá longe. Parei a moto, desci, ajudei ela a descer. Ela ficou parada, boca aberta, olhando tudo.
— Aqui é o ponto mais alto — falei, apontando. — Até aquela ladeira ali é o meu território. Depois começa outro território. Linha imaginária, mas quem passa leva chumbo.
Ela olhou pra mim, vento bagunçando o cabelo que escapou.
— É lindo… mesmo com tudo.
Eu ri baixo.
— Lindo e fodido ao mesmo tempo. Vem, tem mais.
Segunda parada: parte mais pobre, lá no fundo do morro. Casas de tijolo aparente, esgoto a céu aberto, criança brincando descalça na lama. Parei a moto, desci. Ela desceu junto, olho arregalado, mas sem nojo. Sem medo.
— Aqui é onde a coisa pega mais — expliquei. — Muita família sem gás, sem comida. Eu mando cesta básica todo mês. Gás de cozinha pra quem não tem grana. Remédio, material escolar. Se alguém chega pra mim pedindo ajuda e eu posso, eu dou. Não sou santo, Barbie, mas também não deixo meu povo passar fome.
Ela me olhou diferente. Olhar mole, cheio de admiração.
— Você cuida deles… de verdade.
— Cuido. Porque se eu não cuidar, quem vai? Polícia? Governo? Igreja?
Ela abaixou a cabeça, mas não discutiu. A gente tava voltando devagar quando o filho da p**a apareceu.
Saul.
Vindo na contramão, a pé, carregando uma caixa de papelão cheia de livro. Livros da igreja, com certeza. Camisa social, calça jeans, sorriso de bom moço. Parou bem na nossa frente.
— Irmã Sienna! Que bom te encontrar!
Ela sorriu educada.
— Oi, Saul!
Eu fiquei na moto, motor ligado, olhando fixo. Ela desceu e ele se aproximou dela, ignorando minha existência por dois segundos. Aí beijou o rosto dela. Beijou. A boca dele encostou na bochecha dela. Eu senti o sangue subir pro cérebro na hora. Mão coçando pra sacar a pistola e mandar um tiro pro alto só pra assustar.
— Trouxe uns livros pra associação das crianças — ele falou, todo solícito. — Achamos que você ia gostar de distribuir.
— Ah, obrigada! É muito gentil — ela respondeu, doce como sempre, pegando a caixa.
Eu desci da moto devagar. Cheguei do lado dela, mão na cintura dela de novo. Marcando território.
Saul me olhou, sorriso morrendo um pouco.
— Seu Coroa… bom dia.
— Fala logo o que tu quer e vaza — rosnei.
Ele ignorou, olhou pra ela.
— Irmã, você já decidiu se vai descer? A igreja tá te esperando, o quarto tá pronto…
Antes que ela abrisse a boca, eu respondi por ela.
— Ela fica, p***a. Não me faça ter que repetir isso mais nenhuma vez, entendido?
Silêncio pesado. Até o vento parou. Saul engoliu em seco, mas sustentou o olhar.
Sienna colocou a mão macia e quente no meu braço, leve, tentando acalmar.
— Saul… eu agradeço, de verdade. Mas por enquanto eu fico aqui. Tá tudo bem.
Ele assentiu devagar, mas não desistiu. Olhou direto nos olhos dela, voz baixa, cheia de significado.
— Então vou rezar mais por você, irmã.
Eu apertei a cintura dela com mais força. Ele virou as costas e foi embora. Eu fiquei olhando até sumir na curva.
Ela virou pra mim, caixa de livros na mão.
— Você não precisava ser tão grosso…
— Precisa sim. Aquele ali tá querendo te comer desde o primeiro dia. E eu não divido o que é meu.
Ela ficou vermelha, abaixou o olhar.
— Eu… eu não sou sua.
Eu cheguei mais perto, levantei o queixo dela com o dedo.
— Ainda não. Mas vai ser.
Ela prendeu o ar.
Eu vi o peito subir e descer rápido.
Vi a coxa roçar de novo.
Vi o desejo ali, cru.
Subi na moto, estendi a mão.
— Sobe. Vamos pra nossa casa.
Ela subiu. Braços em volta de mim mais apertados dessa vez.
E eu acelerei, sentindo o corpo dela colado no meu, sabendo que o morro inteiro já entendeu.
Sienna é território do Coroa.
E quem invadir, morre.
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