A Máscara e o Segredo
BRIANA
Meu nome é Briana, tenho 25 anos e, antes que você comece a imaginar qualquer coisa, já vou te contando a minha ficha corrida emocional.
Minha mĂŁe morreu quando eu ainda era uma adolescente cheia de espinha e drama.
O meu pai?
Bom, esse é um cara que eu devo ter conhecido numa outra vida, porque nessa aqui a gente nunca se esbarrou. Fui criada pela minha avó, uma mulher que era metade anjo, metade leoa. Ela me pegou com a cara no chão e me ensinou a andar de cabeça erguida.
Mas a vida, essa velha sacana, adora dar uma rasteira na gente quando a gente menos espera. Há uns três anos, a minha âncora, a minha velhinha, começou a se perder dentro da própria cabeça.
Alzheimer.
A palavra é fria, né?
Parece um feitiço de algum vilão de filme. E o tratamento? Meu amigo, era mais caro que bolsa de grife falsa no camelô. Eu trabalhava como modelo, fazia uns b***s legais, mas o dinheiro não dava nem pro cheiro do remédio.
Foi aà que eu, numa noite de desespero e lágrimas escorrendo pelo ralo do banheiro, encontrei uma... solução.
Ou uma perdição.
Depende do ponto de vista.
Descobri que podia ganhar uma grana fazendo conteĂşdo adulto. A ideia me deu um calafrio na espinha, mas aĂ eu olhava pra foto da vĂł e pensava:
"É ela ou o seu orgulho, Briana"
Escolhi ela.
Sempre vou escolher ela.
E assim nasceu a:
"Mascarada na Cama"
Dramático, eu sei.
Mas vende.
A máscara prateada veio pra esconder minha identidade – porque, convenhamos, o futuro é uma incógnita e eu não quero ser cancelada daqui a dez anos por causa disso. E o anel prateado, idêntico à máscara, foi um toque de classe, minha gente.
Minha marca registrada.
A minha vó sempre dizia que até na desgraça a gente tem que se arrumar.
O pior Ă© que a minha vĂł se foi faz dois meses.
E eu... eu continuei.
A grana é boa, viciante, e eu já não sei mais quem eu seria sem essa personagem. É como se a máscara tivesse grudado na minha pele. E o pior? Eu gosto do conforto que ela me dá. Meu apartamento é meu santuário, meu refúgio conquistado com suor, lágrimas e... bem, você já sabe.
Era nessa hora, a hora da "Mascarada", que eu sentia um frio na barriga que nĂŁo era de t***o, era de medo. Medo de ser descoberta, medo de um dia essa casa de cartas desabar.
Mas o show tem que continuar.
— E aĂ, meus amores! — eu disse, com uma voz doce e um pouco rouca que eu mesma treinei.
Era mais grave, mais sedosa que a minha voz de verdade.
— Como Ă© que vocĂŞs estĂŁo hoje? Preparados pra ficar de queixo caĂdo com a sua Mascarada?
A câmera estava ligada, me captando de perto. Eu estava de sutiã preto de renda e uma calcinha minúscula que era mais um fio dental com ambições. A máscara prateada refletia a luz do anel que eu tinha pra iluminação, e eu me sentia um paradoxo ambulante: por fora, uma deusa da sedução; por dentro, uma menina assustada querendo ser abraçada.
Os comentários começaram a chover.
Meu coração batia um samba no peito, mas meu sorriso era de quem mandava naquele pedaço.
📲 UpaUpa: Põe o dedo no cuzinho por cima da calcinha, gostosa.
— Nossa, Upaupa, direto ao ponto, hein, amor? — eu disse, dando uma risadinha. — Vamos com calma, que a noite é uma bebê... quer dizer, uma criança.
Pausa para efeito.
Os chat dos comentários encheu de "kkkkk" e "ela é engraçada". É isso, pessoal, seduzir também é entreter.
Eu passei a mĂŁo lentamente sobre os s***s, por cima do sutiĂŁ.
A pele ficou arrepiada.
Sempre fica.
É estranho, Ă© Ăntimo, mas Ă© o trabalho.
Meus dedos deslizaram pela barriga, até encontrar o elástico da calcinha. Fiquei ali, fazendo um pouco de pressão, enquanto os corações e os foguetes explodiam na tela.
📲 Fênix n***a: enviei 2000 pra você "mascarada" rebola pra gente.
Os meus olhos se arregalaram por trás da máscara.
Dois mil reais!
Era quase o aluguel do mĂŞs.
Esse tal de FĂŞnix n***a era meu assinante mais misterioso. Nunca pedia nada absurdo, nunca era desrespeitoso, mas sempre mandava quantias altĂssimas, como se estivesse apenas... patrocinando a minha existĂŞncia ali. Eu atĂ© tinha uma certa afeição por ele, ou por ela, quem sabe.
— Gente! O Fênix n***a mandando a minha pesada! — anunciei, com a voz ainda mais doce. — Como a gente pode recusar um pedido desses, não é mesmo?
Virei de costas para a câmera, me apoiando nas mĂŁos e nos joelhos. A famosa posição de quatro. Balancei o quadril lentamente, sentindo o olhar invisĂvel de dezenas, talvez centenas de homens – e quem sabe mulheres – suponho.
Meu coração, que antes batia forte, agora parecia uma pedra gelada no meu peito. Eu estava performando. Era uma atriz num palco muito, muito Ăntimo.
— Gostaram, meus amores? —perguntei, olhando por cima do ombro para a câmara, piscando um olho.
A enxurrada de pix começou a cair. 200, 300, 500 reais.
Era surreal.
Cada ding do meu celular era um misto de alĂvio e de culpa. AlĂvio por poder pagar minhas contas, culpa por... bem, por tudo.
Enquanto eu mexia o corpo, minha mente voava longe. Lembrava da minha avĂł me ensinando a fazer bolo de fubá. Lembrava do cheiro do cafĂ© dela de manhĂŁ. Lembrava do jeito que ela ria, com a barriga balançando. E agora aqui estava eu, rebolando para uma plateia invisĂvel para manter o apartamento que eu comprei pra gente morar, mas que ela nem chegou a aproveitar direito.
Que merda, Briana, pensei, enquanto um sorriso artificial estava estampado no meu rosto. Quando vocĂŞ vai ter coragem de pular fora disso?
A pergunta ecoava na minha cabeça como um mantra. Eu sonhava em mudar de vida. Talvez abrir um pequeno negócio. Uma cafeteria, quem sabe? Um lugar aconchegante, com cheiro de pão fresquinho e onde eu pudesse ser eu mesma, sem máscaras prateadas.
Mas era um sonho tão distante, tão frágil... Como eu ia largar essa mina de ouro para começar do zero? Era um medo que me paralisava.
— Essa é pra vocês! — eu disse, com um fôlego falso, terminando a dança e voltando a me sentar de frente para a câmera.
Meu peito subia e descia, e eu não tinha certeza se era de cansaço ou de ansiedade.
Peguei uma garrafa d'água e bebi um gole, ganhando tempo. Meus olhos percorreram os comentários, agradecendo pelos presentes, dando risadinhas de volta. Era uma máquina ligada no automático. A Briana de verdade estava trancada num quarto escuro da mente, assistindo a "Mascarada" fazer o seu trabalho.
📲 Fênix n***a: Obrigado. É sempre perfeita.
A mensagem simples, sem emojis, sem firulas. SĂł aquilo. E de alguma forma, aquelas palavras me atingiram de um jeito diferente.
Parecia genuĂno.
Como se ele – eu sempre imaginei que fosse um homem – estivesse vendo além da performance. Era provavelmente coisa da minha cabeça, desespero por um pouco de humanidade naquela troca fria, mas me pegou.
— Eu quem agradeço, Fênix n***a. Você é um amor. — disse, e pela primeira vez na noite, minha voz soou um pouco mais próxima da real.
O resto da live passou num turbilhĂŁo.
Mais pedidos, mais performances, mais dinheiro caindo na conta. Quando finalmente desliguei a câmera, com um "Beijos, até a próxima, meus amores! Se inscrevam no VIP!", o silêncio que caiu sobre o quarto foi quase ensurdecedor.
Eu me levantei, tirei a máscara prateada e a coloquei na penteadeira.
Olhei para meu reflexo no espelho.
Meu rosto estava pálido, os olhos um pouco vermelhos. Era uma garota comum. Com sonhos comuns. Presa em uma vida nada comum.
Sai do quarto das transmissões – meu "covil do pecado", como brincava – e fui até a cozinha pegar uma taça de vinho. A noite de São Paulo estava iluminada pela minha janela. Os carros passavam lá embaixo, pessoas indo para casa, para seus amantes, para suas vidas normais.
Eu dei um gole no vinho tinto, sentindo o amargo na lĂngua.
— E agora, Briana? — falei em voz alta para o apartamento vazio. — O que você vai fazer da sua vida?
A pergunta ficou pairando no ar, sem resposta. A máscara estava na penteadeira, mas o segredo, esse estava grudado em mim, mais forte que qualquer acessório. E no fundo, eu sabia que, enquanto a "Mascarada" vendesse sonhos, a Briana continuaria adiando os seus.
Mas uma coisa era certa: eu não podia fazer isso para sempre. Uma hora, a máscara ia cair. E eu só esperava estar forte o suficiente para aguentar o impacto quando esse dia chegasse.
Enquanto isso, era seguir o baile.
Ou melhor, seguir o rebolado.
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