O apartamento cheirava a comida fresca quando Lana atravessou a porta. O aroma de arroz soltinho, feijão temperado com alho e carne assada com batatas trouxe um conforto imediato. Tereza, sua mãe, estava terminando de montar a mesa na cozinha pequena, mas sempre impecável.
— Cheguei, mãe — disse Lana, largando a bolsa sobre o aparador.
Tereza virou-se com um sorriso.
— Estava já me perguntando se você tinha esquecido do caminho de casa. Já vai lavar as mãos. A comida está quentinha.
Lena já estava sentada, tamborilando os dedos na mesa com a leve impaciência de quem esperava para comer. Nice, a prima, ajudava com os copos.
Durante o jantar, as três conversaram sobre coisas leves — o novo preço da cenoura, a tia Dolores que trocou a rampa da frente, a novela que Tereza achava absurda. Mas os pensamentos de Lana estavam em outro lugar. Melhor dizendo: em outro rosto. Em outro olhar.
Depois de ajudar a lavar a louça, Lana subiu com Lena para o quarto. Nisse preferiu ficar vendo TV com a tia. As irmãs entraram no espaço simples, mas arrumado, onde duas camas de solteiro dividiam o espaço com uma estante de livros e um pequeno espelho oval.
Lana colocou o pijama e sentou-se para escovar os cabelos. Lena fez o mesmo, até que quebrou o silêncio:
— Hoje aconteceu uma coisa estranha na faculdade.
Lana ergueu os olhos.
— O quê?
— O Harry apareceu lá. Me viu na entrada e... ficou conversando comigo. Disse que só estava passando por perto, mas estava bem arrumado pra quem não tinha nada pra fazer.
Lana franziu o cenho.
— Harry é educado, mas você precisa ter cuidado. Ele é um dos melhores amigos do Patrick, do mesmo nível social, e tem fama de ser volátil. Playboy.
Lena revirou os olhos e riu baixinho, cruzando as pernas em cima da cama.
— Eu sei me cuidar, Lana. E eu sei exatamente o tipo de cara que o Harry é. Mas... sei lá. Ele foi gentil. Me elogiou, disse que gostou da forma como eu defendi meu ponto numa discussão em sala. Foi... inesperado.
Lana a observou por um segundo. Sua irmã mais nova tinha aquele brilho nos olhos — o mesmo que ela própria carregava sem querer esconder desde o dia em que Patrick a olhara de forma diferente.
— Só não se empolga, Lena. Esses homens... eles vivem em outro mundo. Não quero que você se machuque — murmurou Lana, tentando parecer firme.
— E você? — retrucou Lena, com a voz doce, mas certeira. — Você acha que tá imune? Acha que ninguém vê como o Patrick olha pra você?
Lana prendeu a respiração.
— Não sei do que você tá falando.
— Ah, por favor. Até a Nisse percebeu. E ela tava dançando no meio da boate. — Lena se deitou, apoiando a cabeça no travesseiro e olhando para o teto. — Ele dançou com você. Ele ficou a noite inteira te olhando. Protegeu você daquela doida da Britney. E, se quer saber, ele encarou o cara que te puxou com um olhar de lobo faminto. Quase latiu.
Lana mordeu o lábio, sem conseguir conter o sorriso envergonhado.
— Não é... Não pode ser. Ele é meu chefe.
— Ele é um homem. E você é linda. Inteligente. Forte. Diferente de tudo o que ele está acostumado. E isso tá confundindo ele — disse Lena, com a sabedoria precoce de quem enxerga de fora.
Lana não respondeu. Pegou a escova e recomeçou a pentear os cabelos, mas seus pensamentos estavam longe. No toque da mão de Patrick segurando a sua. No jeito como ele falou com ela no carro. No olhar carregado de significado que ele disfarçava com sorrisos controlados.
Quando Lena apagou o abajur e se virou para dormir, Lana ficou ainda um tempo acordada. Pegou o celular. Olhou para a tela. Nenhuma notificação dele.
Mas... será que podia?
Será que devia?
Suspirou fundo e escreveu:
"Obrigada por hoje. Por ter me defendido. E por.. me fazer sentir vista."
Ficou olhando para aquela mensagem por longos minutos, o coração acelerado. Apagou. Reescreveu. Apagou de novo. Fechou os olhos.
E quando se deu conta, seus dedos já tinham pressionado o botão de enviar.
O que estava feito, estava feito.
Do outro lado da cidade, no apartamento amplo e moderno com vista para as luzes de São Paulo, Patrick acabava de sair do banho. Tinha passado o sábado inteiro inquieto, tentando manter a mente ocupada no clube com Louis e Harry — sem sucesso.
Lana estava em sua cabeça. E não saía.
A forma como ela reagiu à defesa dele, os olhos verdes marejando com dignidade. O jeito como dançaram. A presença marcante que ela tinha. Era tudo diferente. Desconcertante. Real.
Sentado na poltrona, vestindo apenas uma calça de moletom e segurando um copo de uísque, ele pegou o celular, distraído. Ao ver a notificação, sentiu o estômago revirar.
Era dela.
"Obrigada por hoje. Por ter me defendido. E por me fazer sentir vista."
Patrick não soube como reagir por alguns segundos. Era uma mensagem simples. Doce. Mas cheia de camadas. Como ela.
Ele digitou, apagou. Digitou de novo. Até que escreveu:
"Você merece ser vista, Lana. E muito mais do que isso."
Poderia parar ali. Ser racional. Mas não era mais sobre razão.
Digitou mais:
"Posso te ligar?"
A resposta demorou alguns segundos, que pareceram horas.
"Pode."
Patrick não pensou duas vezes. Ligou imediatamente. A voz de Lana atendeu no segundo toque, suave e um pouco trêmula.
— Oi...
— Oi... — ele respondeu, com a voz grave e baixa, como se falasse só para ela.
Um silêncio confortável se instalou por um momento.
— Eu fiquei pensando se deveria te mandar aquela mensagem... — confessou ela.
— E eu fiquei pensando o dia inteiro em te escrever — admitiu ele. — Mas, sinceramente, eu estava com medo de ultrapassar alguma linha.
— E acha que não ultrapassou?
Patrick riu de leve, e ela pôde ouvir o som quente e sincero do outro lado da linha.
— Talvez eu tenha pisado nela com os dois pés. Mas, Lana, eu não consigo mais fingir que o que sinto por você é só admiração profissional. Eu tento. Juro que tento. Mas você me tirou do eixo.
Lana fechou os olhos, o coração aos pulos.
— Eu também me sinto assim — sussurrou. — Mas é tudo tão complicado.
— Eu sei. Por isso não quero que nada seja escondido. Amanhã, segunda-feira, eu vou conversar com seu pai. E com o conselho da empresa. Se vamos ter algo, que seja às claras.
Lana arregalou os olhos, sentou-se na cama.
— Patrick... você tem certeza?
— Eu nunca tive tanta certeza de algo. Mas quero saber: você aceita sair comigo, como homem e mulher, não chefe e funcionária?
Ela demorou alguns segundos, e então respondeu, com a voz carregada de emoção:
— Sim. Eu aceito.
Patrick soltou o ar que prendia.
— Então tá decidido. Agora dorme bem, Lana. E sonha comigo, porque eu já tô sonhando com você.
Ela sorriu, e seus olhos se encheram de lágrimas.
— Boa noite, Patrick.
— Boa noite, minha doce Lana.