Capítulo- XI. Florindo
" Do meu peito está florindo algo que o tempo deixou adormecido. "
Varuna
Depois do almoço, fui mergulhar no mar, dar algumas braçadas nas águas mornas que espelham a cor do céu. Mergulhei carregando a voz dela comigo e o seu jeito tímido de olhar. Meu coração estava ardendo, ardendo e ardendo.
Prendi a respiração e boiei, pisquei olhando para a imensidão azul acima de mim. A ansiedade pela chegada da noite era muita; queria pegar o carro e ir até ela. Dizer que não consegui esperar, que não podia, porque algo em mim fica inquieto quando penso nela, quando relembro do som da sua voz. Eu quero tocar em seus dedos, tocar em seu rosto, sentir a textura do seu cabelo. Achei, vendo nela, algo que não tem explicação — apenas meu coração sabe por que ele dispara quando ela surge.
Não fui, tinha receio de assustá-la. Poderia pensar que sou algum tipo de insano que persegue meninas que acabou de conhecer.
Voltei para casa, com os olhos escuros da menina perturbando a minha mente. Eles traziam uma familiaridade que eu não conseguia — e não consigo — entender. É como se eu já os conhecesse. Não sei... difícil é explicar.
Adentrei em casa pelo portão que dá acesso à praia.
Pisei no gramado verde, fui direto para o chuveiro retirar o sal do corpo.
— Varuna, quero ir à Praia da Areia Preta. Preciso ver o apartamento — ouvi a voz do meu avô.
— Claro, eu levo o senhor. Onde está a minha mãe?
— Talvez tentando lhe dar um irmão.
Sorrimos juntos.
— Sabe que ela não pode ter mais filhos. Eu nasci destruindo o útero dela.
Sim, eu já cheguei a este mundo causando dor e estragos. Minha mãe teve as dores do parto e a dor de descobrir que perdia o útero por causa de uma hemorragia.
— É mais para praticar. Não há impedimentos — meu avô sorri.
Passo a mão pelo cabelo para retirar o excesso de água.
— Pensa em vir mais vezes para o Rio Grande do Norte? — indago, curioso para saber por qual razão adquiriu o imóvel.
— Não, mas se porventura eu quiser, tenho um lugar me esperando.
— Entendo. Irei tomar um banho e desço para irmos.
— Sem pressa, meu neto.
Passo perto do banheiro externo, alço uma toalha e enxugo o meu corpo.
Subo com passos leves e, do topo da escada, escuto vozes alteradas, porém baixas. Meus pais estavam discutindo e, a razão, eu não queria saber. Entrei no meu quarto, peguei algumas roupas e fui para o banho.
De repente, algo inusitado aconteceu: senti falta de Camila ali comigo, debaixo do chuveiro, das nossas mãos tocando-se mutuamente, dos nossos olhos um dentro do outro. Meu corpo inflamou de uma maneira desconhecida.
Terminei o banho com a sensação de estar com labaredas de fogo em meu interior.
Me vesti pensando em algum lugar legal para levar a menina. Queria um canto silencioso, sem aglomeração de pessoas.
Coloquei os sapatos e fui pegar meu celular, que deixei carregando antes de ir ao mar.
Assim que desconecto o carregador, no visor surge o ícone de mensagem recebida e o nome dela: Camila.
Ansioso, deslizo o dedo pela tela procurando pelo símbolo do aplicativo. Assim que o encontro, o abro e leio:
"Me perdoa por dizer aquelas coisas, apenas não consegui segurar, foi mais forte que eu. Se não quiser mais falar comigo, vou entender. Foi bom te conhecer, Varuna."
Estremeci. Não queria distância, e sim aproximação.
Pensei rápido: mensagem poderia demorar ou ela não ler. Fiz uma ligação.
Chamou até cair. Um nervoso dominou o meu corpo.
— Vamos, atende... atende, minha menina... — falei sozinho, insistindo outra vez.
De novo chamou até cair. Senti uma agonia; eu iria até Extremoz, falaria com ela pessoalmente. Pensava, mais uma vez tentando contato por celular.
— Oi... — ouvir a voz dela me trouxe um alívio imediato.
— Demorou a me atender por quê? Não queria falar comigo? — perguntei nervoso, com mil coisas passando pela cabeça.
— Estava no banho — respondeu com a voz doce e gentil.
Me aproximei da janela com a respiração vacilando.
— Aquela mensagem que me enviou... foi uma desculpa para não ter mais contato comigo? — fui direto.
A ligação ficou em silêncio.
— Não... fiquei com vergonha por dizer tantas coisas. Não sei quem é você. Apenas nos vimos, mas...
— A sensação é de que já nos conhecemos há tanto tempo... — completei com os olhos vidrados nas águas azuis.
— Sim... — ela confirmou, e eu sorri. Me deu vontade de sorrir, e fiz.
— É loucura, nunca te vi, nunca! Estou com medo...
— Quer mesmo que eu não vá te ver? Quer que eu me afaste? Posso fazer, se for da sua vontade... porque a minha é completamente oposta — mais uma vez fui mais transparente do que a água.
— Não... eu quero te ver... sua voz, não consigo esquecer...
— Estou de saída agora. Deixa o celular por perto. À noite te chamo por mensagem.
— Uhum...
— Um beijo, Camila.
— Outro, Varuna.
Desliguei com a sensação de ameaça se dissipando. O medo dela impor alguma distância sumindo.
Desci e meu avô me esperava sentado na varanda. Ele lia um livro sobre espiritualidade. Minha família toda segue essa vertente, exceto eu, que não acredito nisso — nessa coisa de reencarnação e almas. Para mim, funciona da seguinte maneira: o coração parou de bater, acabou.
— Vamos? — falei ao tocar o ombro do meu avô.
— Ow, sim, meu neto. Estou tão compenetrado nessa leitura, não vi quando chegou — disse, olhando para a página que marcava com uma fita vermelha.
— Do que fala? — indago.
— De almas que vieram para esta Terra em busca dos parceiros. Sabe que muitas não conseguem se encontrar? Vivem suas vidas e depois retornam em outra, para conseguir viver essa paixão. Algumas se conhecem e se amam quando são apenas almas, outras, aqui mesmo.
— Isso é loucura, vovô. O senhor devia parar de ler esses livros. Procura algum de literatura estrangeira.
— Gosto de livros espirituais, Varuna. Você é novo demais para entender. Quem sabe um dia, não?
Sorrio brevemente.
"Isso não vai acontecer."
Deixamos Barra do Rio em direção à Areia Preta.
Pelo caminho, meu avô vai falando sobre frutos do mar. Diz que Anice sabe preparar um polvo como ninguém.
Olho em sua direção. Acho bonito ele falar da minha avó com tanto carinho.
— Ela não quis vir. Insisti, mas sua avó queria fazer pigmento com algumas flores que sua mãe ganhou e estava secando. É um hobby dela, essa técnica chamada têmpera de ovo. Os gregos antigos e, principalmente, os artistas bizantinos e medievais europeus utilizavam a gema de ovo como técnica de pigmentação. Sua avó é uma mulher incrível.
É notável sua admiração, no entanto seus olhos são engolfados por uma tristeza.
— Ouvi falar sobre a têmpera, vô. Trata-se de uma técnica de pintura muito antiga, em que os pigmentos (minerais, vegetais ou até de insetos) são misturados com um aglutinante feito com gema de ovo.
— Sim. Sua avó nunca usou insetos, mas as flores com as quais eu a presenteei tornam-se lindas pinturas. Tem alguma floricultura por aqui? Quero comprar flores para a sua avó. Mulheres amam serem lembradas.
Olho em sua direção. Uma ideia surgiu em minha cabeça.
— Flores, é? Vamos encontrar algum lugar que venda.
— Ótimo! Anice ama rosa-chá. É um rosa meio velho, difícil de encontrar.
Seguimos caminho. Ao chegarmos em Areia Preta, estaciono o carro na vaga da garagem. Subimos os dois pelo elevador.
— A vista é divina, o senhor irá gostar — comentei.
— Certamente é, meu neto.
Cruzamos o corredor e entramos no apartamento. O imóvel ainda está vazio.
— Pensa em modificar? — indago, olhando com mais atenção o imóvel.
— Não, vou mobiliar. Vai ficar belíssimo com os móveis.
— Certamente, vovô.
Ficamos no local por cerca de vinte minutos, olhando todas as instalações, todos os cômodos, verificando se tinha tela de proteção nas janelas. Depois, deixamos o apartamento e seguimos pelas ruas em busca de uma floricultura, até que encontramos uma simples, bem pequena, mas carregada de rosas. E, por coincidência ou não, nessa tinha a rosa-chá. Meu avô comprou logo trinta rosas, fez um buquê enorme e saiu de lá feliz, carregando o ramalhete nas mãos.
Retornamos para a Barra do Rio. Era quase fim de tarde, por volta de umas 16h30. Assim que chegamos em casa, nos deparamos com uma mesa linda, perfeita, de lanche da tarde montada na área gourmet. Meus pais estavam lá, e não havia um clima de tensão entre eles — diferentemente do que achei que iria ocorrer, depois de ter ouvido a leve discussão. Minha avó estava desenformando um bolo. Logo, dona Anice se derreteu ao ver o buquê nos braços do marido. Os dois pareciam dois namorados.
Enquanto isso, eu não via o momento de estar sozinho com Camila.