Angelina Clark
Acordo cedo, o despertador m*l toca e já abro os olhos, acostumada com a rotina apertada. O quarto ainda está escuro, mas a luz fraca do poste lá fora entra pelas frestas da cortina. Suspiro, sentindo o corpo pesado, mas não posso me dar ao luxo de ficar na cama.
Levanto e vou direto para o banheiro, deixando a água morna me despertar por completo. O banho é rápido, eficiente. Me visto com um look mais social—nada muito elaborado, apenas o suficiente para parecer apresentável—e sigo para a cozinha.
Pego uma tigela, despejo o cereal e adiciono o leite gelado. Enquanto como, deslizo os dedos pelo celular, rolando as redes sociais sem muito interesse. Não sou viciada nisso, mas é um passatempo enquanto mastigo.
Assim que termino, lavo a louça, escovo os dentes e confiro se tudo está no lugar. Em seguida, pego minha bolsa e uma pasta com alguns currículos que guardo para emergências.
Não posso me dar ao luxo de ficar andando de Uber por aí, então sigo para o ponto de ônibus. A manhã está fria, o sol ainda luta para aparecer no céu. Com o vento batendo no rosto e a cidade começando a ganhar vida ao meu redor, eu só torço para que hoje seja um dia melhor.
Passei a manhã inteira andando pelo centro da cidade, entrando de porta em porta, entregando currículos e ouvindo sempre a mesma resposta: “Deixamos no sistema e entraremos em contato.”
Meu estômago, impaciente, resolve protestar com um ronco alto, me lembrando de que a última coisa que comi foi um cereal gelado horas atrás.
Olho ao redor e encontro um restaurante simples, mas convidativo. Entro, me sirvo de um prato generoso—afinal, não sei quando terei dinheiro sobrando para comer fora de novo—e escolho uma mesa discreta no canto.
Enquanto mastigo, silenciosamente torço para que, em algum lugar dessas dezenas de currículos que entreguei, alguém tenha pena de mim e me ofereça um emprego.
Quando termino, pago a conta sem nem olhar muito o valor—até porque, seja qual for, vai doer no bolso.
Saio do restaurante e caminho até o ponto de ônibus. O cansaço começa a pesar, meus pés doem depois de horas andando pela cidade, e tudo que quero é chegar em casa e esquecer, pelo menos por um instante, o caos que minha vida se tornou.
Finalmente, o ônibus chega. Subo, escolho um assento perto da janela e deixo a cabeça encostar no vidro frio. O balanço do veículo quase me embala, mas me mantenho alerta até descer no meu ponto.
Abro a porta da quitinete e solto um longo suspiro.
Lar, doce lar. Ou pelo menos o que resta dele até o despejo.
A noite segue como qualquer outra. O bar está movimentado, mas minha mente está longe, vagando entre boletos atrasados, prazos se esgotando e a incerteza sobre o amanhã. Meu corpo está ali, servindo bebidas e sorrindo mecanicamente para os clientes, mas minha cabeça está afundada em preocupação.
— Parece que alguém está em outro mundo — a voz familiar me puxa de volta.
Saio dos meus devaneios e encaro Felipe. Ele tem a mesma expressão derrotada de ontem, os olhos cansados, o semblante carregado.
— Whisky duplo? — pergunto, tentando trazer um pouco de leveza à conversa.
— Claro — ele responde sem hesitar.
Sirvo a bebida e deslizo o copo pelo balcão, anotando o valor na comanda.
— Aqui está.
Ele segura o copo, mas não bebe de imediato. Em vez disso, me observa por um momento.
— Vai me contar por que parecia tão distante agora há pouco?
Solto um suspiro, apoiando os cotovelos no balcão.
— Assunto chato e terrível — digo com um sorriso cansado. — Não quero estragar sua noite.
Ele solta um riso sem humor e vira o copo de uma vez.
— Acredite, nada mais pode estragar os dias de merda que estou tendo. — Bate o copo no balcão e o empurra para mim. — Mais um, por favor.
Encho o copo novamente e, dessa vez, ele o segura por um instante antes de beber.
— Pode me contar o assunto chato — insiste.
Abro a boca para responder, mas sou chamada para atender um grupo do outro lado do balcão. Me afasto por alguns minutos, sirvo os clientes e, quando volto, ele ainda está ali, me esperando.
— Olha, pra resumir: perdi meu emprego, meu pai sumiu e me deixou uma dívida absurda, e estou com um aviso de despejo. Tenho 30 dias pra pagar quatro meses de aluguel atrasado. — Sorrio nervosamente. — E qual o seu tormento?
Ele desvia o olhar, girando o copo na mão.
— Não quero falar sobre isso — murmura, a expressão fechada.
— Qual é, eu acabei de te contar tudo isso — rebato, tentando aliviar o clima. — Estamos no mesmo barco. O Titanic, pra ser mais exata.
Dessa vez, ele solta um riso curto, sem alegria.
— Minha ex-noiva me largou às vésperas do casamento porque recebeu uma oferta para ser modelo em Milão. Meu sonho sempre foi ser pai, e a gente estava tentando um filho… mas ela se foi. E, como se isso não bastasse, meu pai faleceu. Tudo isso em um mês.
Fico em silêncio por um instante, absorvendo o peso do que ele acabou de dizer. Sem pensar muito, encho mais um copo e deslizo para ele.
— Aqui, por conta da casa. Você precisa mais do que eu.
Ele sorri de lado e toma um gole, deixando o whisky descer lentamente.
— Você é uma menina bacana — diz. — E parece bem novinha. Imagino que toda essa situação deve estar sendo difícil.
Solto um suspiro, mexendo distraidamente em um guardanapo sobre o balcão.
— Difícil sempre foi. Desde os meus 12 anos, eu passava a noite procurando meu pai pelas ruas, e sempre o achava bêbado em algum beco. Quando ele sumiu, de certa forma, as coisas ficaram menos complicadas. Mas, ao mesmo tempo… eu só queria saber se ele está bem, sabe? — Encolho os ombros. — Apesar de tudo, ele é meu pai. E eu o amo, mesmo que ele, aparentemente, esteja cagando pra mim.
Me afasto para atender mais alguns clientes e, quando volto, ele continua ali, olhando para o líquido âmbar no copo como se procurasse respostas nele.
— Por que não se diverte um pouco? Conhece alguém? — sugiro.
Ele solta um riso fraco.
— Não estou no clima. E, depois de tudo, não quero um relacionamento tão cedo.
— Entendo. — Assinto. — Mas… e sobre o seu sonho de ser pai? Já pensou em adotar?
Ele suspira e passa a mão pelo rosto.
— É muito difícil adotar uma criança sendo homem, solteiro e, ainda por cima, delegado. Minha profissão é considerada perigosa. — Faz aspas com os dedos. — E, pra ser sincero, eu queria um filho de sangue.
Cruzo os braços, pensativa.
— Sabe, uma vez vi na TV um desses cantores famosos que teve um filho por barriga de aluguel. Achei loucura na época, mas no seu caso… talvez não seja uma má ideia.
Ele ergue o olhar para mim, e pela primeira vez vejo algo diferente em seus olhos: esperança.
— Sabe que eu nunca tinha pensado nisso? — Ele inclina a cabeça, como se considerasse a ideia.
Dou de ombros e sorrio.
— Talvez essa ideia possa salvar você de alguma forma.
A noite passou tranquila, e apesar do movimento habitual da boate, meu turno foi mais leve do que eu esperava. Felipe ficou por ali o tempo todo, sem arredar o pé do balcão, mas também não bebeu mais nada depois do último whisky que lhe ofereci. Era estranho — a maioria dos caras que apareciam aqui sozinhos vinham para afogar as mágoas ou tentar esquecer seus problemas por algumas horas. Mas ele simplesmente ficou, conversando comigo.
Quando meu expediente chega ao fim, tiro o avental e solto um suspiro cansado.
— Ei, deu a minha hora. — Aviso, pegando minha bolsa.
Felipe se levanta do banco.
— Vamos, vou pagar a conta e te deixo em casa.
— Não precisa, eu vou de Uber. — Digo automaticamente, já pegando o celular para chamar um motorista.
— Faço questão. — Ele rebate, sem dar espaço para discussão.
O jeito como ele diz aquilo, firme mas sem parecer invasivo, me faz concordar com um aceno de cabeça. Seguimos até o caixa, ele paga a comanda e saímos juntos da boate. A madrugada está fria, e o silêncio das ruas vazias contrasta com o barulho abafado que ainda vem de dentro do clube. Entramos no carro e ele dá a partida.
Depois de alguns minutos de silêncio confortável, minha curiosidade fala mais alto.
— Por que ficou esse tempo todo lá se não se divertiu?
Ele mantém os olhos na estrada, mas sorri de lado.
— Nosso papo estava legal. Não vi problema em ficar um pouco. Você é uma pessoa legal de se conversar.
Surpresa com a resposta sincera, sorrio de volta.
— Confesso que gostei disso. No geral, sou bem sozinha também.
— Eu até que converso bastante na delegacia, mas geralmente com pessoas não tão agradáveis. — Diz em um tom bem-humorado.
Solto uma gargalhada.
— Imagino. Não sei se teria estômago para lidar com certos tipos de pessoas.
— Acredite, tem casos que nem eu tenho. — Ele balança a cabeça, parecendo lembrar de algo. — Mas é a profissão que escolhi e que amo, então faço um pequeno esforço.
Continuamos conversando sobre assuntos aleatórios pelo resto do caminho. Quando chegamos, tiro o cinto e viro para ele.
— Obrigada pela carona.
— Não foi nada. — Ele sorri.
Sem pensar muito, me inclino e deixo um beijo leve em seu rosto.
— Boa noite, Felipe.
— Boa noite, Angelina.
Desço do carro e entro no prédio. Assim que tranco a porta da quitinete, solto um longo suspiro. Meu corpo está exausto, mas minha mente está inquieta.
Vou direto para o chuveiro e deixo a água quente relaxar meus músculos tensos. Depois, visto um pijama confortável e sigo para a cozinha, onde preparo um sanduíche rápido. Sentada à mesa, como em silêncio, minha mente girando com todos os problemas que ainda preciso resolver.
Felipe foi uma distração bem-vinda, mas a realidade ainda está aqui, esperando para me engolir.
Assim que termino de comer, me jogo na cama e fecho os olhos, torcendo para que o sono venha logo — e que amanhã seja um dia melhor.