— Eu realmente gostaria de saber o que acontece na sua cabeça — disse para Angus logo que o encontrei lavando uma privada com um escovão velho.
— Muitas coisas, mas tudo isso tem a ver com Heather e não comigo. Foi ela que bateu em Eltery.
— E por qual maldita razão você assumiu?
Angus enfia mais o braço dentro da privada, esfregando o fundo até uma gota da água do vaso voar bem no seu rosto. Ele limpa a gota do rosto com as mangas da blusa e continua esfregando.
— Heather ameaçou contar para o diretor que eu transei com Hector.
— E você contou isso para ele?
Angus apenas balança a cabeça e retira o braço de dentro do vaso. Solta uma longa bufada e se joga no chão da cabine. O cheiro do banheiro está puro desinfetante, tão forte que posso sentir minhas narinas sendo completamente limpas a cada respiro.
— Cometi esse erro. Pensei que ela era minha amiga.
— Aqui ninguém é amigo de ninguém. Você se diz inteligente, mas é tão burro. Saber falar francês bem não vai te livrar de gente ardilosa.
Encosto no batente da cabine e dou uma breve olhada na privada para avaliar a qualidade do trabalho.
— Tá ficando bom em limpar privadas. Quando sair daqui estará preparado para trabalhar no Tim Hortons.
— Afinal, você veio aqui só para ficar me humilhando? E como soube que eu estava aqui?
— Encontrei com Eltery limpando a lavanderia com um esfregão. Daí ele falou que você estava aqui.
Angus se levanta do chão da cabine. Cata o balde com água suja, o escovão e entra em outra cabine. O acompanho e outra vez encosto no batente da porta.
— Provavelmente terei que deixar o internato até o final do ano e voltarei para minha família em Calgary. Você… — tento observar se Angus me dá a******a para perguntar sobre sua família, mas ele está tão entretido com a privada que me arrisco a perguntar de uma vez. — Você voltará para sua família?
— Não tenho família — responde de imediato.
— E o que fará quando sair daqui?
— Talvez tente conseguir um emprego e torço para não morar na rua.
— Você pode vir viver comigo — deixo o convite no ar. Minha mãe deixou uma herança tão boa para mim e para Kira que mesmo que a gente gastasse mil dólares canadenses por dia ao final das nossas vidas ainda teria dinheiro suficiente para encher uma piscina.
— j**k… — Angus para de esfregar a privada e me olha — Eu não te amo, eu apenas gosto de você. Não quero passar minha vida lá fora lavando privadas enquanto você serve café no Tim Hortons. Quero alguém como Hector que me dê garantia de uma vida confortável quando eu sair daqui. Quero alguém que me dê roupas boas e bons presentes. E você nunca vai me dar nada disso!
Uma intensa raiva se espalha pelo meu corpo. Sinto vontade de dizer a ele que posso dar muita mais do que Hector jamais daria, que poderia dar todas as roupas e presentes que ele quisesse, que o amaria mais do que imagina, que o beijaria e foderia bem melhor do que qualquer rapidinha com Hector. No entanto, nada disso adiantaria se ele não me ama.
— Tá bom, Angus! — minha voz ecoa pelo banheiro. Afasto da cabine com os braços cruzados. — Espero que você saiba que Hector só está te usando e você acabará morando na rua e vendendo seu corpo aos caminhoneiros para conseguir comprar comida.
— Você é tão nojento! Vá embora daqui! — Angus joga o escovão na minha direção, mas eu desvio e o escovão cai próximo do meu pé. Dou um último olhar para ele e chuto o escovão para fora do banheiro.
— Agora usa as unhas para lavar a privada. o****o!
— i****a nojento!
Volto ao térreo transtornado. No refeitório o cheiro do almoço já está se espalhando junto com algumas pessoas espalhadas pelas mesas.
Ainda estou tão irritado que meu coração pulsa como se fosse saltar. Só de pensar em ter perdido meu tempo indo até lá me faz sentir uma mistura de raiva e ciúmes. Porque se fosse o Hector, Angus aceitaria sem questionar e ainda o beijaria.
Eu tenho tanto ódio dele! Eu devia terminar de quebrar o que sobrou da perna dele, talvez assim, Angus iria gostar de mim. Mas quem poderia me ajudar com isso? Heather? Ou Ezra e Riky? Kira jamais toparia. No entanto, Alice pode ser uma ótima saída. Agora que ela está na enfermaria com certeza está cheia de raiva e toparia ajudar a separar Angus e Hector. A v***a é esperta, conseguirá dar fim a Hector de um jeito simples.
Quando começo a caminhar em direção ao corredor da enfermaria, avisto Hector saindo das últimas salas. Que ótimo, não vou precisar nem procurar.
— i****a — sussurro para mim mesmo ao me aproximar.
— Oi, j**k — Hector pronúncia. O perfume insuportável dele penetra meu nariz como amônia e me faz espirrar.
— Boa tarde, professor Baker.
— Veio ver a Alice também? — Hector se afasta da porta.
— Sim. Como ela está?
— Irritada, mas bem.
Ótimo, é exatamente o que eu preciso.
— Que bom. Obrigado, sr. Bake. Vou entrar para falar com ela.
Hector dá uma aceno de cabeça e segue pelo corredor em sentido ao refeitório. Por alguns segundos seu perfume continua impregnado, fazendo eu logo abrir a porta para fugir do odor.
Alice está deitada com a franja bagunçada, uma bandeja com suco, pão e gelatina acima das pernas enquanto assiste TV. A cama está bagunçada e o seu pé está para fora da coberta enfaixado da ponta dos pés até o tornozelo.
— Está assistindo o que?
— O que tá fazendo aqui? — ela pergunta de imediato. —Veio ver a fracassada sabotada?
— Não… é que… — fico sem saber como dizer. — Vim ver você também e conversar sobre Angus e Hector.
— Eu não quero saber desses viadinhos! — a frase provavelmente ecoou pelo corredor inteiro da enfermeira. — Não está vendo meu estado seu b****a insensível?!
— Eu… sim, eu estou vendo Alice. Só quero propor algo que pode ajudar acabar com um problema que temos em comum — suspiro tentando encontrar melhores palavras nas paredes brancas descascando do quarto. — Eu sei que você é apaixonada pelo Hector. Não é? Acredito que é.
Alice só revira os olhos e acomoda melhor o travesseiro atrás da cabeça.
— Sendo assim, eu penso que talvez você pudesse me ajudar a separar eles. O que acha?
—Não acho nada! Tudo isso que aconteceu foi culpa do Angus. Ele e Eltery armaram juntos e agora estou sem poder andar porque uma agulha enorme de seringa estava dentro da minha sapatilha e perfurou meu calcanhar.
— O que? O que você está falando Alice? — o acidente e os remédios devem estar bagunçado a cabeça dela.
— Isso mesmo. Tudo isso é culpa daquele seu namoradinho e o cúmplice dele. Mas Angus não vai ter tudo! Hector é meu e é eu quem ele ama.
— Alice, Angus pode ser várias coisas, mas eu não acredito que ele faria isso — chego um pouco mais perto para tentar acalmá-la.
— Mas ele fez! E se veio para defender também não conseguirá nada!
— Também?! — o cheiro insuportável do perfume do Hector surge mais rápido que o meu pensamento. O i****a veio tentat defender o Angus e acabou deixando Alice irritada. — Olha, Alice. Eu não vim defender ele vim pedir sua ajuda, só isso…
Simplesmente algo líquido atinge a minha cara em cheio. Fico cego por alguns segundos e depois começo a enxergar na cor laranja, passo as mãos pelos olhos para evitar a ardência, porém, a acidez da laranja já começa a trabalhar. Tropeço para longe da cama e acabo esbarrando em um painel preso a parede.
— Você enlouqueceu?! Por que fez isso?! — esfrego mais os olhos para afastar o suco de laranja dos meus olhos.
— Eu não irei te ajudar! Vou acabar com Angus, você e qualquer um que esteja entre mim e o Hector! Vá embora seu nojento! — dessa vez ela joga o pote de gelatina que atinge o painel poucos centímetros de distância da minha cabeça. Blocos amarelos de gelatina escorrem pelo meu ombro e pedaços da porcelana do pote caem no chão.
—Não ouviu?! Vá embora — agora ela joga maçãs e bananas.
Tento me afastar do painel para a porta, entretanto, acabo escorregando nos pedaços de gelatina e caindo igual um saco de lixo. Um pedaço da porcelana faz um leve corte no meu braço, apenas ignoro e me movimento o mais rápido até a maçaneta da porta.
— Louca, louca, louca — digo já no corredor do meu dormitório.
Vim da enfermaria tapando com a mão o corte no braço esquerdo. O suco de laranja só faz o meu corte arder como se tivesse jogado sal.
Entro no meu dormitório e me lavo rapidamente na pia do banheiro. Só essa parte da manhã tinha sido tão estressante que faltaria todas as aulas restantes do dia. Estou sem paciência para qualquer aula e para qualquer m***a de atividade.
Abro a gaveta onde ficam meus remédios e pego mais que o necessário — enchendo a mão de pílulas. Coloco todos na boca, ligo a torneira da pia e engulo todos de uma vez com água. Minutos depois só me jogo na cama e fecho os olhos.
____∞____
Neste dia, j**k não foi dormir cedo. Kira e sua mãe já tinham ido, mas ele ficou para continuar jogando quebra-cabeça na mesa da sala apenas iluminado pela luz do abajur antigo.
O quebra-cabeça estava tão difícil que realmente estava tendo dor de cabeça para conseguir colocar as devidas peças nos lugares corretos. A casa se mantinha silenciosa, até os três cachorros de sua irmã Kira tinham ido dormir, porém, o silêncio durou pouco tempo, porque seu pai invadiu a sala de estar se agarrando com uma mulher loira seminua.
Um dos s***s dela estavam fora balançando sutilmente. No mamilo tinha um piercing brilhante no formato de coração. Aquele piercing ficou gravado obsessivamente na cabeça de j**k por semanas.
Quando seu pai começou a abaixar as calças, j**k desapareceu da sala. Subiu o mais rápido que pode as longas escadas da mansão e jogou o corpo contra a porta do quarto de sua mãe. Passando a bater incessantemente até que ela abrisse.
“j**k! Meu Deus! O que está acontecendo?” Sua mãe disse assim que abriu a porta. Estava descabelada e sem maquiagem, usando somente uma camisola fina de renda por baixo de um elegante robe prateado.
“Papai voltou bêbado outra vez, dessa vez com uma mulher ”, disse ofegante.
“E onde eles estão?” De princípio, Layane pensou que fosse uma boa mulher que se ofereceu a trazer o bêbado senhor Tanner de volta a casa. Ela amarrou melhor o robe e observou a escuridão do corredor.
“Estão na sala”, em seguida Kira sai de seu quarto também assustada questionando o que estava acontecendo.
“Seu pai voltou mais uma vez bêbado. Coloque seu irmão para dormir, vou conferir o que está acontecendo”, Layane seguiu pelo corredor até desaparecer na escuridão.
Na manhã do dia seguinte, foi j**k que encontrou sua mãe deitada no chão com dezenas de frascos e pílulas de remédio jogados pelo carpete do quarto. j**k gritou, primeiro veio Kira com a mochila da escola escorregando do ombro, depois vieram as duas empregadas. Uma com a vassoura e a outra com um pano de prato e, por último, o pai deles com uma garrafa de uísque.
Layane conseguiu se recuperar dias depois, mas após isso, a relação de Kira e j**k com o pai foi se destruindo dia após dia.