Está escuro demais. Mas ele está acostumado com toda aquela escuridão. O cheiro já faz parte dele também. Álcool, comida podre, sangue, suor. Já é quase sua essência.
A porta se abre e um fiapo de luz incômoda seus olhos. Mas o jovem força os olhos para poder ver quem é que está ali, quem abriu a porta. Ele sente medo, mas sabe que não precisa sentir. Não precisa sentir mais nada. Ele não existe:
– Me perdoa. – a voz sussurra fechando a porta novamente. O quarto fica escuro e ele se encolhe em um canto, tentando lembrar-se de como era o mundo antes, como eram as flores, os animaizinhos e a liberdade de viver. Ele sente os músculos doendo conforme se contraem. Seu peito queima e ele aumenta o nível.
Ouço um barulho ensurdecedor vindo de uma das paredes do quarto, no lado escuro onde Ramón some. Se eu não estivesse presa, sequestrada e quase enlouquecendo, até poderia pensar que existia algo ali. Talvez outro quarto, com pessoas ali, talvez outros reféns. Mas nada o que eu ouvia ou julgava ver ali era real.
A minha aparência não está tão m*l quanto a minha mente. Depois da visitinha de Madeleine, tomei banho e finalmente pude lavar o cabelo, comi uma comida caseira divina e agora estava fazendo tranças nos cabelos de uma garotinha loura de olhos levemente verdes. Não sei seu nome e tão pouco os abusos que ela sofre, mas imagino. Ela é quieta e às vezes quando toco nela, em um lugar além do cabelo, ela treme, o estranho era que ela não era nenhuma das meninas que eu havia visto antes e Ramón não me disse nada sobre gêmeos, a menina tem a mesma idade de Mateus, filho de José.
– Você ouviu aquele barulho, do outro lado da parede?
– Mamãe diz que eu nunca devo ouvir nada.
– Mamãe? Você está falando da Madeleine? – pergunto sentindo-me uma completa i****a.
– Não. – a garotinha me surpreende. – aquela é a vovó.
– Quem é sua mãe?
A menina fica paralisada. Uma garota, que nunca havia visto antes ali, está parada na minha frente com uma careta. Acho que ela tem uns dezoito anos e sei que não é filha de José, já que conheço todos por nome e idades.
– Filha vai ajudar sua avó agora. Preciso falar com a Verônica.
– Eu não estava fazendo nada demais. – Digo já na defensiva, por que não a conheço.
– Eu sei. Meu nome é Clarice.
– Você é filha dele também?
– Não. Sou nora. Bom era pra eu ser nora, mas ele decidiu que seu filho tinha que sair matar por ai, aprender a organizar, sou quase uma viúva.
– Quantos anos você tem?
– Dezoito. – ela murmura. – Eu quero te pedir uma coisa.
– Pode pedir.
– Leva minha filha com você, por favor.
– O quê?
– Eu sei que você planeja fugir. Ramón me pediu ajuda. Sammy quer que você fuja logo.
– Por que todo mundo fala nesse tal de Sammy? Quem é ele?
– Ele era o único que poderia salvar a todos nós. Mas ele está morto.
– Pelo jeito não é só eu que estou enlouquecendo.
– O que disse? – Clarice indaga confusa, mas arrogantemente, não gosto dela.
– Nada. – dou de ombros. – O que quer que eu faça com ela se eu conseguir fugir? m*l posso cuidar de minha pessoa, imagina uma criança.
– Leve na igreja de São Pedro, eles sabem o que fazer, meu tio é o sacerdote de lá, prometeu cuidar dela.
– Mas por que não a polícia? Eu posso trazer eles até aqui!
– Não! – Clarice segura meu braço com força. – Não confie na polícia.
– Tudo bem, me solta.
Clarice sorri e me deixa sozinha no quarto. Ramón sai das sombras e se senta ao meu lado.
– Presta atenção. – ele diz. – As câmeras ficam nos cantos da casa, mas há muitos pontos cegos perto das paredes, é por lá que vocês vão passar.
Ramón fala por horas e horas como eu tenho que me abaixar e se esconder, correr ou andar devagar. Parece muita coisa, mas ele me informa que não vai demorar quinze minutos para fazer o percurso. Tento parecer confiante, mas estou apavorada, nunca ouvi falar de alguém que havia consigo fugir nessas circunstâncias.
Conforme o tempo passa não consigo mais me concentrar nas explicações de Ramón, parece tudo tão difícil e meus pensamentos estão em outro lugar, em outro mistério.
– Você precisa prestar atenção. – Ramón segura minha mão.
– Quem é Sammy? – Meus pensamentos são finalmente transformados em palavras.
– Sammy é...
– Ramón se esconde! – Clarice aparece na porta. – Ele voltou mais cedo.
Ramón corre para o canto escuro e ouço uma voz ao fundo daquele lado, uma voz grossa. Mas é quase um sussurro. Não dá tempo de pensar em mais nada José entra no quarto rapidamente e olha em volta procurando por algo e quando não acha nada se volta para mim com aquele brilho assustador nos olhos. É uma mistura de malícia, crueldade, excitação, como se ele fosse uma criança e eu um açucarado pirulito gigante:
– Como você está hoje princesa?
Por que sempre os maldosos chamam as garotas de princesa? É traumatizante.
– Por favor, me deixe sair. – suplico.
– Eu não posso. – José senta-se na cadeira e coloca o dedo indicador nos lábios. – Você já me viu. Poderia me descrever com destreza para a polícia. Poderia revelar que sou o Caçador e o pessoal do meu trabalho não ia levar isso numa boa. Sabe, eu tenho um nome a manter, já cansei de usar nomes falsos. Eu cometi um erro ao te trazer aqui. Mas o que eu posso dizer... Você me encantou.
Não consigo parar de olhar pra ele, a maneira como ele fala, parece diferente das outras vezes e aquilo me deixa com medo. Encolho-me na cama. José se curva para perto de mim, mas não me toca, apenas sorri e volta para o seu lugar na cadeira, ele é misterioso, levemente atraente e a maneira que fala, ás vezes, demonstra normalidade e é assustador saber que ele pode fingir sentimentos, emoções, amor. Psicopatas não têm limites.
– Eu não quero você. – José fala com desprezo. – Eu tenho aquelas garotas. Minhas filhas. Tenho esposa. Tenho prostitutas.
– Então por que me trouxe para cá? – pergunto indignada.
– Tenho planos para você. Muitos planos. – reviro os olhos com petulância, mas me arrependo ao se lembrar do que Ramón disse. Eu deveria ser a vítima inocente que já desistiu de fugir ou tentar lutar.
– Que tipo de plano? – Deixo o meu tom de voz suplicante, como se estivesse desesperada, parece que não é só José que pode fingir emoções.
– Você tem o mesmo olhar que ele, a mesma coragem, a mesma fúria, como eu tinha na sua idade. É isso o que vocês vão se tornar. – Ele aponta para o próprio peito deixando claro de que vou me transformar em um ser igual a ele. Arrepio-me completamente com aquelas palavras.
– Ele quem? Eu não sou igual a você! Você é um mostro!
– Eu sou um Caçador. – José ri. – Você tem escolha Verônica. Quer ser caçadora ou presa?
– Você está me dizendo que...
– Te trouxe aqui para você ser como eu. Ser uma de minhas herdeiras. Fiquei sabendo que você gosta de estudar a mente de seriais killers, pois aqui estou eu, me estude, aprenda e se torne como eu.