Não existe palavras para descrever o quão estou horrorizada por o que acabei de ouvir. Estou em choque, paralisada. José continua me olhando com um sorriso nos lábios sombrios. Ele sabe como suas palavras me surpreenderam. É inevitável não perceber, já que minha expressão mudou da água para o vinho, como dizem por ai. Eu entendo que meu carma esteja descontando minhas travessuras, mas isso... Isso é exagero. Eu não posso ser uma aprendiz de assassino:
– Você não está falando sério, está? – digo em um tom rouco, estou morrendo de medo de que ele repita aquelas palavras.
– Não estou brincando. Trouxe-te aqui para ser como eu... Como nós. Seremos uma espécie de três mosqueteiros do crime, se o Rafael voltar poderá ser o quarto.
– Eu não...
– Você já ouviu falar do Estripador? – Faço uma cara de espanto, um pouco forçada já que Ramón me falou que José tinha um herdeiro. – Ele é meu filho. Você seria uma mistura dele e minha. Estou ansioso para saber que nome a mídia vai dar a você.
– Eu não sou como você! Não sou! Não vou matar ninguém.
– Eu posso ver em seus olhos. – Fecho meus malditos olhos na tentativa de me esconder. – Você pode matar, você quer matar.
– Você está enganado. Eu nunca machucaria ninguém. Jamais. Eu te imploro... Mate-me. – a única pessoa que eu desejava matar era ele.
José fica em silencio, um silencio insuportável. Novamente ouço sons do outro lado da parede, unhas arranhando-as. O Caçador parece um pouco afetado ao ouvir aquele som, leva a mão a barriga e a acaricia com os olhos vazios. Quando volta a falar seu tom de voz é tenebroso:
– Não seja tola. – José toca minha mão o que me faz recuar. – Verônica nós somos iguais.
Ele sai, me deixando sozinha. Fico deitada encarando o teto por um bom tempo escutando a chuva que cai do lado de fora. Não penso em nada especifico nesse momento, mas queria estar dançando e correndo na chuva, tendo algo além de sangue escorrendo por minha pele.
Olho em volta esperando que Ramón apareça a qualquer momento e interrompa meus pensamentos, mas ele não aparece, o que me deixa preocupada, o barulho nas paredes retornam e eu tremo.
Está frio, uma janela, com grades, está aberta em um dos cantos. Levanto-me e lentamente caminho até ela. Como está empenhada preciso fazer muita força e o barulho é alto e estridente, mas ainda assim ouço o ruído atrás da parede, as unhas sendo castigadas.
Imagino que seja Ramón que faz aquilo, para assustar as pessoas ou é o modo como ele passa o tédio, não sei direito o que pensar de um menino que se finge de morto e diz conversar com o irmão que todos relatam estar morto. Tenho um carinho muito grande por ele, mas não sei o que pensar dessa família, os dias passam e eu fico apavorada com os segredos que eles guardam.
Ponho-me a andar pelo quarto na esperança de encontrar conforto em algo, quando de repente, avisto um vulto. A princípio me encolho na espera do susto ou dor, reações que sempre tenho com a aproximação de José, mas depois de alguns minutos percebo que não há ninguém ali. Caminho na direção de onde o vulto surgiu e em uma das paredes encontro uma folha de papel antigo com um desenho simples e tipicamente normal de uma criança que frequentava uma escola.
O desenho tinha a figura de um pai, uma mãe e quatro crianças com sorrisos nos rostos. Pego o desenho e analiso mais de perto os traços fortes e deduzo que o garoto não devia ter mais de 10 anos quando fez aquele desenho. Pelo desenho ainda consigo ver que as crianças seriam Samuel, Rafael, Tiago e Luiza, todos pequenos demais para saber o que o pai viria a fazer com eles.
Olho em volta do quarto à procura de mais dicas sobre a quem pertencia aquele desenho e noto que tudo está muito arrumado, limpo, como se o dono apenas houvesse ido tomar banho e logo estaria de volta. Havia muitos pôsteres, uma guitarra e até duas fotos de animaizinhos na parede.
Mas algo estava fora do lugar, algo tornava aquela cena inviável. Na parede onde eu havia pegado o desenho havia uma inscrição feita a sangue "Me ajude" dizia, era pequena demais para ser percebida por um desavisado qualquer, mas eu conseguia ler perfeitamente, quase podia ouvir a voz me implorando por misericórdia.
Deixo o desenho cair e junto com ele um rio de lágrimas que escorre por meus olhos. É demais para mim. Aquele desenho parecia perfeito, mas atrás estava lotado de sangue. Era assustador, era c***l. Não podia imaginar o que aquele garoto, o quarto é claramente masculino, passou ali. Eu não tinha ideia e ainda assim chorava só de imaginar. Tudo naquela casa parecia feito para torturar pessoas. Há compartimentos secretos com facas e as vigas são manchadas de sangue, câmeras de segurança vigiam os corredores, é tudo muito assustador, me sinto um animal acuado a aceitar os planos de José para mim.
Deixo- me cair sentada no chão. Abraço meus joelhos e choro alto sem me preocupar em ser ouvida, afinal sou refém, não devo me envergonhar por chorar. Não importava mais nada agora. Eu estava sequestrada e meu sequestrador queria me ensinar a matar. Talvez eu devesse aprender e depois mata-lo e me matar após, pois não queria sobreviver com aquelas cicatrizes ou lembranças.
Entre as lágrimas avisto a cama e curiosa, um se meus maiores defeitos, quero saber como é que Ramón consegue se esconder ali. Ajoelho-me e engatinho até lá, com dificuldade me escondo ali embaixo. É escuro e pequeno, mas passa segurança, como se ninguém pudesse me encontrar ali.
Abraço meus joelhos e fico em posição fetal. Aos sussurros murmuro a canção de ninar que minha mãe cantava para mim e não demoro muito a dormir sentindo uma paz imensurável.
Já é de manhã. Consigo sentir o calor emanando no quarto. Ergo as mãos e apalpo a cama para não bater a cabeça. Sorrio tentando se lembrar se algum dia fiz algo tão maluco quanto dormir embaixo de uma cama. Estava sequestrada, correndo perigo, mas ainda assim podia fazer algo novo, uma “aventura”.
O sorriso é passageiro, afinal não me encontro em uma situação nada agradável a ponto de distribuir sorrisos, além do mais posso ouvir passos. Tem alguém no quarto.
Tento espiar quem é, mas não consigo, não sem ser vista. Encolho-me e rezo para não ser encontrada, rezo para que aquilo tudo ainda fosse somente um pesadelo assustador. Mas continuo a ouvir os passos.
Encolho-me ainda mais, como se aquilo pudesse me fazer ficar segura e é quando sinto algo cutucando minha costa. Viro-me devagar e pego o objeto, é um caderno antigo, capa de couro marrom o qual eu nunca havia visto igual, era lindo, todo no estilo clássico, barroco, a pessoas a qual aquilo pertencia devia ter um bom gosto para decoração, como o dono do quarto, que eu acreditava ser Sammy, o falecido.
– Verônica? – ouço a voz fina de Ramón. – Onde você está?
Minha atenção está toda no caderno, reflito se devo perguntar a Ramón o que é e a quem pertence, mas decido não fazer. Folheio as primeiras paginas, paro quando leio uma frase aleatória e assustadora.
"Meu nome é Samuel Ramos Vasconcelos tenho 15 anos e sou um assassino."
Tudo parece fazer sentido agora. Sammy é herdeiro de José, por isso o mesmo faz questão de colocá-lo nos planos que tem para mim.
“Seremos os três mosqueteiros.” Ele dissera, mas eu não havia entendido quem seria o terceiro. O que também não entendo é por que Ramón acredita em Sammy? Por que todos naquela casa o têm como herói?
Será que todos ali sofrem de psicopatia crônica? Se for assim eu não posso confiar em ninguém, nem mesmo nas crianças.
Largo o caderno embaixo da cama e saio determinada a enfrentar Ramón, fazer perguntas e descobrir a verdade sobre aquela família, mas seu olhar surpreso e aliviado me deixa muda:
– É hoje Verônica. Você vai fugir. – Ele exclama emocionado.
– Ramón você tem certeza que vai dar certo? – Se eles querem que eu fuja é exatamente o que farei, não quero permanecer nessa casa.
Mas e se eles quiserem que você fuja para ser caçada? Meu subconsciente me deixa confusa, Ramón continua falando empolgado.
– Sammy já planejou tudo. Ele sabe o que faz.
– Disso que tenho medo. – deixo as palavras escaparem.
– O que você disse?
– Nada. Só estava pensando alto. – alto demais. Repreendo-me.