PRÓLOGO
Verônica nasceu em São Paulo, viveu lá até os doze anos quando sua família decidiu que a cidade estava violenta demais para se viver. Obviamente, a menina não foi consultada sobre seus desejos e teve que se mudar para Santa Rita do Trivelato, Mato Grosso, deixando para trás um estranho desejo de saber mais sobre a criminalidade. Não que ela quisesse traficar, roubar ou matar alguém. Se interessava mesmo em desvendar a mente dos criminosos. Estuda-los.
Com o passar dos anos, lentamente na visão dela, Verônica tinha muito tempo sobrando para suas pesquisas.
Jack, o estripador, sua identidade nunca havia sido sequer revelada, matava somente prostitutas, era cirurgicamente preciso. Charles Manson não só matava cruelmente como usava o sangue das vitimas para deixar suas mensagens, além de ensinar vários pupilos a fazer o mesmo, matar, roubar. Uma mente muito engenhosa, que parecia fascinante para a, agora jovem Verônica.
Havia muitos outros, Albert Fish, Ted Bundy, Jeffrey Dahmer. Assassinos em série, canibais, e**********s. Nenhum demonstrava um mínimo de arrependimento, nada. Eram cruéis, bárbaros. Mas o que aconteceu para que se tornassem monstros?
A pergunta parecia rondar a cabeça de Verônica desde o amanhecer até o anoitecer. As imagens de sangue e as expressões cruéis não a assustava, porém, sua insistência em ler sobre esses assassinos assustava sua família. Principalmente quando a garota, há cerca de cinco meses, invadiu o sistema da polícia local para ter mais informações sobre os recentes assassinatos na região.
A polícia, secretamente, chamava o assassino de João Hunter, esse não era seu sobrenome, João, tão pouco seu nome. Mas qualquer um iria relacionar o nome se vissem as fotos dos crimes.
Quando o primeiro corpo foi encontrado a polícia logo declarou que a vítima tinha morrido por ataque animal, muitos se perguntaram que tipo de animal faria tal coisa, mas outros preferiam acreditar nessa teoria, pois a verdade obvia assustava. Um ser humano que abriu a barriga de uma mulher com as mãos era assustador demais.
O segundo corpo não deixava dúvidas que era um homicídio e que os dois casos estavam relacionados. A barriga havia sido aberta da mesma maneira, mas o fato de ter vários outros cortes, a pele ter sido arrancada do rosto e de o corpo estar amarrado nas vigas de uma velha casa, não restava dúvidas de que um cachorro raivoso não poderia ser o assassino.
Verônica estava encarando as fotos com tanta concentração que não reparou que na mesa atrás dela havia um grupo de policiais. Ela admitiu que usar a conexão sem fio da lanchonete não foi a melhor ideia. Mas eles não poderiam mantê-la tanto tempo encarcerada. Não quando seu pai era o prefeito em reeleição. A punição durou dois meses trabalhando em uma madeireira e consultas semanais em um psiquiatra local. Que ela mais interrogava do que se consultava. O seu interesse por João Hunter não diminuía e ela sonhava em fazer um trabalho melhor do que o do recém chegado Vicente Ramos que não procurava pistas, não fala na rádio e muito menos pedia ajuda para o estado. Ele parecia bem mais interessado em resolver assaltos e pequenos delitos de adolescentes do que subir na carreira, o que irritava a jovem.
2007
Comodoro, Mato Grosso.
“Meu pai é um assassino. Se alguém estiver lendo isso agora, por favor, me ajude, não tenho mais forças para aguentar, tentei pedir ajuda de uma de minhas professoras, mas ele descobriu, ela corre perigo. SOCORRO!”
– O que é isso? – O investigador Vicente Ramos da Silva se depara com um de seus cabos lendo um papel amassado e sujo de sangue.
– Um menino apareceu aqui e deixou isso na recepção, ele veio acompanhado da namoradinha, os dois pareciam estar em choque.
– Eles ainda estão aqui? – pergunta o detetive enquanto lê a letra grande e arredondada, é obvio que se trata de uma brincadeira de mau gosto.
– Sim senhor, já ligamos para o pai da garota e o menino está se limpando no banheiro, está todo sujo de sangue, Ele queria ir embora, mas o seguramos para a própria segurança.
– Deixe isso comigo cabo, deve ser só travessura de criança.
– Mas senhor o sangue parece ser muito real. – Vicente ergue a mão em um gesto autoritário e o cabo se cala.
– Vou falar com o garoto, qualquer coisa eu mesmo ligo para o conselho tutelar.
– Sim senhor.
O investigador coça a cabeça e digita uma mensagem de texto rápida e concisa no aparelho celular. Então se dirige ao banheiro, entra e tranca a porta atrás de si. O garoto ergue a cabeça e encara Vicente com arrogância, mas no fundo de seus olhos pode-se notar um medo bem conhecido, medo este que nenhuma criança deveria sentir perante uma autoridade da lei:
– O que você está fazendo aqui Samuel? – Vicente pergunta com um tom de voz irritado.
– Eu... Eu só... – O menino começa a engasgar com as próprias palavras e abaixa a cabeça em sinal de rendição. – Você contou para ele?
– Você conhece as regras. – Vicente coloca a mão no ombro do menino e se abaixa para ficarem do mesmo tamanho. – A gente não pode falar com ninguém sobre o que seu pai faz, é segredo.
– Eu já tenho quinze anos, sei diferenciar o certo do errado, esse papo de segredo não cola mais comigo.
– Mas isso não muda o fato de que deveria ficar quieto, já que falou vai ter que ser punido, sinto muito Samuel, mas você conhece as regras.
Vicente leva o garoto até a recepção e o entrega para o pai, o homem sorri e agradece ao detetive por não registrar queixa contra a suposta brincadeira de mau gosto do filho e vai embora aparentando ser um cidadão como qualquer outro, bom pai, trabalhador, marido fiel. Mas o adolescente conhecia muito bem a verdadeira face do pai. O bilhete não era brincadeira, mas sim um pedido desesperado por socorro.
– Detetive o que faço com o bilhete?
– Arquive-o junto com os trotes.
– Sim senhor.
Ao chegar em casa, Samuel fecha os olhos enquanto é amarrado em uma das vigas de seu quarto. José, como era chamado naquela cidade e seu pai, puxa uma cadeira e observa o garoto se debatendo, chorando, assustado demais para gritar.
O homem segura um punhal na mão, olha com desgosto para o garoto.
– Quanto mais se debater mais rápido irá desmaiar. Isso é fraqueza.
José havia cortado as solas do pé do garoto. O sangue escorria e sujava o chão que já parecia bem manchado. O garoto não queria mais aquela tortura, ele não se importava de parecer fraco.
Quando o corpo de Samuel para de se mexer, José guarda a faca e a cadeira em um canto e pisa no sangue que está no chão deixando uma pegada de seu sapato. Ao passar pela sala se depara com a mãe do menino chorando em um canto enquanto prepara uma carreira de pó de um remédio qualquer. Ele dá de ombros, se deita na cama e fecha os olhos. Sua expressão é de paz. Ele dorme. Como se aquilo fosse a forma mais normal de punir uma criança. O garoto ficaria daquela maneira por cinco dias. Com o mínimo de água e comida.