Estrada do destino

4539 Words
Depois de conhecer o instituto eu voltei para casa fazendo o caminho que o Nick me indicou. Fiquei impressionada com a organização, paisagem e a arquitetura dos prédios antigos da cidade. Madrid era mesmo um lugar incrível e com pessoas de todos os lugares do mundo. Enquanto esperava a Júlia planejei um roteiro para conhecer alguns locais antes das minhas aulas começarem. Estava animada e ansiosa para explorar um pouco a cidade e quando ela chegou encontrou-me focada em meus planos de passeios.  - Vejo que conseguiu voltar para casa.  Brincou chamando minha atenção.  - Júlia, eu moro no Rio de Janeiro, esqueceu? Sei andar em cidade grande. Além disso, em tempos de GPS é bem mais fácil se locomover. Eu sei usar a tecnologia a meu favor prima! Brinquei com ela que riu.  - O que está fazendo? Perguntou curiosa. Sentando-se ao meu lado no sofá. - Um roteiro dos lugares que pretendo conhecer antes do curso começar. Tenho quatro dias para fazer turismo pela cidade. Estou planejando tudo para aproveitar e não gastar muito. - Gostaria de ir com você há alguns lugares. E você precisa fazer compras, quase não trouxe roupa de frio. O inverno está acabando mais ainda faltam algumas semanas. Você precisa se proteger prima. - Até parece a Doutora Andréia falando Júlia. Eu não tinha me programado pra fazer compras. - Mas a sua mãe se programou, tanto que ela depositou um dinheiro em minha conta. - Como eu não sabia de nada disso? - Simplesmente porque se soubesse não usaria o dinheiro com roupas. Não discuta, são ordens da titia. Você precisa obedecê-la mesmo estando distante. Estou de olho em você! Brincou me fazendo rir.  A Júlia às vezes gostava de bancar minha mãe, ou uma irmã mais velha, e quando a Doutora Andréia lhe dava uma missão, ela cumpria. - Vou ver um dia com menos compromissos e nós duas vamos sair. - Combinado. - Vou preparar algo para o jantar, me ajuda? - Claro. Concordei sorrindo. Enquanto preparávamos o jantar, nós duas ríamos nos lembrando de quando éramos crianças e passávamos as férias na casa dos nossos avôs. Duas netas eram mais que o suficiente para mudar a rotina deles que ficavam enlouquecidos com tanta energia e correria dentro de casa. A Júlia liderava as brincadeiras e ás vezes até me colocava em situações de risco, como quando fugimos para ir nadar em um rio e eu quase morri afogada. - Depois desse acidente a vovó exigiu que a titia colocasse você em uma aula de natação. Lembrou a Júlia, rindo. - Até hoje sinto o gosto da água daquele rio. Você podia ter me matado! Falei rindo. Jantamos em um clima descontraído e depois assistimos a um filme juntas. Ficar perto da Júlia conversando e rindo por qualquer coisa era como voltar no tempo e reviver nossas noites antes dela mudar de país. Nos dias que se seguiram, como planejado, aproveitei para conhecer a cidade e o máximo de lugares turísticos possíveis. Na maior parte do tempo andei sozinha, a Júlia apenas me fez companhia um dia, e nessa ocasião me fez comprar diversas coisas e ir ao salão de beleza. Em poucos dias sentia-me renovada e feliz com a minha vida. Era como se tivesse encontrado meu lugar no mundo, mesmo que ainda não soubesse bem o que o destino me reservava. Depois de aproveitar um pouco a cidade, finalmente chegou o dia de o curso começar. Ansiosa, acordei cedo. Estava também curiosa para conhecer as pessoas que fariam parte da minha vida pelos próximos dezoito meses. Depois de um lanche, me arrumei para sair e tentei vestir uma roupa que causasse uma boa impressão. Cheguei cedo ao Centro de Formação e aguardei o horário da aula sentada em uma das cadeiras no corredor em frente à sala, onde comecei a conhecer alguns dos meus colegas que eram em maioria norte americanos. Estava em uma conversa animada quando senti um perfume delicioso no ar. O aroma chamou minha atenção e quando eu me virei deparei-me com a Paola, ela me cumprimentou sorridente e eu fiquei nervosa. - Oi Nayara, tudo bem com você? - Olá Paola. Tudo bem sim e com você? Ela pareceu perceber meu nervosismo e o tratou com naturalidade. - Estou bem. Hoje finalmente vou conseguir falar com a Diretora do instituto. Quando terminar sua aula quer me encontra na cafeteria? Perguntou. - Claro, quero sim. - Vejo você daqui a pouco. Boa aula! Aproximando-se de mim ela me beijou o rosto. E novamente aquela sensação estranha de arrepio e calor voltou. Um dos rapazes que estava no corredor acompanhou a Paola com os olhos e falou algo que a fez olhar para trás, sorrir e agradecer. Como não ouvi ao certo, imaginei que ele tivesse feito um elogio. E sem perceber eu o encarei com um ar sério e ele me devolveu um olhar tenso. Minha irritação sem explicação passou quando a Professora chegou. A Helena Martins se apresentou falando um pouco sobre sua vida, experiências profissionais e metodologia de ensino. Em seguida ela realizou uma dinâmica para separar a sala em grupos e explicou que esses grupos apresentariam um projeto ao fim de cada módulo. A primeira aula foi interessante e me fez entender um pouco da rotina que teria daquele dia em diante. Após seu término, como combinado, fui ao encontro da Paola na cafeteria. - Posso sentar com você? Perguntei sorrindo para ela, que também sorriu para mim. - Não só pode como deve. E a aula como foi? Perguntou olhando-me fixamente. E pela primeira vez eu encarei seus olhos, notando que eram verdes como pedras preciosas. - Seus olhos são lindos. Elogiei impulsivamente e logo senti meu rosto corar. A Paola, por outro lado, não ficou nada desconfortável com o elogio e sorriu de um jeito ainda mais gracioso. - Obrigada. Você é muito gentil. Disse pegando na minha mão por um instante, o que me deixou ainda mais vermelha. - Você está bem? Perguntou. - Estou sim. Aliás, respondendo a sua pergunta, a aula foi muito boa. Enfim consegui voltar para mim, e respirei aliviada. Sentei-me de frente para ela e pedi um café cappuccino. E durante toda nossa conversa eu não consegui parar de encará-la e de me sentir envolvida pelo som da voz dela. Falamos muito sobre lugares da Espanha e ela voltou a dizer que gostaria de me levar para conhecer alguns deles. Por alguns minutos parecia que não existia nada ao nosso redor, ao menos nada que pudesse desviar nossa atenção, até que o toque do celular dela nos interrompeu. - Desculpa Nayara. Eu preciso atender. Afirmou sorridente, mas logo sua expressão mudou e a sua voz mansa deu lugar a uma irritação. Tentei não prestar atenção para no que ela falava e mesmo assim entendi que alguém estava apressando-a. - O Murilo consegue ser ainda mais arrogante quanto está me fazendo um favor. - Murilo é seu namorado? Perguntei por impulso. - É sim. Nayara, eu ficaria o dia inteiro na sua companhia se não tivesse outra reunião agora. Declarou sorrindo para mim. - Eu entendo você. - Da última vez esqueci-me de pedir seu número, pode colocar no meu celular? Assim podemos combinar um dia para sairmos juntas. Sorrindo ela me entregou o celular e eu digitei meu número, em seguida ela me ligou para que eu salvasse seu número. - Eu ligo para você! Disse sorrindo e me deu um beijo no rosto. Beijo que me deixou sem graça. Era difícil entender porque a Paola me causava essas sensações. Ou talvez só fosse difícil aceitar o motivo óbvio que me fazia sentir diferente na presença dela. No caminho para casa parei em uma cantina de comida italiana, e almocei um nhoque tradicional que estava delicioso. Não sai da cantina sem elogiar a comida e prometer voltar para provar outros pratos do cardápio. A senhora que cuidava do lugar era de uma simpatia sem explicação e me garantiu que quando eu voltasse à cantina ela prepararia um prato especial, cujo molho levava algumas especiarias colhidas nas terras da família dela, na Itália. Contente, agradeci sua atenção e em seguida voltei apressada para casa. Havia marcado hora para fazer uma chamada de vídeo com a minha mãe e infelizmente me atrasei. - Estava preocupada filha, esqueceu seu compromisso comigo? Perguntou em um tom dramático que me fez rir. Ela nunca fazia drama por nada. - A senhora fazendo drama é uma novidade mãe. Brinquei. Logo mudamos de assunto e sendo uma mãe atenciosa ela começou a me fazer inúmeras perguntas sobre a cidade, o curso e sobre as pessoas. Contei tudo que veio a minha cabeça e distraí-me com nossa conversa até ouvir o toque do meu celular. Imediatamente estranhei por ser uma ligação da Paola, não pensei que ela fosse ligar tão rápido. - Espera só um pouco mãe, preciso atender. Avisei apressada. - Olá Paola. Atendi sorrindo, mas logo minha expressão mudou com o que ouvi no telefone. Do outro lado da linha, um homem com a voz grave, em um tom sério, disse que estava me ligando por meu número ser o último registrado no celular. Preocupada perguntei o que estava acontecendo e mesmo com dificuldade de compreender tudo que ele falava, entendi que a Paola havia sofrido um acidente de carro em uma estrada. - Filha, algum problema? Perguntou minha mãe ao perceber meu semblante e eu tentei explicar a situação rapidamente. - Eu vou ver se consigo falar com alguém da família dela. Talvez no curso saibam dizer onde posso encontrar o pai ou a mãe dela. Fiquei aflita pela Paola e a minha mãe que estava acostumada com esse tipo de situação tentou me orientar e acalmar. Apressada, liguei para o Centro de Formação e explicando a situação consegui o endereço do escritório do pai dela. Em seguida chamei um táxi e segui para a área central de Madri, onde o taxista me deixou em frente ao grande prédio com aparência clássica que me surpreendeu por ter o sobrenome dela em destaque na fachada. Tentei respirar fundo antes de pedir para falar com o pai da Paola Canella. Notando meu tom de preocupação, uma das moças se apressou em liberar meu acesso ao andar superior onde eu aguardei alguns minutos até outra jovem autorizar minha entrada. O pai da Paola, um homem alto de cabelos grisalhos, me recebeu com simpatia. Em um gesto educado, apertou minha mão e se apresentou como Luís Canella. Ao me apresentar nervosa, ele estranhou e me perguntou se algo me afligia. Por mais que eu soubesse que tinha que ficar calma, estava muito de nervosa e com a voz trêmula eu lhe contei o que tinha acontecido. - Onde está a minha filha agora? Ele questionou sério. - Estão levando-a para o hospital La santa casa. Pegando o celular rapidamente ele ligou para alguém e em seguida me olhou nos olhos aflito. - Pode dirigir até o hospital? - Ainda não tenho autorização para dirigir nesse país.  - Dirija, por favor, ninguém vai nos parar não se preocupe. Eu indico o caminho. Falou pausadamente e vendo sua situação eu não neguei ajuda. Indicando o caminho, o senhor Canella se esforçava ao máximo para permanecer calmo, o que me obrigava a também permanecer calma mesmo que não soubesse lidar muito bem com situações como essa, normalmente o meu cérebro congelava e as pernas paralisavam. Chegamos ao Hospital, e para aumentar nossa ansiedade, a Paola ainda estava a caminho. Minutos depois, a mãe de Paola chegou ao hospital, acompanhada pelo motorista. Atordoada, ela foi logo perguntando pela filha e o senhor Luís tentou acamá-la, mas a falta de notícias deixou-a ainda mais agitada. Olhando-me de canto de olho ela se quer perguntou quem eu era, e eu também não me apresentei, aquela situação dispensava formalidades. Quando enfim a ambulância chegou os dois ficaram ainda mais ansiosos. Respeitando a privacidade da família afastei-me para deixá-los à vontade, mas permaneci no hospital a fim de ter alguma notícia. Só depois de a Paola passar por exames, o senhor Luís veio me contar como ela estava. - Nayara, eu quero agradecer sua presteza diante dessa situação e dizer que a Paola está bem e consciente. Infelizmente ela fraturou o fêmur e vai precisar passar por uma cirurgia, mas diante do susto foi um dano menor. Ouvindo o senhor Canella enfim respirei fundo ao saber que ela estava relativamente bem. - Muito obrigado! Ele agradeceu com sinceridade, e eu percebi que aquele era o momento de ir embora. Voltei pra casa ainda preocupada e triste por não poder fazer mais nada pela Paola. Assim que abri a porta, a Júlia, que estranhou minha ausência, foi logo perguntando. - Onde estava até essa hora Nayara? - Eu estava no hospital La Santa Casa. - O que houve prima? Perguntou assustada e eu contei para ela tudo que tinha acontecido. - Essa Paola Canella é a filha do Luís e a Marta Canella? Perguntou como se os conhecesse. - É sim. Você os conhece? Perguntei curiosa. - Não pessoalmente. Conheço a grife. É uma das melhores e mais prestigiadas na Espanha. Que bom que não aconteceu nada pior com a Paola, ela é a única filha dos Canella. A Júlia me deixou curiosa ao falar dos Canella como se fossem figuras importantes. - Prima, conhecendo você deve estar psicologicamente exausta. Tome um banho, relaxe um pouco. Eu preparei um caldo verde, levo para você no quarto. Sugeriu por me conhecer bem e saber que agora mais do que nunca eu evitava hospitais. - É o que vou fazer. Obrigada Júlia. Agradeci. Ainda sob efeito da adrenalina do dia, fui para o quarto e tomei um banho quente e demorado e quando saí do banheiro a Júlia me trouxe o caldo verde que havia preparado. - Nay, eu vou dormir na casa do Nick hoje. Você vai ficar bem? - Vou sim. Pode ir tranquila. Despedimo-nos. A noite acabou sendo bem desagradável. Rolei de um lado para o outro na cama, me levantei várias vezes e praticamente assistir o dia nascer. Quando o cansaço me derrubou estava na hora de acordar e o meu primeiro pensamento ao levantar foi o de ligar e ter notícias da Paola. Tomei o café da manhã com uma dúvida na cabeça. Tinha medo de incomodar com a minha ligação, mas sabia que o dia seria muito difícil se eu não soubesse como ela estava. Quando enfim tive coragem, resolvi ligar e para minha surpresa ela me atendeu rapidamente. - Nossa... Atendeu rápido. Falei instintivamente com o coração acelerado. - Eu estava com celular na mão pensando em ligar para você. Soube que avisou a minha família sobre o acidente e que ficou no hospital até ter notícias minhas. - Eu fui à última pessoa que você ligou e a primeira que soube do acidente. Falei calmamente, controlando meus batimentos acelerados. - Você está bem? Perguntei. - Estou sim. Sinto como se tivesse nascido de novo. É difícil pensar que eu podia ter morrido. Disse com a voz chorosa e eu tentei animá-la. - Não pense assim. O importante é que você está bem e logo isso será passado. - Hoje eu vou ficar o dia em observação, e dando tudo certo, esta noite vou fazer uma cirurgia. Contou nervosa e eu me coloquei em seu lugar. Certamente estaria surtando. - Não quero lhe dizer algo redundante, mas fique tranquila, tudo vai dar certo. Você vai se recuperar rápido. E se precisar eu estou ao seu dispor! Afirmei para tentar deixá-la mais calma. - Obrigada Nayara, você é uma pessoa amável e gentil. Eu acredito que vou ficar bem. Mas estou preocupada com a situação do Murilo. O quadro dele é complicado. - Murilo é o seu namorado? - Na verdade não exatamente meu namorado. Estávamos há um tempo juntos não era bem um namoro. A minha mãe é que tem a mania de intitular meus relacionamentos. Mas enfim eu me sinto culpada pelo que aconteceu. Confessou triste. - O quê aconteceu com ele? - Ele quebrou as duas pernas e furou o baço. - Nossa que assustador! Falei espontaneamente. - Esse tipo de coisa a gente nunca imagina que possa acontecer. Ainda estou perplexa. - No seu lugar eu estaria mais nervosa. Não consigo me ver em um hospital. Ela riu. - Isso quer dizer que eu nem devo esperar sua visita? Ela perguntou e não consegui responder de outra forma. - Com certeza irei visitá-la. Senti meu coração bater forte novamente, como se uma chama estivesse acesa nele. E dessa vez uma confusão tomou conta de mim. Entendia cada vez menos o que estava sentindo. - Eu liguei só para ter certeza que você está bem. Passei a noite pensando em você. Falei sem pensar em como isso soaria e quando me dei conta fiquei ainda mais nervosa. - Quero dizer que passei a noite pensando se estava bem, se sentia dor... Tentei me corrigir e pareceu soar ainda pior, tanto que ela riu de mim. - Eu entendi. Estou confortável dentro do que é possível e também ansiosa por conta da cirurgia. Mas vou tentar pensar em coisas boas, como os passeios que nós duas vamos fazer juntas. Confesso que agora estou ainda mais ansiosa. Sorri ao ouvir sua afirmação em um tom de voz meigo. - Tenho certeza que isso acontecerá logo. Gostaria de ficar conversando com você e lhe fazendo companhia, mas tenho que ir pra aula agora. Se precisar pode me ligar. De verdade. - Obrigada Nayara, você é muito gentil! - Descanse um pouco Paola. Mais tarde volto a ligar pra saber como você está. - Eu vou esperar sua ligação. Boa aula! Um beijo. - Outro para você. Falei timidamente. Ao menos depois da ligação senti-me mais aliviada. Pensar na Paola em uma cama de hospital fazia crescer em mim, um desejo que eu não entendia; uma vontade de protegê-la e de cuidar dela como se fosse alguém que está há muito tempo na minha vida. Esse pensamento me fez sentir novamente confusa e por um instante eu intuí o que estava acontecendo, mas preferi acreditar que estava enganada, que era uma confusão da minha mente e que eu só estava mexida com tantas mudanças que aconteceram na minha vida em um curto espaço de tempo. Durante todo o dia, a cada minuto, meus pensamentos estavam na Paola. No curso fiquei distante, preocupada.  Em casa, olhava o celular e ponderava se devia ligar ou esperar mais um tempo para não incomodá-la. Era noite, quando notando meu nervosismo, a Júlia me convidou para ir até a boate do Nick e distrair-me um pouco. Inicialmente declinei ao convite por não me sentir bem para sair, mas muito insistente ela argumentou de todas as formas possíveis até me fazer mudar de ideia. Aprontei-me sem muita vontade, e minutos depois o Nick passou para nos buscar. - O objetivo dessa noite é o de reunir alguns dos nossos amigos, parceiros e fornecedores. Tem decisões que não tomamos em reuniões a portas fechadas e sim de forma mais casual, descontraída. Por isso eventualmente faço festas mais seletivas. Explicou-me o Nick. - Eu consigo entender mais ou menos essa tática. Primeiro você os deixa mais a vontade e depois consegue o que deseja sem diálogos intermináveis e reuniões tediosas. Falei rindo. - Tática de distração. Disse a Júlia, e nós rimos. Seguimos para boate e já na entrada percebei que a social do Nick não era tão simples como eu havia pensado. Pelos carros em frente à boate, de Audi a BMW, Porsche e Ferrari, era possível entender o nível dos convidados. - É sempre assim? Perguntei surpresa. - Você ainda não viu nada Nay. Essa noite vai conhecer algumas pessoas importantes. Disse a Júlia. Como bons anfitriões, ela e o Nick cumprimentaram um por um, sempre fazendo questão de me apresentar como parte da família. Até me senti um pouco intimidada com alguns olhares, que me deixaram constrangida. Na verdade não estava bem vestida o suficiente para aquela noite e tive certeza disso ao ver outras mulheres com roupas de grife. Embora a maioria dos presentes fossem homens acompanhados por suas esposas, ou namoradas, amantes ou acompanhantes, as mulheres mesmo em minoria chamavam bastante atenção. Com o Nick ocupado, entre uma conversa e outra, a Júlia me fez companhia e não perdeu tempo ao me apresentar um grande amigo do Nick o Miguel Perez. O rapaz, super simpático e com uma beleza bem típica dos homens espanhóis, me cumprimentou com um beijo no rosto e logo me fez um elogio. Educadamente o agradeci, mas não deixei de me sentir intimidada, como se estivesse prestes a ser vendida no primeiro lance de um leilão. - Os espanhóis são rápidos assim? Perguntei a minha prima que riu. - Não. Tem uns que são bem lentos. Ela brincou. O rapaz pareceu perceber que eu havia estranhado o jeito dele e me abordou de maneira mais sutil. Começou perguntando se eu estava gostando de Madrid, e falando que era de Barcelona. E como falar da Espanha estava entre os meus assuntos favoritos, iniciamos uma conversa e aos poucos a primeira impressão que tive dele foi melhorando. A Júlia nos deixou a sós, e nós dois continuamos conversando por um longo tempo até ele pensou que podia me beijar. Desconfortável com sua ousadia eu o afastei depois do beijo roubado e lhe chamei atenção. - Você confundiu minha simpatia com interesse. Ele me olhou desconfiado e pediu desculpa. - Pensei que estávamos nos entendendo, me desculpe interpretei errado. - Interpretou errado mesmo. Foi bom conhecer você. Boa sorte! Falei um pouco irritada. E saí de perto dele o deixando sem reação. - Júlia, fala para o Nick que eu me diverti, mas eu tenho que ir agora. Amanhã eu tenho aula. Despedi-me dela que percebeu que havia algo mais na minha decisão de ir embora. - Certo Nay. Vou acompanhar você até um táxi. Voltar para casa foi à melhor opção. Ao chegar lembrei-me que tinha prometido ligar para a Paola, mas era tarde demais e eu não queria incomodar. Senti-me culpada por ter esquecido e fui dormir pensando nela, se estava bem e se estava passando por uma cirurgia. Era realmente medrosa diante dessas situações e dificilmente eu conseguia pensar de maneira positiva. Adormeci com muito custo e sonhei com ela. Estávamos dançando e nos divertindo. Ela me olhava com seus lindos olhos verdes, que tinham um brilho especial e sorria para mim. De repente as luzes se apagaram, e segurando minha mão ela me puxou. Saímos correndo de mãos dadas até uma rua escura. Estava chovendo e nos protegemos em um canto da parede, quase colando nossos corpos para não ficarmos molhadas. Nós duas nos olhávamos e ríamos da situação, até que um silêncio se fez e como se algo nos puxasse para mais perto uma da outra nos beijamos. Junto ao beijo todos os meus sentidos reagiram. Minha pele aqueceu como se estivesse febril. Minha respiração mudou, e meu coração acelerou. Acordei com o celular tocando, e no susto atendi sem ver quem era. - Alô! - Bom dia Nayara. Desculpe-me, acordei você? Ainda de olhos fechados, e com o sonho na memória, reconheci a voz da Paola e gelei. - Não tem problema, é bom acordar com a sua voz.  Falei instintivamente. - Que bom saber.  Ela disse em um tom que pela primeira vez me fez senti-la tímida. - Mas, está tudo bem com você? Aconteceu alguma coisa?  Perguntei preocupada. - Você ficou de me ligar ontem. E eu também pensei em ligar para você, mas não tive como fazer isso antes da cirurgia. Agora estou novamente em observação. Pode ser que tenha alta amanhã cedo. Queria que você soubesse. Contou-me animada e eu comemorei por percebê-la bem. - E como se sente? Perguntei preocupada. - Acordar depois da anestesia é uma sensação muito estranha. Passei a noite com muito frio e um pouco de dor, mas agora estou melhor. O importante é que essa parte passou. Concordei com ela sabendo que a recuperação ainda levaria algum tempo. - Nayara... Já acordou? Vem tomar café prima! Chamou a Júlia. - Espera um minuto, estou no celular. Respondi. - Desculpa Paola, é a minha prima me chamando pra tomar café. - Tudo bem Nay. Posso chamar você assim? Perguntou rindo. - Pode sim, claro. - Melhor ir tomar seu café. Depois, se quiser pode me ligar.  - Eu ligo sim. Até logo, beijo. Despedi-me dela e assim que desliguei o celular lembrei-me do sonho. Todos os meus sentidos estranhavam de alguma forma, a presença e o toque dela e agora ela estava nos meus sonhos de um jeito que eu nunca sonhei com ninguém. A essa altura minha confusão já beirava a loucura e a ideia de beijá-la, mesmo que em sonho, deixou-me assustada. - Nayara, tudo bem com você? A Júlia perguntou percebendo que estava distante durante o café. - Desculpa. O que disse? Perguntei tentando prestar mais atenção nela. - Estava falando do Miguel. Você o deixou interessado. Falou. - Ele é s*******o prima. m*l nos conhecemos e ele achou que podia me beijar. - O Miguel pode ter irritado você, mas tem algo estranho. Sua tensão é por conta da Canella? Especulou me deixando sem graça. - Pode ser. Estou tensa, sabe que fico nervosa com essa história de cirurgia e hospital.  Respondi. E por mais que a Paola fosse o motivo do meu nervosismo eu já não sabia se era apenas por preocupação pelo fato dela estar no hospital, ou por outro motivo. - Não fique assim Nayara. Por que não vai visitá-la. Sugeriu. - É o que vou fazer, depois do curso eu passo no hospital. Não queria confundir o que a Paola significava para mim, pois era óbvio que ela significava algo muito especial, portanto pensei que conhecê-la melhor me ajudaria a entender o que estava sentindo. Fui para o curso e novamente não me concentrei como devia. Até senti-me culpada por não focar em algo que há meses me planejava para fazer. Conhecer a Paola havia mudado algo em mim, estava fazendo com que eu saísse do eixo, mudando meus planos e os levando para caminhos que eu desconhecia. Saí do curso direto para o hospital, e embora aquele ambiente não fosse o meu favorito senti que pela Paola eu enfrentaria minha fobia. Assim que cheguei ao hospital, encontrei com o senhor Luís, que muito gentil me cumprimentou e disse que a filha ficaria feliz em me ver. Com a permissão do pai dela, entrei no quarto sem fazer barulho, e antes que ela me notasse, eu a observei em silêncio. Mesmo em uma cama de hospital e com os cabelos desalinhados ela conseguir ser simplesmente linda. A ruiva tinha uma beleza sem explicação e ao admirá-la por alguns segundos eu senti que precisava ficar por perto dela mesmo que o preço a pagar fosse o meu sossego. Permaneci olhando seu rosto até que ela abriu os olhos e sorriu para mim. E foi esse sorriso que me fez entender que eu estava me apaixonando por ela. 
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