ARTHUR
A solidão é uma merda silenciosa.
Não é aquele negócio dramático de cinema, com cara chorando no escuro. É pior. É um vazio que vai se enchendo nos cantos da sua vida, até você acordar um dia e perceber que está tomando champagne sozinho numa cobertura de cinco milhões, olhando a cidade pulsar lá embaixo, e não tem uma alma pra dividir a p***a do momento.
Eu, Arthur Moreau, tenho tudo. E não tenho p***a nenhuma.
A cerveja estava gelada, pelo menos. Estava eu e o Noah na varanda do meu apartamento. Noah é o único ser humano que eu tolero por mais de duas horas seguidas. Nos conhecemos na faculdade, quando eu ainda era um filho da p**a com ambição. Ele viu a fera que eu era e, ao invés de correr, trouxe uma cerveja. Amizade de anos se resume a isso: alguém que te traz uma cerveja nos seus piores momentos.
— Então, o império das passarelas continua de pé? — ele perguntou, largado na poltrona, com os pés em cima do meu banco de designer que custou mais que o carro dele.
— Alguém tem que sustentar esse circo. — eu retruquei, tomando um gole. — E os seus restaurantes? Já expandiu pra lua, ou ainda tá brigando com o fornecedor de tomate?
Ele riu, aquela risada gostosa de quem não leva a vida a sério demais.
— Tô pensando em abrir um food truck. Algo mais pé no chão, saca?
Era isso.
Duas da manhã, dois caras de trinta e poucos anos na conta, falando de negócios como se ainda tivessem vinte e sonhando com o primeiro milhão. A diferença é que eu já tinha passado do décimo milésimo, e o Noah ainda se preocupava em ser feliz.
A conversa foi esvaziando, como a garrafa na minha mão. E aí, do nada, ele soltou:
— E as mulheres, Arthur? Cadê aquela loirona da revista, a... Juliana?
— Terminei.
— Por quê? Ela era gata pra c*****o.
— Era chata pra p***a. Só falava de viagem pra Maldivas e postagem no i********:.
Noah balançou a cabeça.
— Cara, você é o cara mais difícil de agradar que eu conheço. É como se você não quisesse ninguém de verdade.
E foi aí que a merda saiu da minha boca. Talvez fosse a cerveja, talvez fosse a solidão daquela p***a de cobertura, talvez fosse o fato de que o Noah é a única pessoa no mundo que não me vê como uma conta bancária ambulante.
— Eu quero, Noah. Só que... de um jeito diferente.
Ele franziu a testa.
— Diferente como? Cê virou fetichista de pé, igual aqueles malucos na internet?
Eu dei uma risada seca.
— Pior.
E então eu soltei.
Falei da plataforma.
Das criadoras de conteúdo.
Do meu vício por... observar.
— Você paga pra ver mulher se masturbar na internet? — ele perguntou, sem julgamento, só curiosidade genuína.
— É mais do que isso, p***a. — eu expliquei, me inclinando pra frente. — Não é só o ato. É... a vulnerabilidade. É ver aquele momento íntimo, aquele controle que elas têm, a performance. É como se, por alguns minutos, eu estivesse dentro da cabeça delas. E elas nem sabem que eu existo.
Noah assobiou baixo.
— c*****o, Art. Isso é... específico.
— E tem uma... — eu continuei, a voz ficando mais baixa, como se alguém pudesse me ouvir. — Uma em especial. Ela se chama 'Mascarada na Cama'. Usa uma máscara prateada. Um anel.
— E o que essa tem de tão especial? Ela faz o que, senta em um abacaxi?
— Ela é... diferente. — eu disse, e pela primeira vez, senti dificuldade em encontrar as palavras. — Ela não é tão direta. Tem um jeito meigo, quase tímido. Os movimentos são suaves. Ela toca o corpo por cima da roupa, às vezes. E a voz... a voz é doce, mas quando solta uma piada, tem uma malícia que me deixa louco.
Eu estava me expondo, me sentindo um idoso. Mas era a verdade. A "Mascarada" me tocou num lugar que eu nem sabia que existia.
Noah ficou quieto por um minuto, processando.
— Cara, eu entendo. Já fiquei viciado em uma streamer de games que passava cheat do GTA. Mas isso aí... tá com cara de obsessão.
— É só um hobby. — eu menti, sabendo que era a pior mentira que eu tinha contado na semana.
— Hobby o c*****o. — ele riu. — Olha pra você. O grande Arthur Moreau, obcecado por uma garota de internet que ele nunca viu na vida. Que p***a é essa, Art? Pega o carro, manda uma DM, paga uma fortuna e trás ela pra cá. Fode essa mina uma vez, esvazia o saco, e esse fascínio some. Garanto.
Ele contou então de uma vez que pagou dois mil numa criadora famosa por fazer "garganta profunda".
— Foi o boquete mais caro e mais bem pago da minha vida, Art. A mina era uma profissional. Resolveu meu problema por uma semana.
Nós rimos, e a ideia ficou pairando no ar. Trazer a fantasia pra realidade. Era o óbvio. Era a solução de homem simples para um problema complexo.
Foder até cansar.
Funcionava para 99% dos casos.
Mas aí eu comecei a pensar. E pensar é minha maldição.
Será que eu queria f***r a Mascarada?
A imagem dela, real, de carne e osso, no meu quarto... era tentadora. Mas aí eu imaginava a cena: eu, tentando performar, ela, talvez nervosa, ou pior, profissional, como a garota do Noah. Tudo aquilo que me excitava – o mistério, a distância, o controle de observar – se perderia num ato mecânico.
E então um pensamento mais perverso, e muito mais excitante, veio à tona.
E se eu a trouxesse aqui... e não a tocasse?
E se eu a colocasse na minha cama, com a máscara, e apenas... a observasse? De perto. Ao vivo. Sem uma tela no meio. Pedir pra ela fazer o que faz nos vídeos. Se tocar por cima da roupa, daquele jeito tímido e sugestivo. Aquele jeitinho meigo que era a chave de tudo. Ver a respiração dela acelerar de verdade. Ouvir os gemidos abafados pelo quarto, não pelos alto-falantes do notebook.
Apenas observar.
Como um colecionador observa uma obra de arte rara. A posse não estaria no ato, mas no acesso. Na i********e roubada, ou melhor, comprada.
Isso me excitou muito mais do que a ideia de t*****r com ela.
— Talvez... talvez eu nem a f**a. — eu falei, mais pra mim mesmo do que pro Noah.
Ele me olhou como se eu tivesse dito que ia virar monge.
— Como assim, cara? Qual o sentido então?
— O sentido é o mesmo de sempre, isso me excita. — eu expliquei, a voz voltando àquela frieza característica. — Só que seria ao vivo. É a i********e sem a complicação. É o controle absoluto.
Noah balançou a cabeça, rindo de novo.
— Você é um caso perdido, Art. Sinceramente. Paga uma fortuna por uma mina e só quer olhar? Só você mesmo.
Ele não entendia. Como poderia? Para a maioria, o prazer está no fim. Para mim, está no caminho. Na observação. No poder de testemunhar sem ser visto, mesmo quando se está ali, na mesma sala.
A ideia se enraizou em mim. Era assustadora, doentia talvez, mas era minha.
Depois que o Noah foi embora, fiquei na varanda, olhando a cidade adormecer. A solidão ainda estava lá, mas agora ela tinha um projeto.
Um objetivo.
A "Mascarada na Cama" não era mais só um passatempo. Ela era a peça central do meu fetiche. E eu não sou homem de deixar as coisas no campo da ideia.
Se eu vou trazer ela pra realidade ou não, ainda não decidi. Mas uma coisa eu sei: o jogo mudou. A observação passiva já não basta.
Eu preciso de mais.
E eu sempre, sempre, consigo o que eu quero. Mesmo que seja só para olhar.
ADICIONE NA BIBLIOTECA
COMENTE
VOTE NO BILHETE LUNAR
INSTA: @crisfer_autora