Briana
O celular vibrou com a força de um terremoto em cima da penteadeira, quase derrubando o meu gloss. Era a Lari. Larissa, minha amiga desde os tempos de agência de modelos, quando a gente ainda acreditava que bastava ser bonita e esforçada para conquistar o mundo.
Ah, a inocência.
Lari: BIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII! PARA TUDO O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO E OLHA ISSO!
Ela mandou um link. Eu cliquei, meio desconfiada, esperando ser mais uma daquelas promoções milagrosas de creme para evitar celulite que ela vive caindo.
Mas não era.
Era o site oficial da Moreau Industries.
Um império.
Aquele nome soava como sinos de champagne e passarelas em Paris. E bem no centro da página, um anúncio em letras garrafais:
"ABERTAS AS INSCRIÇÕES: NOVA CARA DA CAMPANHA 'SEDUÇÃO MOREAU"
O ar saiu dos meus pulmões de uma vez. Fiquei olhando para a tela, a voz da Lari ecoando na minha cabeça enquanto ela mandava áudios histéricos.
— É a sua cara, Bri! Eles tão procurando uma modelo com mistério, com atitude, mas que tenha um olhar doce! É LITERALMENTE VOCÊ! Mas você, você de verdade, sem a máscara, entendeu? Essa é a sua chance de largar essa vida e voltar para o que você ama de verdade!
O coração parecia um tambor maluco dentro do meu peito. Largar essa vida. As palavras ecoaram como um hino no meio do caos da minha mente. Era tudo o que eu mais queria, um salva-vidas jogado no meio do oceano onde eu estava me afogando há anos.
Modelar.
Estar em um set de verdade, com iluminação profissional, maquiador, uma equipe. Fazer algo que pudesse colocar no meu portfólio sem precisar esconder de ninguém. Algo que faria a minha avó sentir orgulho, onde quer que ela estivesse.
Sem pensar duas vezes, abri a página de inscrições. Preenchi todos os dados com os dedos trêmulos.
Briana Almeida, 25 anos, 1,75m, medidas... Tudo certo. Anexei as fotos do meu book profissional, aquelas que a Lari tinha feito comigo em uma tarde de sol no Ibirapuera. Sorrisos largos, looks descontraídos, um ar de "menina do lado" que as agências adoram.
E então veio a parte das fotos de corpo inteiro. Eles pediam um traje de banho. Fiquei parada olhando a tela. Do lado do computador, a máscara prateada me encarava, um lembrete mudo da minha outra vida. Eram dois universos se colidindo na minha frente.
Respirei fundo.
— É agora ou nunca, Briana. — sussurrei para mim mesma.
Vesti um biquíni simples, preto, que realçava meus curvas sem ser vulgar. Fiquei na frente da parede branca da sala e tirei algumas fotos no timer. Corpo inteiro, de frente, de perfil. Fotos limpas, profissionais. A Briana modelo, não a Mascarada. Enviei tudo, apertei o botão "Enviar Inscrição" e soltei o ar que nem sabia que estava prendendo.
Uma sensação de alívio e puro terror me invadiu. Eu tinha feito. Eu tinha dado o primeiro passo para fora daquela gaiola dourada.
A euforia foi tanta que eu quase, quase, esqueci da live da noite. O horário chegou e eu ainda estava sentada no chão da sala, imaginando como seria ver minha foto estampada nas vitrines da Moreau. Eu, a nova musa da sedução... a sedução com classe, com estilo. Não a sedução de quarto escuro e anonimato.
Merda! A live!
Corri para o quarto, meu santuário duplo. Olhei para o relógio. Já estava atrasada em dez minutos.
O pânico bateu.
Meus assinantes, meus pagantes... o Fênix n***a. Eles iam ficar putos. E cliente puto para o meu negócio é o mesmo que patrão puto para qualquer um: risco de demissão, no caso cancelamento de vip.
Precisava ser rápida.
Não dava tempo de um look elaborado. Peguei o primeiro conjuntinho que vi no cabide: shortinho branco absurdamente curto e um top minúsculo do mesmo tecido. Branco. Simbólico, né? Um novo começo. E sem calcinha ou sutiã por baixo, claro. A praticidade da p*****a é algo que você aprende rápido nessa vida.
Coloquei o anel prateado, a máscara. O disfarce. O meu uniforme. O gloss que aumentava os lábios, deixando eles carnudos e vermelhos, foi o toque final. Uma última olhada no espelho. A Mascarada na Cama estava pronta. Mas pela primeira vez, o coração não estava 100% ali.
Entrei ao vivo com um sorriso um pouco ofegante.
— E aí, meus amores! Desculpem a demora, um imprevisto do caramba.
A tela já estava lotada de comentários. E, como sempre, o primeiro nome que meus olhos buscaram estava lá, quieto no canto.
📲 Fênix n***a: Está linda de branco 🤍 Por um instante achei que nos deixaria na mão.
Ele mandou no chat. Meu coração deu um pequeno salto. Era sempre assim. Ele notava tudo. A cor, o atraso... era como se ele estivesse realmente me vendo, e não só um corpo.
— Obrigada, fênix! E eu, jamais, deixaria vocês sem nada. — eu disse, forçando minha voz para o modo sexy, um pouco mais grave e melosa.
A reação foi instantânea.
Os envios de dinheiro começaram a pipocar na tela como fogos de artifício. 200, 500, 300 reais.
O alívio foi um alívio pra mim.
As contas do mês estavam seguras.
📲 Grandão: Incrível como tu é sexy e nem precisa tirar a roupa pra enlouquecer um homem. (Enviou R$ 1.000,00)
O comentário me pegou desprevenida. Vindo de outro, soaria como mais uma cantada b***a. Mas naquele momento, com a esperança da Moreau fresca na minha mente, aquilo tocou em algo. Era um elogio à minha habilidade, à minha performance, não só ao meu corpo nu.
— Me acha sexy, Grandão? — eu disse, deixando a voz sair mais baixa, mais provocante.
Me pus de quatro na cama, a posição clássica que nunca falha. Engatinhei em direção à câmera, balançando os quadris lentamente, sentindo o tecido do shortinho esticar.
— Gosta assim?
Levei o dedo indicador à boca e o coloquei entre os lábios, sugando lentamente, mantendo o olhar fixo na lente. A enxurrada de dinheiro aumentou. Os comentários ficaram mais selvagens, mais sujos. Mas o meu assinante mais generoso... estava calado. Nada de novos envios. Uma ansiedade fria começou a subir pela minha espinha. Eu tinha estragado tudo com o meu atraso?
— Fênix n***a. — eu chamei, parando de me exibir e me ajoelhando na frente da câmera. — Você gosta quando eu chupo assim?
A pergunta era um risco.
Era quase uma súplica.
Por favor, fale.
Por favor, mostre que ainda está interessado.
A resposta veio, seca e direta.
📲 Fênix n***a: Pega um pirulito, daquele que usou outro dia, redondo e vermelho.
Um sorriso genuíno escapou por baixo da máscara.
Ele lembrava. Um pirulito.
Era uma das nossas dinâmicas.
Eu brincava, era lúdico, era diferente da vulgaridade pesada de sempre.
— Okay, okay! Um pirulito para o senhor Fênix. — eu disse, com uma risadinha, e saí da cama, caminhando em direção à cozinha.
De lá, ouvi o som glorioso de mais notificações de pagamento. Eles estavam se animando com a brincadeira. Enquanto abria o armário e pegava não um, mas dois pirulitos vermelhos, eu pensava na Moreau. Será que eu teria coragem de fazer uma coisa dessas em um set de filmagem? Provavelmente não. Mas aqui... aqui era o meu reino de faz de conta.
Quando voltei para a cama, a tela explodiu.
Fênix n***a enviou: R$ 10.000,00.
Dez. Mil. Reais.
Eu quase engasguei com o ar. Meus joelhos fraquejaram. Era mais do que eu ganhava em uma semana boa. Era a prova definitiva de que ele estava feliz, mais do que feliz, estava... eufórico.
— Gente! Olha isso! — eu anunciei, mostrando os pirulitos para a câmera. — O Fênix quer um show, e a Mascarada vai dar!
Abri os dois pirulitos e os coloquei na boca, um de cada lado. Fiz caretas, brinquei, os chupei alternadamente, fechando os olhos e gemendo de prazer encenado.
O chat foi à loucura.
Os comentários sacanas pipocavam, o dinheiro fluía como água. Era o ápice da noite, o momento em que a Mascarada estava no controle total, rainha do seu universo pixelado.
Mas no fundo, uma parte de mim era só Briana, segurando dois pirulitos baratos, fazendo palhaçada para um homem que pagava o preço de um carro usado para ver fazendo aquilo.
Quando a live acabou, exausta e com a conta bancária cheia, fui ver as mensagens privadas. Lá estava ele. Fênix n***a.
Não era um pedido. Era um e-mail.
Assunto: Proposta Comercial
A mensagem era curta, profissional, e absolutamente aterrorizante. Pedia que eu entrasse em contato naquele endereço para "discutir uma proposta de trabalho exclusiva, de valor significativamente superior".
O coração parou. Proposta comercial? O que isso significava? Ele queria um encontro? Algo pessoal? Algo... pior?
Fiquei parada olhando para a tela, o brilho do monitor iluminando a máscara prateada que agora estava na penteadeira. De um lado, o e-mail da Moreau, minha chance de ouro de escapar. Do outro, o e-mail do Fênix, meu assinante mais lucrativo, me puxando para mais fundo no mundo que eu jurara que queria deixar.
Anotei o e-mail em um post-it, minhas mãos trêmulas. Aquele pequeno pedaço de papel amarelo parecia pesar uma tonelada.
O que eu ia fazer? Ignorar e arriscar perder a minha maior fonte de renda? Ou responder e arriscar me meter em uma situação da qual eu não conseguiria sair?
A Briana queria o novo caminho. Mas a Mascarada ainda tinha contas para pagar.
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