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4834 Words
Chamo atenção dos homens do cartel assim que passo por eles, ofegante, sem olhar para trás ou para os lados. Faz dois anos que não piso nesse lugar ou fico próxima a eles. Um deles, Hernandez para à minha frente, bloqueando a passagem. O homem n***o, alto, musculoso de olhos mel pega em meu braço. — Isabela, veio esperar seu irmão? Ele está ocupado. — Não sou babá de Miguel. Quero falar com o seu chefe, por isso estou aqui — informo, e vejo a surpresa em seu olhar. — Estou curioso por vê-la perto de homens perigosos.  Não tinha deixado tudo, inclusive as companhias? — desdenha, divertido. Solto meu braço, fuzilando-o. — Leve-me até ele, não vou responder as suas dúvidas, soldado — devolvo a provocação. Ele revira os olhos. Mas um sorriso surge em seus lábios. O cartel fica em uma espécie de galpão, dividido em dois, o lugar é grande, bem vigiado por homens fortemente armados e prontos para matar você por um passo não autorizado. Meu rosto traz surpresa para alguns, olhos curiosos para outros e até olhares de desejo por alguns homens novos que não os conhecia ou lembro de já tê-los visto por aqui. Uma mulher sai da sala de Guzman, um sorriso divertido e convencido em seus lábios, chama minha atenção. Ela pensa como Fernanda? Qual é o problema dessas idiotas? Guzman usa p****s, bundas, bocetas para seu vício e diversão em falar quantas mulheres já estiveram com ele. Mas ele jamais abrirá espaço para sua fortuna cair nas mãos dessas iludidas. Quando minha entrada é liberada, não penso em bater na porta, apenas entro o encontrando em sua mesa. A camiseta branca destaca seus músculos, mas não tem o destaque dos olhos penetrantes. — O que faz aqui, Isabela? — sua pergunta é direta e sem rodeios. Seus olhos azuis me recebem exigindo, prontamente, uma resposta. Não penso em sair daqui antes de fazer Miguel se preocupar com a minha presença neste lugar. — Preciso de algo, Guzman. Ando pela sala dele, o barulho do salto da minha bota coturno ecoa pelo ambiente.  Consigo ver um pouco de surpresa e interesse em minha visita ao seu cartel. Guzman esboça um sorriso que não chega aos seus olhos. — Repita. Nego com a cabeça, mas seu olhar exige que seja repetido. — Preciso de algo! — repito, irritada. — Por que preciso repetir? — Há dois anos saiu dessa sala e por essa porta com medo, assustada demais para raciocinar. E agora volta querendo algo de mim e do meu cartel? — questiona, intimidador. — Engraçado, essa sua aproximação com Miguel e a Fernanda é muito estranha para mim — respondo sem desviar de seus olhos. —  Meu irmão esquece que você não o conhecia, ele está aqui por minha causa. Um sorriso divertido surge em seus lábios. — Isso é a p***a de um assunto de família? É o que te trouxe aqui? Não tenho tempo para isso — ironiza com palavras afiadas. — Miguel se importa mais com ele do que com o resto da nossa família. Preciso de um emprego, sei que você pode me dar um — acrescento. Ele sorri, sombrio. Sua risada reverbera dentro de mim, um impacto inexplicável. Todos os pelos do meu corpo se arrepiam. — Esperava que eu viesse até aqui vender meu corpo para você como uma prostituta? — pergunto, divertida —  Nunca. Jamais faria isso. Ele olha no fundo da minha alma com um olhar intenso e profundo. Depois seu olhar percorre meu corpo como se, da sua cadeira, conseguisse me ver nua. — Conheço seu corpo mais do que você mesma.  A voz rouca dele me faz reviver algumas lembranças. Ele consegue fazer uma pessoa perder o pouco controle que resta. — Conhecia — reitero. — Agora o que você quer é ter meu irmão na palma das mãos e minha irmã... — Sua irmã tem ambição e curiosidade de conhecer o submundo de perto. Confesso que ela é corajosa ou talvez burra em almejar tanto e não perceber o que há ao redor, isso é um erro, mas ela lembra alguém — provoca. — Te pedi algo, Guzman, não é tão difícil conseguir. Ele se levanta de sua cadeira confortável, parando a poucos metros de distância. — Ver você aqui diante de mim, sem opções é fascinante — admite se divertindo com a situação.  — Sabe que não há mulheres em nenhum lugar dentro de um cartel. Engulo em seco. Apenas homens fazem tudo. — Faço qualquer coisa  — reafirmo, sem dar chances a contestações. Ele olha para mim, pensando em alguma coisa. Não tem como Guzman me mandar embora, no fundo, isso está sendo o que ele mais quis durante todos esses anos, me ver voltar por essa porta e pedir por algo. Pedir para ele. — Mensageira. Pisco sem entender. — Menina de recados? Isso? — digo o óbvio, e arqueio uma sobrancelha. — Vai fazer o que eu ordenar, enviará recados e ameaças dentro do meu território  — assegura.  Mensageira. Nunca ouvi falar. —  Ganhando por isso está ótimo — concordo por fim. Conheço muitas pessoas, lugares. — Ganhará por isso, espero que cumpra o que for pedido, isso é o mínimo — reforça, aproximando-se de mim. — Ande na linha, sem nenhuma artimanha. — Te pedi algo, não armei nada como pode ver com os seus próprios olhos. Nossos rostos estão próximos, olhos azuis contra verdes. — Pedir também tem seu preço, seu trabalho começou e, dessa vez, não tem como voltar atrás, Isabela — sentencia. Eu sei. Jamais tive participação em nada, mas agora estou encarregada de levar mensagens e ameaças de Guzman para qualquer um. O perigo de alguma forma sempre vem em minha direção. Não tenho medo de ninguém, estou levando recados sem o pavor que uma vez já me fez correr para longe disso tudo. Mas agora na pior situação é o submundo que está me acolhendo. — Então o pombo-correio agora tem cabelos escuros como a noite e olhos de esmeralda? — Hernandez provoca assim que saímos do cartel. Não mencionei que somos amigos, mas fiquei dois anos longe de tudo, não busquei contato com ele. — Pensei que seria um soldado ou até mesmo faxineira da sujeira de Guzman. Mas ser mensageira parece ser interessante, além de tudo vou ganhar dinheiro e Miguel vai ter problemas com a minha presença — comento, ansiosa. Ele esperava que assim como meu pai e Fernanda, virasse dependente dele? Não sou dependente dele e de ninguém. — Tem os olhos bem abertos em relação ao seu irmão, sempre desconfiada de tudo. — Sorri, cínico. — Esperta, acho que foi isso que você quis dizer. Miguel está se mostrando mais ambicioso do que pensava, ele aproveita que mulheres não têm muitas opções nesse lugar.  — Todos temos ambições, às vezes ela é apenas uma de nossas bagagens, Isabela.  Mas você saiu da vida de Guzman e de perto de todos nós, por medo ou tinha algo mais? — sonda, fazendo meu corpo paralisar. Minhas pernas não obedecem mais ao meu comando. Encaro-o, Hernandez quer uma resposta verdadeira, sem pegadinhas. — Hernandez, não tenho nada. O que iria fazer aqui? Tive medo do futuro que iria ter, apesar de querer sair da vida simples e sem graça que levo na minha casa — explico. — Mas a ironia é que dois anos depois estou perto de tudo o que corri naquela noite. Ele sorri. — Você gosta do submundo, por isso voltou para ele. Sei que tinha, na verdade, tem medo do que pode conseguir aqui — Hernandez acrescenta, como se meu medo estivesse transparecido em meu semblante. — O submundo funciona como uma balança, os dois pesos são divididos assim: o que você ganha e o que você perde. — digo rapidamente. Enquanto voltamos a caminhar, meus olhos se fixam em um homem que ao olhar para nós, demonstra claramente sua insegurança. Deve ser a pessoa que receberá esse simples recado, na verdade, ameaça. — Mas não esqueça, quem está no submundo escolhe quem deve viver e morrer, esse é o peso que carregamos.  — Sua mão forte dá dois tapinhas em minhas costas — Bem-vinda de volta, acho que, dessa vez, ficará conosco até o dia de seu último suspiro. Engulo em seco. Consegui fugir de Guzman e do submundo uma vez, mas não acho que conseguirei uma outra vez. Meus passos são firmes em direção ao homem, a presença de Hernandez e sua arma o deixa manso, sem pensar em tentar alguma gracinha. Paro diante do homem abrindo um largo sorriso. — Estou aqui para transmitir um recado. — ¿De quién? — pergunta em um sussurro. — Guzman — respondo, saboreando o nome do homem mais perigoso do México que soa tentador e perigoso em meus lábios.  Chego à minha casa com dores nas pernas pela longa caminhada, adentro a cozinha indo me sentar em uma das cadeiras. — Por que a demora? — papai pergunta, preocupado. — Nunca fica muito na rua. — Consegui um emprego — informo, e vejo sua surpresa. Os olhos verdes ficam arregalados. — No bar que era nosso? Onde conseguiu? Sabe que não é fácil conseguir nada nesse lugar. Reviro os olhos. Papai pensa que iria recorrer a algum comércio por aqui, perda de tempo sendo que todos sabem da minha família e a ligação com o cartel de Sinaloa. Jamais acolherão um de nós por medo do pior. — Guzman me deu um emprego, pai. Passos param ganhando minha atenção ao ver Fernanda com os olhos arregalados. Sinto sua raiva, mesmo estando longe. — O que disse? Pediu um emprego para Guzman!? Ficou louca? — Fernanda questiona, irritadiça. — Ele lhe deu? — papai sonda. — Pensei que não iria conseguir pisar naquele lugar depois de vocês terem separado. Olho para os dois vendo confusão e surpresa com a nova notícia. — Não sou um soldado, mas sim uma mensageira. Passarei os recados e ameaças dele em seu território, mas tenho um trabalho, era o que mais queria para sair dessa situação e não precisar de Miguel. Fernanda se aproxima, rindo irônica. — Você chutou Guzman! Acha que ele te aceitou de volta por pena? — ela provoca, tentando me desestabilizar. Fico de pé para encarar seus olhos diretamente. — Pena? Por acaso estou causando pena? — indago, com os braços abertos, debochada. — Papai, ela está armando alguma coisa! Isabela largou o chefe do cartel mexicano e agora foi atrás dele... — Filha, não acha que Guzman tem planos de vingança contra nós? — papai pergunta com medo na voz. — O problema que tenho com ele é íntimo, não diz respeito a nenhum de vocês, papai. — Decido colocar um fim na conversa. — Fernanda acha que iria entregar minha alma para o d***o? Meu corpo, como você pensa em fazer? — desdenho. — Estou trabalhando para ter dinheiro, Guzman podia me dar esse trabalho, ele deu. Papai se senta em uma de nossas poucas cadeiras, olhando em minha direção por um momento. — Não vou me vender, sabe muito bem que não faria isso — Fernanda comenta, pensando em me enganar. Ela faria sem pensar. — Não? Por favor, não tente disfarçar sua ambição em sair desse lugar tentando passar uma imagem de menina doce. Papai sabe dos filhos que tem, ele mesmo depende de nós, na verdade, vejo que todos estamos dependendo do Guzman. Deixo-os sozinhos na cozinha enquanto sigo para o meu quarto, a fim de tomar um banho rápido. O trabalho está só começando para mim. Não é difícil admitir que Guzman tem todos da família em suas mãos. E pensar que antes papai escondia as compras de drogas, estávamos estudando e tentando pensar em outras coisas. Hoje nada é igual a antes. Ser a porta-voz de Guzman me faz andar, encarar sujeitos de todos os tipos. Alguns me encaram com deboche por ver uma mulher relacionada ao cartel, somos apenas objetos para uso de homens poderosos na visão desses imbecis. Enquanto a noite chama minha atenção pelo céu com nuvens, o vento frio arrepia minha pele ao avistar uma velha casa com a descrição que me informaram. Um dos clientes de Guzman que vem trazendo dívidas altíssimas está há uma semana para pagar toda a sua dívida. Encaro a velha caminhonete vermelha com alguns arranhões de possíveis batidas. Assobio para chamar atenção do sujeito, mas parece que ele não está em casa. Bato palmas e não obtenho resposta alguma. Quando viro, dou de cara com um coroa barbudo de sorriso asqueroso, bafo de álcool puro. — Uma boneca sozinha? — Estou aqui por causa da sua dívida com Guzman. Lembra desse nome? O nome do chefe do México — respondo, vendo sua cara fechada. — Que v***a é você? Guzman não trabalha com mulheres dando malditos recadinhos. Não tenho tempo de responder, ele pega meus cabelos, arrasta meu corpo até sua caminhonete dando três batidas com força contra seu veículo velho. A dor me atinge por completo. Uso uma mão livre para tentar segurar seu braço, tenho que dar um chute no que ele chama de p*u. Mas ele é pesado demais, e para piorar não larga meu cabelo. — Nem esse rosto bonito salvará você, v***a. — Não me chame de v***a! — brado, ofegante pela dor. Chuto uma de suas canelas para a surpresa do asqueroso, mas algo o faz parar. Um tiro. Direcionado a sua perna o deixa tremendo, saio de perto dele ao ver uma figura surgir com as sombras da noite. — Estava mesmo precisando matar alguém essa noite — Guzman diz, e arrasta o sujeito para dentro da caminhonete à força. — Guzman... Senhor.. Passo a mão na nuca sentindo a dor pelas batidas, mas não consigo parar de olhar para o que meus olhos estão vendo. — Feche a porta, agora! — Guzman ordena, entredentes, ao homem que pensa que poderá ter uma nova chance. Sei que ele está indo ao encontro da morte. Não existe piedade ao falar do chefe do cartel. O sujeito fecha a porta e tenta ligar o veículo achando que escapará. Guzman tira um isqueiro de sua calça jeans lançando ao carro, mesmo tentando ligar o carro os gritos do sujeito são altos e aterrorizantes. Não consigo parar de olhar, as chamas consumindo rapidamente o velho veículo com o dono dentro. Nem percebo uma mão na minha nuca quando Guzman se aproxima de mim. — Vire, preciso ver sua nuca. — Não precisa — digo, tentando não demonstrar dor. Seus olhos azuis não conseguem achar firmeza em minha fala. Ele me vira mesmo contra a minha vontade, suas mãos afastam meus cabelos do local onde sinto o toque de seus dedos no lugar. Meu corpo fica tenso com esse toque, fecho os olhos por um momento tendo um flashback rápido de nós dois. Os pelos do meu corpo se arrepiam. Meu corpo gosta do seu maldito toque, ele o reconhece. — Ai! — gemo com seu aperto em minha nuca. — Guzman, me solta. — Precisa tomar alguma coisa para dor, mas não tem ferimento nenhum, foi só a pancada. Solto-me dele não querendo ficar tão perto novamente. — Avisei que não foi nada — reitero. — Matou seu cliente — comento, voltando a encarar seus olhos. — Na sua frente — alfineta, com um olhar perigoso de diversão. — Entre na p***a do meu carro, Hernandez ou seu irmão deviam estar aqui. — Eu sei andar sozinha — acrescento. — Vou jantar no bar que era do meu pai, pode ir. Mas minhas tentativas idiotas de tirá-lo da minha frente falham. Ele pega em um dos meus braços, sou levada à força por ele, sem qualquer chance de protesto. Entro no seu carro, uma Ferrari maravilhosa, preta, confortável. Impregnada por seu perfume. Quando Guzman entra no carro, ligando-o, seus olhos se fixam nos meus, instantaneamente. — Nenhum choro essa noite, Isabela. Gostou de assistir o sujeito queimar por ter machucado você? — pergunta, com a voz carregada de perigo e algo mais. O celular dele toca, ganhando sua atenção. Escapei de entregar uma resposta, mas gostei do que ele fez com o sujeito. Não consegui parar de olhar. Pisco por um momento na tentativa de parar de pensar nisso. É impressão minha ou há alguma coisa estranha comigo? Hernandez está esperando por Guzman quando o carro para perto do bar. Saio do carro dele sem soltar uma palavra durante o trajeto inteiro. Ficar naquele carro com ele perto demais por alguns minutos foi desafiador, meus olhos se fixaram na maldita estrada. Entro no bar morrendo de fome, na hora do problema nem lembrei que não me alimentei. Escolho uma mesa, olho em direção à rua, vejo Guzman dizer algumas coisas para meu velho amigo, Hernandez. Palavras são ditas, fico curiosa para saber quais. Mas logo o dono dos olhos azuis sai em direção ao seu carro, Hernandez volta fuzilando meus olhos. — Não posso deixar você sozinha por poucos minutos, olhos verdes? — Estou inteira, nenhum arranhão.  — Se tivesse com um mísero arranhão iria ser cobrado.  Cabeças iam rolar, mas foi seu irmão que deveria estar com você  — Hernandez comenta. — Então ele está em problemas? Perfeito, mas não preciso de ninguém ao meu lado, apenas passe alguns reflexos que estarei mais preparada — peço, tirando os olhos agora para o cardápio. — Miguel é audacioso por não estar lá como era o que deveria ser cumprido — diz, com um sorrisinho m*****o. — Sofrerá consequências por isso, enquanto você o que vai querer? Por minha conta. — Um convite para pagar o que eu quiser? Tentador, mas é apenas isso ou quer me dar conselhos? — pergunto, levantando uma sobrancelha. — Você me disse muitas vezes que era uma menina sem nenhuma artimanha, nada para oferecer ao submundo. Isso te perturbava... Engulo em seco. — Continuo não tendo nada, mas em dois anos presenciei muita coisa com meu irmão trabalhando para vocês. Pensei que depois de largar tudo, meu irmão não iria conseguir virar um soldado, mas ele acabou trazendo para casa uma parte do submundo — admito com o pensamento longe. Miguel trouxe drogas para meu pai, e eu até uso em alguns momentos quando a cabeça está cheia de pensamentos e dúvidas. Mas o vício acabou com a nossa família, todos estamos marcados por ele ou ambições que controlam nossa mente. — Quando se entra para o submundo nada mais é como antes. O vício, o dinheiro, tudo acaba mexendo com o seu interior.  Miguel ganhou um pouco da confiança de Guzman, bastou isso para ele pensar grande, as mulheres que o procuram são uma parte do seu foco — Hernandez comenta com puro deboche. — Meu irmão está cego para não enxergar que é um teste de Guzman com ele. Está aproveitando tudo de uma vez e não pensando ou olhando ao redor, está indo para uma armadilha — concluo. Hernandez chama a garçonete com a mão, ela se aproxima curiosa ao me ver com ele. Quando ela se afasta levando os pedidos, os olhos de Hernandez voltam para mim. — Você pode estar afastada do cartel há dois anos, mas sabe um pouco como tudo funciona.  — Pensei que tinha me livrado de vocês — digo, rindo junto com ele. — Hernandez, agora estou aqui com você, os dois anos que fiquei distante pareceram não existir. Minha família não é mais a mesma, as drogas e muitas coisas entraram naquela casa, não conseguiria um emprego por aqui, meu irmão trabalha com vocês e a fama já chegou aos quatro cantos. É impressionante como tudo acaba me empurrando para os braços do submundo e, consequentemente, estar perto de Guzman novamente. Não acredito em coincidências. —  Você tem um laço com o submundo, na verdade, sentia curiosidade de saber como era tudo isso. Foi assim que pisou no cartel, conheceu tudo — lembra. É foi sim. — Sempre ouvi como história de terror que devia correr para a cama que os homens do cartel iriam me pegar se não dormisse — comento da velha história inventada pelo meu pai. — "Las chicas necesitan obedecer." As meninas precisam obedecer. — Hoje estou pagando comida pra você, mensageira — graceja, chutando minha bota. — A minha curiosidade foi minha ruína — digo, retribuindo o chute. — O seu medo momentâneo atrapalhou seus pensamentos, Isabela.  Mas não mudou seu caminho. — Isabela! — A voz do meu irmão toma conta do bar. Sua cara fechada denuncia que ele foi punido por não estar comigo. — O que você quer, Miguel? Estou ocupada. — Que ideia i****a é essa de entrar para o cartel? Você é mulher, seu maldito lugar é na p***a daquela casa com o nosso pai e a Fernanda! — Sua voz autoritária acende minha fúria. — Raiva? — provoco com um sorriso. — Quem te colocou lá, fui eu! Precisava de um emprego, não estou lá para espionar você ou ser sua babá, Miguel. — Guzman a aceitou, lide com isso — Hernandez diz, provocando-o. — Levou um soco no nariz? Olho melhor e vejo um pouco de sangue em seu nariz. — Hernandez devia ter me avisado, González me tirou de um momento íntimo. Não sabia que essa garota está trabalhando conosco e sozinha naquele lugar... Mensageira. — O olhar furioso do meu irmão ao pronunciar isso, satisfaz-me. — Esperava que iria ficar sentada no sofá daquela casa esperando uma oportunidade de ser escolhida por um homem ou ser trocada? Eu faço as escolhas da minha vida, irmãozinho — afirmo com a voz afiada. — Você não sugere nada, Miguel, ela está conosco. O trabalho dela não interfere no seu, sua implicância não tem peso algum. — A voz de Hernandez deixa meu irmão quieto. Ele engole em seco. Não há nada que ele possa fazer para impedir minha escolha, já sou maior de idade. Aponto uma cadeira vaga ao meu lado. — Sente-se, quero comer sem chamar atenção de ninguém mais. Ele se senta olhando para mim ainda. — Está pensando que isso é um jogo de boneca, Isabela? Sua vida a partir do momento que voltou para o cartel está marcada — alerta com a voz baixa. — Se me escolhessem para ser trocada o que você jamais iria impedir nem mesmo se pudesse, a minha vida estaria marcada do mesmo jeito, irmãozinho — retruco, rapidamente. — Fernanda está se aproximando do cartel, ela também está em perigo, não acha? A ambição ainda a levará ao perigo. — A família de vocês não tem muitas opções — Hernandez relembra. Os pratos chegam junto com as bebidas, minha barriga dói de tanta fome depois da adrenalina que o dia de hoje trouxe para mim. — Sabe que se pensar em sair, acabará morta por brincar com tudo — Miguel diz ao se aproximar de mim em um tom de provocação. — Aguentará tudo? Encaro-o no fundo de seus olhos traiçoeiros. — Dessa vez, não irei embora, estou dando minha alma para o cartel, a minha palavra. GUZMAN Largo as chaves da minha Ferrari na mesa, o barulho do impacto dela com o copo do meu uísque chama a atenção de Diego. Homem de minha confiança apesar de ter a língua maior do que a boca, crescemos juntos, famílias unidas. Desde moleques vemos drogas pela casa, mulheres que não eram nossas mães na companhia dos nossos pais em muitos encontros. Mortes e gritos que apenas aguçam nossa vontade de usar armas para manter um império em pé. Hoje o México é meu. Conhecido e temido por espalhar o perigo e medo por todo o México. — Miguel levou um soco no nariz pela ausência na missão. González não segura a mão, ainda mais com soldados novos — acrescenta, rindo.  Encho o copo de uísque, sento à minha mesa para saborear o líquido em meus lábios. — Basta dar uma dose de confiança para um ambicioso se enforcar  — comento, sorvendo um pequeno gole. — González fez o que eu teria feito.  — Matou o homem? Que pergunta i****a a minha — Diego questiona de maneira retórica — Acho que Miguel está engasgado com a irmã trabalhando conosco. Fiquei surpreso por não ouvir choro por parte dela, está mais gostosa, deve ter amadurecido — ele completa.  Fito-o tirando atenção da minha bebida. — Ela assistiu uma morte, provou que vai assistir muito mais coisas sem chorar ou reclamar, Diego. Miguel está desesperado pela minha escolha de aceitá-la de volta.  Brinco com a bebida em meu copo. Termino o restante do líquido em um único movimento. — Não somente ele. Guzman, sabe que se não fosse por você, Isabela já teria sido trocada e oferecida para algum homem.   — Sim, essa foi minha escolha. Miguel tem consentimento disso quando o assunto surgiu há mais de um ano, deixei claro que ela não é uma opção — reafirmo, encarando-o. — Vá direto ao ponto.  — Ela virou a sua fascinação, se fosse você me livraria de qualquer coisa que sinta. Ter todas é melhor do que uma mulher apenas, elas servem para nossa distração e prazer, fodas rápidas.  — Cale a boca, Isabela é um problema inteiramente meu — aviso-o pela última vez.  Ele levanta as duas em forma de rendição. — Se essa é a ordem, respeito, chefe. Apenas dei um conselho, Miguel protegeu Fernanda de ser trocada.   Protegeu porque ela o obedece e entra em seu jogo, ele consegue manipular o pai e com ela não seria diferente. — Ele a usará no momento mais oportuno.  Assim como o usei para atrair Isabela e fazê-la voltar ao cartel depois de dois anos. — Feche a porta quando sair.  Ele entende o recado, que não quero nenhuma companhia agora. Assim que fecha a porta, encosto as costas na cadeira confortável da minha sala. Um flashback veio até a minha mente. Foi nessa sala que segurei seus cabelos escuros trazendo seu rosto para encontro do meu, meu pai não estava e esse lugar foi onde transamos pela primeira vez. Conheci Isabela em uma estrada deserta acompanhada por suas amigas, estava tarde, mas mesmo assim consegui enxergar bem seus olhos verdes, curiosos. Ela foi a única que não demonstrou medo, conseguiu disfarçar quando perguntei se um sujeito havia passado por ali. Naquele momento que ela percebeu a arma em minhas mãos, acabei captando sua curiosidade de me conhecer,  o submundo. Meu celular acende a tela acabando com a minha lembrança, Erick, Don da Cosa Nostra enviou uma mensagem. Tenho negócios importantes com a Cosa Nostra e Ndrangheta, isso leva a maioria dos meus pensamentos e em segundo lugar, Isabela. Usei seu irmão e dei uma dose de confiança, bastou isso para Miguel começar a pensar grande, desejar toda mulher que estiver ao seu alcance, roupas novas, missões difíceis. Sabia que não iria ajudar a família com praticamente nada, deixando todos dependentes dele. Isabela entrou no cartel depois de fugir por medo, alegando que não tinha nada para oferecer, que o submundo precisava de algo dela. Deixei-a sair da minha vida por dois anos, hoje ela acaba voltando para tudo isso com um olhar diferente. Consegui achar uma parte dela seduzida pelo submundo, ela quer fazer parte do cartel mexicano, o qual comando sem conceder piedade e misericórdia. Sempre busco o poder, o foco para mim, é controle da vida e escolhas em minhas mãos. Mas uma garota entra nesse caminho, sem nada a oferecer, sem relação sanguínea com o cartel. Apenas com uma enorme curiosidade e coragem de se envolver comigo, achando que iria sair da minha vida tão facilmente. Eu a trouxe de volta para nunca mais deixá-la sair. Na minha mente existem lembranças dela, essa noite consegui tocar em sua nuca, sentir o cheiro de perfume. A fixação já causou muitas mortes, meu pai queria arranjar uma esposa que carregasse sangue da máfia para estar ao meu lado, assim faríamos uma aliança. Mas não deixei essa proposta acontecer. Encaro a tela novamente, acendendo. Pego o celular desbloqueando para encontrar o número nos contatos, ligando para o Erick. — Guzman, finalmente. Estava bem acompanhado ou o que fode sua mente para demorar a me responder? — questiona, rindo divertido. O que fode a minha mente é ela.  — Nossos assuntos são o carregamento de armas, o qual precisa urgentemente. Diego está com tudo pronto para a entrega, o restante é com você, não falho em minhas entregas.  Mudo de assunto, não quero que ele saiba o que está acontecendo comigo. Isabela é um assunto íntimo. Ninguém a conhece, meus inimigos tão pouco. Escondê-la de tudo era fácil quando a audaciosa não tinha vindo me pedir algo, desafiando-me tudo com isso. Ela é minha mensageira e obsessão. Matei o irmão do meu pai por tentar usá-la como troca há dois anos. Ela possui uma beleza letal.
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