Primeiro Ato

3039 Words
Enquanto esperava voltei para minha leitura e quanto mais lia a obra menos entendia a necessidade que os personagens tinham de correr tanto perigo. Para mim toda aventura ficava por conta da leitura porque da porta para fora preferia seguir um planejamento. Quinze minutos depois a Thati estava pronta pra ser madrinha de um casamento. - Meu Deus Isabel, parece que você se vestiu pra trabalhar! Reclamou comigo, que achei graça. - Bobagem sua, não trabalho usando essa jaqueta. Afirmei rindo. - Vamos logo não quero chegar depois de ter começado. - Pensasse nisso antes de atrasar quinze minutos. Quando você for casar eu vou chegar atrasada só pra não ter que ficar a sua espera. Coitado do Rodrigo. Vou sugerir uma cadeira no altar. Ele vai precisar. Irritada com meu comentário ela saiu pisando firme sem me olhar. Dirigi até o parque de eventos onde estava o circo. A estrutura grandiosa ficava ainda mais convidativa durante a noite com as luzes acesas. Ao descer do carro senti um cheiro bom de pipoca e chocolate. Imediatamente me senti uns dez anos mais nova, indo para o circo com as minhas amigas só por ser uma atração diferente na cidade. - Esse é o maior que passou por aqui. Como conseguem andar com isso tudo por aí? Questionei intrigada. Costumava pensar na logística das coisas. - Fico pensando como administrar um circo. Será que realmente dá lucro ou é só por amor que as pessoas vivem de cidade em cidade. Parece loucura. Comentei. - Nem todo mundo é uma árvore com você minha irmã. Algumas pessoas são folhas e querem viver livres para se aventurar pelo mundo. Acho que deve ser um máximo. - Isabel Vilela! Que maravilha! Estou grato por sua presença. O Pascoal Zatinni recebeu-me de braços abertos e eu estendi a mão para cumprimentá-lo. - Essa é sua irmã? Eu sou Pascoal Zatinni, administrador do circo. Ele se apresentou a Thati e ao contrário de mim ela o abraçou com simpatia. - Deixamos um lugar privilegiado para vocês. Sei que o Afonso e a Lúcia virão apenas na segunda parte do espetáculo. Fiz questão de providenciar tudo para vocês duas. Sigam-me! Sorridente, o senhor Zatinni nos guiou até uma mesa em frente ao picadeiro. - Vamos começar em dois minutos. No intervalo fiquem à vontade para provarem os pastéis preparados pela minha esposa. Eles são um espetáculo à parte! - Ah... Pode deixar, vamos provar. Falei me acomodando. - Estou tão empolgada. E essa pipoca doce com cobertura de chocolate é uma delícia. Prova! A Thati colocou pipoca na minha boca. - É boa mesmo. Esse lugar tem um cheiro muito gostoso. Como fazem isso? Para mim não fazia sentido, que simplesmente por estarmos em uma estrutura de ferro com lona e muitos tecidos, o ambiente ficasse diferente e com um aroma instigante no ar. As luzes mudaram e uma música animada tomou conta do lugar. Um foco de luz direcionado para as cortinas chamou atenção para a entrada de um homem que veio montado em um cavalo branco que vestia um tecido vermelho chamativo. Ao descer do cavalo e segurar o microfone, o homem saudou o público e anunciou o início do espetáculo. O mesmo cavalo que ele entrou, agora foi montado por uma jovem que logo ele apresentou como Cibele a encantadora de cavalos. E de fato ela parecia encantar o animal que a obedecia e andava em círculos pelo picadeiro enquanto ela se equilibrava e mudava de posição o montando. Assim que a Cibele deixou o palco passando entre as arquibancadas e empolgando a todos, as luzes diminuíram e um som abafado com diversos ruídos tomou conta do lugar. Entrando pelas laterais do circo e saindo de detrás das cortinhas, várias moças encapuzadas pulavam e se movimentavam como se estivessem guerreando. O som parou e mudou para uma música instrumental. Tirando os capuzes, as moças começaram a dançar, estavam todas em roupas ciganas, com muitas cores em vermelho e dourado. Pela primeira vez fiquei empolgada. Eram todas muito lindas e o picadeiro foi tomado por um perfume sensual. No centro do picadeiro, uma ruiva tocava violino e dançava de pés descalços. A apresentação empolgou a plateia, que acompanhava a música batendo palmas. - Que lindas não é mesmo Isa? Perguntou minha irmã. - Lindas mesmo. Confirmei sorrindo. O número terminou com uma explosão de papéis prateado, e logo o narrador apresentou outra atração. Os irmãos Said, três rapazes altos que faziam malabarismo com diversos objetos de formatos e tamanhos diferentes, um número interessante. Depois do malabarismo os palhaços entraram tentando imitá-los, obviamente sem sucesso, quanto mais tentavam mais os objetos caiam por cima deles. O público se divertia e a Thati dava risada como se tivesse cinco anos. O narrador voltou para o picadeiro expulsando os palhaços e se desculpando pela falta de talento deles. Novamente o picadeiro foi iluminado e uma música misteriosa mudou o tom de voz do narrador, que começou a chamar a próxima atração contando que ela nos deixaria com as mentes confusas. - É hora de um show de mágica e ilusionismo com a Letícia Zatinni! Disse ele, que antes de sair do picadeiro foi encaixotado por umas moças e sumiu dando lugar a uma mulher espetacular. A mágica não podia ter me impactado mais. Perto do picadeiro, me impressionei com a beleza da moça, que tinha um belíssimo par de pernas e exalava um aroma delicioso e inebriante. Vestida em uma roupa de mágica, com direito a cartola e um vestido curto com um decote bem vistoso, ela andava pelo centro do picadeiro surpreendendo a todos com uma capacidade enorme de aparecer e desaparecer dos lugares. Ao final da apresentação, em um empolgante número de escapismo, ela foi amarrada dentro de uma caixa e trancada por cadeados. E assim que a caixa foi coberta, ela reapareceu com outra roupa e montada em um cavalo que percorreu o picadeiro com elegância. Um final surpreendente e que recebeu muitos aplausos. - Nossa que perfeita essa Letícia. Nunca vi mais linda. Comentei. - Percebi que você não tirou os olhos dela. Conseguiu descobrir o segredo do número? A Thati perguntou rindo. - Eu queria mesmo era descobrir outra coisa. O narrador disse Zatinni. Será que ela é filha do Pascoal? Questionei enquanto pensava em voz alta. - Deve ser. Papai disse que ele tem quatro filhas e cada uma é mais bonita que a outra. Em silêncio fiquei pensativa. O senhor Zatinni havia combinado de ir com a família jantar após a estreia do circo. Se a Letícia tinha o mesmo sobrenome, só podia ser filha dele e certamente acompanharia a família no jantar. Só de pensar nessa possibilidade, meu coração começou a bater mais forte. Estava há tanto tempo sem ninguém, que agora me sentia ridícula ao ficar excitada com a ideia de me aproximar de uma desconhecida. Voltando minha atenção para o espetáculo, no picadeiro agora se apresentavam uma família de equilibristas. Em seguida duas moças deram um show voando pelo circo em cortinas presas a estruturas que não me pereceram segura, tanto que fiquei extremamente ansiosa. Depois desse número o narrador anunciou uma pausa para que todos pudessem comprar comida. - Nossa fiquei nervosa com essas meninas voando por cima da gente. Vamos lá fora respirar um pouco. Quero comprar amendoim e pastel. Só esqueci o dinheiro. Disse a Thatiane, que quando saia comigo sempre confiava que eu cuidaria de tudo por ela. - Você tem esse costume. Devia deixá-la sem amendoim e pastel. - Para de ser chata Isabel. Você e eu nunca saímos juntas e quando esse milagre acontece vai mesmo ficar reclamando comigo? Quantas irmãs favoritas você tem? Brincou. - Pra minha sorte só tenho você de irmã. Brinquei com ela. Deixamos o circo até um espaço reservado para as barracas de comida. Na fila para o caixa, onde compraríamos fichas o senhor Pascoal fez questão de nos entregar cortesias para provarmos os pastéis. A Thati ficou empolgada e quis provar uns três sabores diferentes. O que me deixou sem graça. De fato os pastéis eram deliciosos. Tinham uma massa leve, sequinha e com recheio na quantidade certa. - É delicioso! Vou voltar aqui todos os dias pra comer pastel. A Thati disse toda suja de maionese e eu tive que rir da situação. - Não vai caber no vestido de noiva se comer tanto. Brinquei com ela que se irritou. - Primeiro que eu não encomendei o vestido ainda. E segundo, ao contrário de você, eu não sou uma pessoa sedentária. Não sei se você sabe, mas ando de bicicleta todos os dias. Sempre vou até o topo da colina e bebo um suco verde para preservar a saúde do meu corpo. - Esse suco não tem efeito nenhum. É coisa da sua cabeça minha irmã. Você acredita em tudo que lê nas revistas. - E você não acredita em nada que não possa calcular, estou certa? - Vamos voltar e sentar no nosso lugar. Acho que o pai e a mãe não vão vir. Assim que nos sentamos em frente ao picadeiro, senti um perfume gostoso no ar. Imediatamente olhei ao redor procurando à mágica, tinha quase certeza que ela estava por perto, mas não a encontrei. O trapézio estava montado, e ao retomar o espetáculo os palhaços entraram em cena mais uma vez. Fizeram uma brincadeira com as crianças, enquanto as pessoas retomavam seus acentos. Quando o narrador voltou ao picadeiro, apresentou a família Antunes, dois homens e duas mulheres que deixaram todos sem ar ao se lançarem no trapézio sem nenhuma proteção além da rede de segurança. As acrobacias no ar eram bem ousadas e que certamente exigiam muitas e muitas horas de treino. - Demoramos muito? Meu pai e minha mãe chegaram tentando ser discretos. - Acredito que chegaram bem no final. Suspeitei. - Sem problema, podemos vir outro dia. Afirmou meu pai. Após o trapézio, tiraram a rede de segurança e novamente às luzes e música do circo mudaram. Desta vez muitos artistas tomaram o picadeiro dando um belíssimo show, entre atirador de facas, malabarismo com fogo e dança, entraram em cena cinco motoqueiros que se exibiram em suas motos antes de entrarem no globo da morte. O narrador os apresentou e um por vez começou a andar no globo, em um número que me parecia tão arriscado quanto todos os outros. - Como eles conseguem fazer tantas loucuras em menos de duas horas de espetáculo? Questionei e o meu pai riu de mim. - Eles vivem disso. Treinam muito e amam muito essa vida. Pode acreditar filha. Comentou meu pai. A apresentação terminou deixando todos empolgados com uma música cheia de batida e as luzes do circo no mesmo ritmo. Assim que o narrador agradeceu a presença de todos e desejou boa noite, o senhor Pascoal veio nos convidar a conhecer os bastidores. Pensando em talvez encontrar a mágica, fiz questão de acompanhá-los. O senhor Zatinni nos apresentou os espaços, o camarim e algumas das pessoas que trabalham para o espetáculo acontecer. Enquanto ele mostrava tudo eu pensava onde a mágica devia estar escondida. Era possível que tivesse desaparecido de vez. - Vocês estão de carro o vão precisar de carona? Perguntei ao meu pai. - Não saímos de carro, viemos de táxi. - Ah... Então eu espero por vocês lá fora com a Thati. Vemo-nos em breve senhor Zatinni. - Sem o senhor, apenas Pascoal. Ele pediu de maneira bem humorada. - Ah... Desculpa é só uma questão de respeito. Falei sem graça e sai pelo mesmo caminho que fizemos ao entrar. - Está perdida? Posso ajudar? Perguntou uma moça. - Não eu... Olhei para ela e m*l pude acreditar. A mágica simplesmente apareceu do nada. - Você é... Eu estou com meus pais. Afonso e Lúcia Vilela. - Do restaurante na cidade? Nossa eu adorei seus pais. Ainda não nos conhecemos, meu nome é Patrícia. Sou a filha mais velha dos Zatinni. -  Isabel. Filha mais velha dos Vilela. Estranho. Era você no número de mágica? A pergunta a fez rir. - De certa forma sim, mas quem faz o show é a minha irmã Letícia. - Vocês são duas. Quero dizer que são gêmeas? Ela confirmou rindo. Por mais que as duas fossem idênticas elas não tinham a mesma presença. - Se você está perdida eu posso ajudar. Onde estava indo? Perguntou. - Estacionamento. Minha irmã está me esperando. - Levo você até sua irmã. Disse sorrindo e pegando em minha mão. - Meu pai está mostrando os bastidores aos seus? Perguntou. - Sim. O meu pai é bastante curioso e o seu é muito simpático. - Meu pai gosta muito das pessoas. Ele fica feliz em conhecer gente nova. - Ah... Vocês devem conhecer muita gente. Quanto tempo o circo fica em cada cidade? Questionei curiosa. - Depende, de três a cinco semanas. - No que se baseiam para decidir quanto tempo permanecem? - Seu pai disse que você ficaria curiosa enquanto a administração do circo. Eu cuido dessa área. Se quiser posso lhe mostrar como tudo funciona por aqui. Adoraria ter a opinião de alguém que estudou. Seu pai contou que você além de ter se formado em uma federal fez um curso de MBA em gestão e em estratégia empresarial. - Meu pai gosta de me exibir, mas é verdade. Curioso como você lembra tudo isso. - Fiquei interessada em conhecê-la. Não tenho formação em administração, mas penso em cursar uma faculdade mesmo que a distância. Queria muito fazer o circo render mais dinheiro. - Não posso prometer muito, mas posso tentar ajudar lhe indicando um curso bom. Aqui o meu cartão. Você pode me ligar. - Vou ligar de certeza. Apareça a qualquer hora para conversarmos. Disse quando chegamos ao estacionamento. - Vamos combinar. Sorrindo, ela se aproximou e me deu um abraço. - Até mais! Despedi-me e entrei no carro onde minha irmã estava nos esperando. - Que rápida! Ficou toda animada com a mágica e saiu do circo de mãos dadas com a moça. A brincadeira da Thati me fez rir. - Essa não é a mágica. Elas são gêmeas. Essa é a Patrícia. - Mas e daí que são gêmeas, elas são idênticas. Essa deixou você com marca de batom. Fiquei rindo enquanto me limpava. - Não fala bobagem que nossos pais estão chegando. Pedi ao vê-los perto do carro. - Vamos filha, os Zatinni logo estarão no restaurante. Gostaram do espetáculo? Perguntou minha mãe. - A Isabel com toda certeza adorou! Brincou a Thati. - O que você gostou Isa? Meu pai pareceu desconfiar. - Ela gostou do número de mágica. A filha do senhor Zatinni é muito talentosa pai. E o melhor de tudo é que vem em dose dupla. Meus pais acharam graça. - São belas moças não é verdade Isa? Questionou minha mãe. - São sim. Respondi sem muita empolgação para não atrair atenção. Chegando ao restaurante ocupei-me organizando o escritório enquanto os Zatinni não chegavam. Eles demoraram tanto que por pouco não resolvi ir embora para casa, mas a espera valeu a pena quando o Senhor Pascoal chegou com toda família, incluindo a Letícia. - Oi de novo. Acabou que não demorou tanto assim para nos reencontrarmos. Disse a Patrícia, sentando-se ao meu lado na mesa. E a minha frente, a Letícia conversava com a mãe. De perto eu conseguia sentir o perfume que agora eu tinha certeza ser o dela. - Tem toda razão. Eu sabia que vocês viriam jantar conosco esta noite. - Então você cuida de tudo aqui? Deve ser trabalhoso. Continuou falando sem que eu conseguisse tirar os olhos da Letícia. - Estou acostumada a cuidar do restaurante. Faço alguns trabalhos de consultoria também. Sempre tem alguém querendo abrir uma empresa ou com dúvidas sobre gestão e mercado. - Vocês não foram apresentadas ainda? Perguntou me chamando atenção. - Quem? Eu não. É que fiquei impressionada com a sua irmã. Falo sobre a apresentação. - Letícia... Essa aqui é a Isabel. A filha mais velha dos Vilela. A filha formada em administração. - Pelo jeito meu pai só falou isso sobre mim. Falei sem graça. - Ele também falou que você é muito dedicada e inteligente. É um prazer conhecê-la Isabel! Ao ouvir a voz dela tive a certeza de ter ouvido antes. - Desculpa perguntar, a voz na chamada do rádio é a sua? Perguntei por impulso. Algo que não era meu perfil. Ela confirmou sorrindo e eu fiquei sorrindo também. A Patrícia voltou a me fazer perguntas sobre o restaurante e sobre outras questões administrativas. E enquanto eu me esforçava para lhe dar atenção, não conseguia deixar de olhar a Letícia mesmo que disfarçadamente. Sentia-me enfeitiçada por ela, que parecia ter uma luz diferente de todas as outras pessoas na mesa, inclusive da irmã gêmea. O Tempo passou apressado e quando todos começaram a se despedir eu me aproximei da Letícia com certa empolgação. De frente para ela, que era mais alta que eu, tentei pensar em algo interessante para dizer quando nos despedíssemos, mas nunca fui muito criativa. - Espero que você tenha gostado da noite. Falei puxando assunto rápido. - Foi muito agradável. Sua família é muito gentil. Espero que você e sua irmã tenham gostado do nosso espetáculo. - Ah, foi muito intenso. E você é incrível, muito linda e talentosa. Elogiei a fazendo rir. - Pensei em uma coisa. Eu sei que o circo vai ficar pouco tempo na cidade. Talvez você queira sair comigo pra conhecer tudo por aqui. De repente se tiver tempo. Ela me olhou fixamente e os seus olhos cor de mel terminaram de me enfeitiçar. - Eu adoraria sair com você. Mas só posso durante o dia. De preferência à tarde. Respondeu com um sorriso nos lábios. - Perfeito. Eu posso ir lhe buscar. Amanhã? É possível? - Sim. - Pode ser às três da tarde? - Pode sim. - Que bom. Excelente! Até amanhã Letícia! Não consegui conter meu sorriso e isso foi muito estranho. Sendo simpática ela se aproximou para me dar um abraço e ao sentir seu perfume de perto eu fiquei excitada. Nunca tinha apreciado um aroma tão marcante como esse que ela exalava. 
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