Capítulo 3

1615 Words
Angelina Clark Soltei um suspiro cansado enquanto me jogava no banquinho atrás do balcão. Minhas pernas clamavam por misericórdia depois de um dia inteiro caminhando pelo centro da cidade, entregando currículos de porta em porta. Duas entrevistas em sequência me drenaram, e por mais que eu tentasse não desanimar, estava ficando cada vez mais difícil manter o otimismo. Para piorar, a cada beco e calçada que eu passava, meus olhos vasculhavam as sombras na esperança de encontrar meu pai. Mesmo sabendo que ele não merecia minha preocupação, eu não conseguia evitar. Ele era o único familiar que me restava. — Boa noite, Angelina. Parece cansada — a voz de Felipe me trouxe de volta à realidade. Ele se acomodou no banquinho à minha frente, observando-me com uma mistura de preocupação e curiosidade. — Boa noite — sorri, tentando disfarçar o cansaço. — Andei bastante hoje. — Uísque? — perguntei, já me preparando para pegar a garrafa. Ele balançou a cabeça, recusando. — Só uma água hoje, e sua companhia. Levantei-me e caminhei até o freezer, pegando uma garrafinha de água gelada e a comanda. Entreguei tudo a ele, aproveitando o momento para tentar organizar meus pensamentos. — Posso fazer uma pergunta? — arrisquei, minha voz saindo mais hesitante do que eu gostaria. — Claro — ele respondeu com um sorriso gentil. — Acho que já passamos dessa fase de estranhamento. — Quando alguém dá entrada num hospital sem documentos, vocês entram em contato com a polícia? — perguntei, tentando manter a voz firme. Felipe franziu a testa, compreendendo rapidamente onde eu queria chegar. — Sempre que chega alguém sem identificação ao hospital, eles informam a polícia. Tentamos encontrar a família da pessoa. — E não chegou nenhum desses casos pra você nos últimos dias? — insisti, tentando agarrar qualquer fagulha de esperança. Ele suspirou, seu olhar triste deixando claro que sabia exatamente o que eu queria ouvir. — Olha, Angelina, vou ser muito sincero com você. Quando alguém está fugindo de um agiota, não costuma ficar na mesma cidade. Eles tendem a ir o mais longe possível. Eu sei que você se preocupa com seu pai, mas… acho que ele não vai voltar. Tentei piscar rapidamente, lutando contra as lágrimas que ameaçavam escapar. — Eu sei. Só queria ter certeza de que ele está vivo, sabe? Se procurou ajuda, ou… se está por aí, caído em algum beco ou calçada. Felipe permaneceu em silêncio por um momento, ponderando suas próximas palavras. — Você nunca me contou por que saía de madrugada atrás dele, ou qual era o problema dele. Baixei o olhar, remexendo em algumas garrafas no balcão apenas para ter algo com que ocupar as mãos. — Álcool e jogos — confessei, a voz quase um sussurro. — Nas últimas semanas antes de ele fugir, cheguei a desconfiar de drogas. Ele estava muito agitado, mas talvez fosse só o desespero pela dívida que tinha feito. Felipe assentiu, a expressão compreensiva. — Sinto muito. Você é uma garota forte. Apesar de tudo, não se desviou do caminho certo. — Alguém tinha que ser forte depois que minha mãe se foi — suspirei, sentindo o peso da responsabilidade que carregava desde então. — E eu vi claramente que esse alguém não era meu pai. Mas vamos mudar de assunto, não quero passar a noite falando de coisas ruins. Ele sorriu, concordando em silêncio. Afastei-me, indo atender um grupo que acabara de chegar. No caminho, cruzei com Carla, uma das outras funcionárias do bar. Troquei um breve cumprimento com ela, como de costume. Nunca tínhamos conversado de verdade. Na verdade, eu nunca me abri com ninguém daqui. Talvez por medo de me mostrar vulnerável ou talvez por achar que ninguém realmente se importaria. Enquanto preenchia os pedidos, me peguei pensando que, quem sabe, era hora de começar a deixar alguém entrar. O bar segue em seu ritmo tranquilo, as vozes se misturando com a melodia suave que toca ao fundo. Hoje, por ser um dia da semana, o movimento está mais fraco, e eu agradeço por isso. Meus músculos estão protestando e minha cabeça parece pesar o dobro do normal. Depois de atender alguns clientes, volto para onde Felipe está e me sento novamente no banquinho. Ele observa minha expressão cansada, um meio sorriso brincando nos lábios. — Teve sorte com algum emprego hoje? — ele pergunta, pegando a garrafa de água que eu lhe entreguei antes. — Não… — suspiro. — Mas fiz duas entrevistas e entreguei vários currículos. Espero que consiga algo logo. — Estou torcendo por isso. — Ele me encara por um momento, como se ponderasse se deveria continuar. — Mas me conta, já teve vontade de fazer alguma graduação? Minha expressão suaviza, um lampejo de um sonho antigo cruzando minha mente. — Meu sonho era fazer Direito — admito, sentindo um aperto familiar no peito. — Mas tive que começar a trabalhar muito cedo. Tive muitas responsabilidades, e isso acabou ficando em segundo plano. Felipe balança a cabeça, decidido. — Não desiste. Ainda vai dar certo. Solto um sorriso pequeno. — Você sempre quis fazer Direito? — Sim. Meu pai queria que eu seguisse no negócio da família, mas me apoiou quando decidi seguir outro caminho. Para a felicidade dele, meu irmão está prestes a assumir a empresa de segurança que ele construiu. — Ele provavelmente ficaria feliz com isso — comento, imaginando como deve ter sido a pressão de escolher entre um sonho e a expectativa familiar. Antes que ele responda, outro grupo de clientes chega e preciso me afastar para atendê-los. Carla passa por mim com algumas bebidas na bandeja, trocamos apenas um olhar rápido antes de cada uma seguir sua função. Quando volto, Felipe ainda está ali, olhando distraído para a garrafa d’água entre os dedos. — Com certeza — ele retoma a conversa. — Ele era um cara incrível. — Imagino — digo, inclinando a cabeça. — Já que você parece ser um cara incrível também. Ele sorri, um brilho diferente no olhar. — Sabe, Angelina… depois do péssimo mês que tive, vir aqui e conversar com você tem sido a melhor parte do meu dia. Minhas sobrancelhas se erguem levemente, surpresa pela confissão. Não esperava que minhas conversas casuais pudessem significar tanto para alguém. — Fico feliz em poder animar — digo, sincera. — E, para ser honesta, o único momento em que esqueço que estou afundada até o pescoço é quando conversamos. Me distrai. Felipe me encara por um instante, como se quisesse dizer algo mais, mas apenas assente com um sorriso leve. O bar continua com seu movimento preguiçoso, e por alguns minutos, é fácil fingir que o mundo lá fora não pesa tanto. A noite passou tão rápido que nem percebi o tempo voar. Ter alguém para conversar faz toda a diferença—por algumas horas, me distraí da confusão em que estou, da preocupação constante com meu pai e de todo o resto que pesa nos meus ombros. Quando olho o relógio, vejo que já está na hora de ir. Suspiro, sentindo o cansaço finalmente me alcançar. — Vamos? — Felipe me chama, se levantando do banquinho onde ficou boa parte da noite. — Você sabe que não precisa ficar aqui a noite toda, nem me levar para casa — digo, arqueando uma sobrancelha. Ele cruza os braços, me lançando aquele olhar paciente e decidido que já conheço. — Eu sei que não preciso. Mas eu quero. Balanço a cabeça, e ele continua: — São duas da manhã, Angelina. Não é seguro ficar andando por aí sozinha. Sei que você se vira, que antes de me conhecer pegava Uber ou saía procurando seu pai, mas agora estamos nos tornando amigos. Me deixa, pelo menos, tentar te ajudar com isso. Solto um suspiro, sem forças para argumentar. — Tudo bem… É que não estou acostumada com alguém cuidando de mim. Sempre fui eu por mim mesma, sabe? Ele sorri de leve. — Eu sei. E te admiro por isso. Mas eu fico aqui porque gosto da sua companhia, e te levo para casa porque não quero que corra riscos. Meu peito aquece com aquelas palavras simples, mas carregadas de significado. — Tudo bem… Obrigada, Felipe. — Sorrio, sentindo que, pela primeira vez em muito tempo, alguém se importa de verdade. Saímos do bar e entramos no carro. Felipe liga o motor, e seguimos em silêncio, com uma música baixa tocando no rádio. O cansaço pesa sobre mim, e me pego olhando pela janela, observando a cidade adormecida, as ruas vazias iluminadas apenas pelos postes solitários. Minutos depois, ele estaciona em frente ao meu prédio. Solto o cinto e viro o rosto para ele. — Obrigada mais uma vez pela carona. Boa noite, Felipe. — Boa noite, Angelina. — Ele hesita por um instante antes de continuar: — Vou conversar com alguns amigos, delegados das cidades vizinhas, ver se alguém tem alguma informação sobre ele. Meus olhos se arregalam levemente. — Ele se chama Álvaro… e obrigada por isso. Felipe assente, mas sua expressão é cuidadosa. — Só não crie muita expectativa. Pode ser que isso não leve a nada. — Tudo bem, mas já agradeço por pelo menos tentar. — Inclino-me e beijo sua bochecha de leve. — Boa noite, Felipe. Saio do carro e entro no prédio. O elevador parece demorar uma eternidade, e quando finalmente chego ao meu apartamento, só tenho forças para tirar a roupa e me jogar na cama. O corpo pede descanso, mas a mente ainda insiste em ficar acordada, pensando em tudo. No meu pai, na incerteza do amanhã… e em Felipe. Fecho os olhos, permitindo-me, por uma vez, sentir que talvez eu não esteja tão sozinha assim.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD