Capítulo 5

901 Words
Capítulo 5 ANALU NARRANDO O carro de aplicativo subiu a ladeira do Alemão e eu fiquei com a cara colada no vidro, olhando tudo como se fosse outro planeta. Ele era morador daqui e por isso pode passar de boa pela barreira. A rua era estreita, cheia de gente, luzes piscando, moto subindo e descendo com o barulho do escapamento estourando no meu ouvido. Era tanta informação ao mesmo tempo que eu mäl sabia pra onde olhar. Do lado de fora, barracas vendendo churrasquinho, cerveja em caixa de isopor, gente falando alto, rindo, gritando. As músicas já ecoavam de longe, o grave batendo no peito como se fosse tambor de guerra. Era como se o morro inteiro estivesse vivo, pulsando, respirando em sincronia. — Caralhö, olha isso! — Geiza gritou no meu ouvido, empolgada. — Hoje vai ser histórico! Eu ri nervosa, tentando fingir que estava tão à vontade quanto ela. Mas a verdade é que meu coração parecia que ia explodir. Nunca tinha visto nada assim de perto. Era caótico, barulhento, intenso. E, ao mesmo tempo, tinha algo aqui que me fascinava. Descemos do carro e eu quase tropecei na calçada. O movimento era tão grande que parecia impossível andar sem esbarrar em alguém. Geiza segurou a minha mão e foi puxando, abrindo caminho como se fosse daqui. — Vamos comprar bebida primeiro, amiga! — ela disse, me arrastando até uma barraquinha iluminada por uma lâmpada pendurada. O cara vendia cerveja, corote, energético, vodka barata. Tudo empilhado em caixas de plástico. Geiza pediu duas latinhas de cerveja e já abriu a dela, virando um gole como se fosse água. — Vai, toma! — ela empurrou a minha latinha na minha mão. Eu hesitei, olhei em volta, respirei fundo e dei meu primeiro gole. Gelada, amarga, escorrendo pela garganta. Não era meu tipo de bebida favorita, mas nesse momento parecia fazer parte do ritual de estar aqui. Geiza sorriu, satisfeita. — Isso, Analu! Aqui a gente não pensa, só vive. Eu ri e dei outro gole, sentindo a cerveja já me deixando mais leve. Sou fraca para qualquer tipo de bebida. Poucos minutos depois, ela me puxou de novo. — Vem dançar, porrä! A pista tá chamando! E lá fomos nós. A música explodia nos alto-falantes, o chão vibrava com o grave, e as pessoas se jogavam sem pudor nenhum. Geiza começou a rebolar como se o corpo fosse feito de música, e eu fiquei olhando, sem saber direito o que fazer. — Anda, amiga, solta esse quadril! — ela ria, puxando minha cintura. — Você é linda, por que tá se escondendo? Eu balancei a cabeça, rindo junto, e comecei a me mexer devagar, tímida no começo. Mas, à medida que a batida aumentava, eu me soltei. Um gole de cerveja, depois outro, e logo já estava rindo alto, dançando sem pensar em quem estava olhando. Era libertador . Era como se, pela primeira vez, eu tivesse tirado um peso invisível das costas . Geiza encostou a boca no meu ouvido e gritou, por cima do som: — Hoje eu não saio daqui sem sentar pra um bandido mau, amiga! Eu quase cuspi a cerveja de tanto rir . — Tu é doida, Geiza! — Doida, não. — Ela piscou, maliciosä. — Eu só sei aproveitar a vida . Ela saiu rodando, rindo, dançando no meio da pista como se fosse dona do baile. Eu fiquei observando, rindo junto, balançando a cabeça. Essa era a Geiza: sem filtro, sem medo, sem limites . E eu, de alguma forma, estava começando a gostar de estar ao lado dela . O baile foi crescendo em volta da gente . Mais gente chegando, mais fumaça no ar, mais música . Eu olhava ao redor e tentava gravar tudo na memória: o jeito das pessoas dançando sem se importar, o cheiro de churrasco misturado com perfume barato, o som dos fogos estourando no céu . Era tanta coisa acontecendo que eu me sentia pequena, mas não de um jeito rüim . Pequena diante de algo muito maior, algo que eu nunca tinha vivido . A cada gole de cerveja, a timidez ia sumindo. A cada batida da música, meu corpo se soltava mais. Eu ri, dancei, joguei o cabelo pro alto e, por alguns instantes, esqueci completamente da Analu certinha que meus pais criaram . Aqui, eu não era a filha protegida do advogado nem da professora . Aqui, eu era só mais uma garota dançando no meio da favela . E eu gostei da sensação . Em um momento, parei pra recuperar o fôlego, encostando na lateral de uma barraca . Geiza chegou rindo, suada, com os olhos brilhando . — Tá vendo como é bom? — ela disse, me entregando outra latinha . — É isso que eu chamo de viver . Eu sorri, ofegante, e aceitei . — Você tinha razão . É… incrível . Ela piscou pra mim . — E a noite só tá começando, amiga . Eu olhei ao redor de novo . O baile parecia não ter fim . O som, as vozes, o calor humano, tudo era exagerado, intenso . Mas, ao mesmo tempo, tinha uma energia diferente, viciante . Talvez fosse isso que sempre me faltou: me jogar no desconhecido, sentir a vida sem mapa, sem roteiro, sem ninguém me dizendo o que fazer . E nessa noite … eu estava pronta pra isso .
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