O Fetiche do Observador

1339 Words
ARTHUR A solidão é uma merda silenciosa. Não é aquele negócio dramático de cinema, com cara chorando no escuro. É pior. É um vazio que vai se enchendo nos cantos da sua vida, até você acordar um dia e perceber que está tomando champagne sozinho numa cobertura de cinco milhões, olhando a cidade pulsar lá embaixo, e não tem uma alma pra dividir a p***a do momento. Eu, Arthur Moreau, tenho tudo. E não tenho p***a nenhuma. A cerveja estava gelada, pelo menos. Estava eu e o Noah na varanda do meu apartamento. Noah é o único ser humano que eu tolero por mais de duas horas seguidas. Nos conhecemos na faculdade, quando eu ainda era um filho da p**a com ambição. Ele viu a fera que eu era e, ao invés de correr, trouxe uma cerveja. Amizade de anos se resume a isso: alguém que te traz uma cerveja nos seus piores momentos. — Então, o império das passarelas continua de pé? — ele perguntou, largado na poltrona, com os pés em cima do meu banco de designer que custou mais que o carro dele. — Alguém tem que sustentar esse circo. — eu retruquei, tomando um gole. — E os seus restaurantes? Já expandiu pra lua, ou ainda tá brigando com o fornecedor de tomate? Ele riu, aquela risada gostosa de quem não leva a vida a sério demais. — Tô pensando em abrir um food truck. Algo mais pé no chão, saca? Era isso. Duas da manhã, dois caras de trinta e poucos anos na conta, falando de negócios como se ainda tivessem vinte e sonhando com o primeiro milhão. A diferença é que eu já tinha passado do décimo milésimo, e o Noah ainda se preocupava em ser feliz. A conversa foi esvaziando, como a garrafa na minha mão. E aí, do nada, ele soltou: — E as mulheres, Arthur? Cadê aquela loirona da revista, a... Juliana? — Terminei. — Por quê? Ela era gata pra c*****o. — Era chata pra p***a. Só falava de viagem pra Maldivas e postagem no i********:. Noah balançou a cabeça. — Cara, você é o cara mais difícil de agradar que eu conheço. É como se você não quisesse ninguém de verdade. E foi aí que a merda saiu da minha boca. Talvez fosse a cerveja, talvez fosse a solidão daquela p***a de cobertura, talvez fosse o fato de que o Noah é a única pessoa no mundo que não me vê como uma conta bancária ambulante. — Eu quero, Noah. Só que... de um jeito diferente. Ele franziu a testa. — Diferente como? Cê virou fetichista de pé, igual aqueles malucos na internet? Eu dei uma risada seca. — Pior. E então eu soltei. Falei da plataforma. Das criadoras de conteúdo. Do meu vício por... observar. — Você paga pra ver mulher se masturbar na internet? — ele perguntou, sem julgamento, só curiosidade genuína. — É mais do que isso, p***a. — eu expliquei, me inclinando pra frente. — Não é só o ato. É... a vulnerabilidade. É ver aquele momento íntimo, aquele controle que elas têm, a performance. É como se, por alguns minutos, eu estivesse dentro da cabeça delas. E elas nem sabem que eu existo. Noah assobiou baixo. — c*****o, Art. Isso é... específico. — E tem uma... — eu continuei, a voz ficando mais baixa, como se alguém pudesse me ouvir. — Uma em especial. Ela se chama 'Mascarada na Cama'. Usa uma máscara prateada. Um anel. — E o que essa tem de tão especial? Ela faz o que, senta em um abacaxi? — Ela é... diferente. — eu disse, e pela primeira vez, senti dificuldade em encontrar as palavras. — Ela não é tão direta. Tem um jeito meigo, quase tímido. Os movimentos são suaves. Ela toca o corpo por cima da roupa, às vezes. E a voz... a voz é doce, mas quando solta uma piada, tem uma malícia que me deixa louco. Eu estava me expondo, me sentindo um idoso. Mas era a verdade. A "Mascarada" me tocou num lugar que eu nem sabia que existia. Noah ficou quieto por um minuto, processando. — Cara, eu entendo. Já fiquei viciado em uma streamer de games que passava cheat do GTA. Mas isso aí... tá com cara de obsessão. — É só um hobby. — eu menti, sabendo que era a pior mentira que eu tinha contado na semana. — Hobby o c*****o. — ele riu. — Olha pra você. O grande Arthur Moreau, obcecado por uma garota de internet que ele nunca viu na vida. Que p***a é essa, Art? Pega o carro, manda uma DM, paga uma fortuna e trás ela pra cá. Fode essa mina uma vez, esvazia o saco, e esse fascínio some. Garanto. Ele contou então de uma vez que pagou dois mil numa criadora famosa por fazer "garganta profunda". — Foi o boquete mais caro e mais bem pago da minha vida, Art. A mina era uma profissional. Resolveu meu problema por uma semana. Nós rimos, e a ideia ficou pairando no ar. Trazer a fantasia pra realidade. Era o óbvio. Era a solução de homem simples para um problema complexo. Foder até cansar. Funcionava para 99% dos casos. Mas aí eu comecei a pensar. E pensar é minha maldição. Será que eu queria f***r a Mascarada? A imagem dela, real, de carne e osso, no meu quarto... era tentadora. Mas aí eu imaginava a cena: eu, tentando performar, ela, talvez nervosa, ou pior, profissional, como a garota do Noah. Tudo aquilo que me excitava – o mistério, a distância, o controle de observar – se perderia num ato mecânico. E então um pensamento mais perverso, e muito mais excitante, veio à tona. E se eu a trouxesse aqui... e não a tocasse? E se eu a colocasse na minha cama, com a máscara, e apenas... a observasse? De perto. Ao vivo. Sem uma tela no meio. Pedir pra ela fazer o que faz nos vídeos. Se tocar por cima da roupa, daquele jeito tímido e sugestivo. Aquele jeitinho meigo que era a chave de tudo. Ver a respiração dela acelerar de verdade. Ouvir os gemidos abafados pelo quarto, não pelos alto-falantes do notebook. Apenas observar. Como um colecionador observa uma obra de arte rara. A posse não estaria no ato, mas no acesso. Na i********e roubada, ou melhor, comprada. Isso me excitou muito mais do que a ideia de t*****r com ela. — Talvez... talvez eu nem a f**a. — eu falei, mais pra mim mesmo do que pro Noah. Ele me olhou como se eu tivesse dito que ia virar monge. — Como assim, cara? Qual o sentido então? — O sentido é o mesmo de sempre, isso me excita. — eu expliquei, a voz voltando àquela frieza característica. — Só que seria ao vivo. É a i********e sem a complicação. É o controle absoluto. Noah balançou a cabeça, rindo de novo. — Você é um caso perdido, Art. Sinceramente. Paga uma fortuna por uma mina e só quer olhar? Só você mesmo. Ele não entendia. Como poderia? Para a maioria, o prazer está no fim. Para mim, está no caminho. Na observação. No poder de testemunhar sem ser visto, mesmo quando se está ali, na mesma sala. A ideia se enraizou em mim. Era assustadora, doentia talvez, mas era minha. Depois que o Noah foi embora, fiquei na varanda, olhando a cidade adormecer. A solidão ainda estava lá, mas agora ela tinha um projeto. Um objetivo. A "Mascarada na Cama" não era mais só um passatempo. Ela era a peça central do meu fetiche. E eu não sou homem de deixar as coisas no campo da ideia. Se eu vou trazer ela pra realidade ou não, ainda não decidi. Mas uma coisa eu sei: o jogo mudou. A observação passiva já não basta. Eu preciso de mais. E eu sempre, sempre, consigo o que eu quero. Mesmo que seja só para olhar. ADICIONE NA BIBLIOTECA COMENTE VOTE NO BILHETE LUNAR INSTA: @crisfer_autora
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