O ar da floresta estava denso nos dias que se seguiram. Era como se o próprio tempo tivesse prendido a respiração após a destruição do templo. O Coração da Noite havia sido selado temporariamente nas mãos de Elorik, mas Milena permanecia viva. Ferida, sim. Mas viva. E sua aura sombria se espalhava pelas raízes como um fungo silencioso.
Arleo ainda se recuperava do ferimento. Apesar de insistir que estava bem, seus olhos entregavam a dor latejante que lhe queimava as costelas. Eu cuidava dele com as ervas da floresta, e cada toque meu parecia também curar uma parte de mim.
— Você não precisa cuidar de mim o tempo todo — ele murmurou uma noite, encostado à lareira da cabana.
— Mas eu quero — respondi, deitando minha cabeça em seu ombro. — É o mínimo depois de tudo o que você arriscou por mim.
Ele sorriu fraco.
— Eu faria tudo de novo, Mayara. Dez vezes mais.
Ficamos em silêncio por um tempo. Lá fora, o vento sussurrava histórias antigas. Dentro de mim, um turbilhão de sentimentos — medo, desejo, propósito.
— Há algo acontecendo com minha magia — murmurei. — Desde que... nos unimos, ela mudou. Cresceu.
— A sua herança foi despertada. Você se lembra do que Elorik disse? A linhagem da floresta só se completa quando o coração da herdeira se alinha com o seu destino. Eu sou parte disso.
— Você é meu destino? — perguntei, meio rindo, meio séria.
— Não — ele respondeu, virando-se para mim. — Nós somos o destino um do outro.
Nossos lábios se encontraram, e dessa vez não havia urgência. Havia reverência. Nossas mãos entrelaçadas, nossas respirações compassadas. As faixas douradas da minha pele brilharam como brasas vivas, e quando ele deslizou os dedos pelas minhas costas, cada centímetro reagia com calor. Minhas unhas deixavam rastros de luz nos ombros dele, e minha magia vibrava em harmonia com seus suspiros.
Não era apenas desejo. Era pertencimento.
Naquela noite, sob a copa luminosa da floresta, nossos corpos se uniram como nunca antes. E no instante em que nossos corações pulsaram juntos, uma nova transformação aconteceu.
Minhas asas.
Surgiram silenciosamente, de pura luz dourada, etéreas como névoa ao amanhecer, mas firmes como raízes ancestrais. Arleo se afastou levemente para olhar, fascinado.
— Você está... deslumbrante — sussurrou, tocando com delicadeza uma das pontas de luz.
— Não fui eu. Foi... a magia. A floresta.
— Foi o amor — ele corrigiu. — O nosso.
A partir daquele momento, algo mudou em mim. Não apenas fisicamente. Era como se uma memória esquecida tivesse se reconectado. Eu via flashes: minha mãe me embalando entre folhas, meu pai cantando em uma língua antiga. Sentia a floresta não apenas ao meu redor, mas dentro de mim. Era parte de mim.
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No dia seguinte, fomos surpreendidos por um visitante inesperado: um cervo branco, de olhos dourados, parou diante da cabana. Carregava entre os chifres uma pedra azul cristalina.
— É uma convocação — disse Elorik, ao examinar a pedra. — Os Guardiões das Quatro Estações convocam a herdeira para o Conclave da Lua Nova. Eles querem ver com os próprios olhos quem você é.
— Isso é bom ou r**m? — perguntei.
— Depende. Alguns guardiões acreditam que o poder de sangue deve ser testado. Eles podem exigir uma prova.
Arleo apertou minha mão.
— Vamos com você.
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A jornada até o Conclave durou dois dias. Fomos guiados pelo cervo através de florestas encantadas, pântanos que sussurravam em runas, e rios que refletiam o futuro. Quando enfim chegamos, o céu já estava escuro, e a Lua Nova brilhava com intensidade incomum.
O salão do Conclave era um círculo aberto entre as árvores milenares. Os quatro tronos estavam ocupados:
– Guardião de Verão: um elfo de pele dourada e olhos flamejantes.
– Guardiã de Inverno: uma mulher envolta em névoa, com cabelos prateados e voz de trovão calmo.
– Guardiã da Primavera: uma fada de sorriso gentil, cujos pés flutuavam sobre flores vivas.
– Guardião do Outono: um ser feito de folhas secas e sombra.
— Mayara, filha da floresta — disse o Guardião de Outono. — Aceita a prova para confirmar sua linhagem?
Assenti.
Eles conjuraram uma arena viva, feita de galhos entrelaçados e chamas azuis. Minha tarefa era simples: proteger a essência da vida, uma pequena chama que pulsava como um coração, contra a manifestação de trevas criada pelos quatro.
O duelo foi intenso. As sombras criadas se multiplicavam, tentavam apagar a luz que eu protegia. Mas eu invoquei minhas raízes, minha magia da pele, minhas asas de luz, e acima de tudo, meu vínculo com Arleo, que me fortalecia.
Quando a última sombra caiu, a chama ainda brilhava. Inteira.
— A linhagem está confirmada — disse a Guardiã da Primavera. — Você é filha da floresta.
— Mas a guerra se aproxima — alertou a de Inverno. — E sua magia ainda precisa ser selada com os verdadeiros.
— Os verdadeiros? — questionei.
— Seus pais. O ritual da Coroa de Sangue só poderá ser feito quando estiver diante deles. É isso que despertará o total de sua herança.
Senti um arrepio percorrer minha espinha. Elorien e Lysira.
Estavam vivos. Em algum lugar, esperando.
E Milena... saberia disso em breve.