O corpo de Haruki começou a ceder, escorregando lentamente dos braços de Mei. Por um instante, o tempo pareceu congelar. Os olhos dela, arregalados, não conseguiam compreender o que acontecia. O som abafado do disparo ainda ecoava no ar, misturando-se ao batimento acelerado do seu coração. Ele escorregava por entre os dedos dela sem que ela pudesse fazer nada para impedir.
Quando Mei olhou para as mãos, o vermelho intenso do sangue de Haruki manchava a sua pele. Um grito primal escapou da sua garganta — não um grito de dor física, mas de uma alma a ser rasgada. Ela se lançou ao chão, envolvendo Haruki com os braços como se o pudesse manter ali, entre a vida e a morte, apenas com o seu amor.
— Haruki... não, por favor... — soluçava, o corpo tremendo enquanto o pressionava contra si. As lágrimas corriam pelo seu rosto, misturando-se com o sangue que lhe escorria pelos dedos. O sangue do homem que ela amara durante anos da sua vida, e que agora estava caído em seus braços a beira da morte.
Num instante, os membros da Fênix reagiram. Formaram uma barreira cerrada à volta do casal, olhos atentos, armas em punho, procurando o autor do disparo.
— Fique atento Nico, eles devem estar por perto. — Diz Charles observando os arredores.
— Sim, esse tiro foi muito preciso, se corrermos ainda conseguimos pegá-los. — Diz ele.
— Merda! Se fizermos isso eles ficarão volmeravel. — Diz Aurélio.
O caos instalou-se. Ordens gritadas, passos apressados, o som metálico de armas sendo empunhadas. Os soldados de Haruki se espalhavam pela propriedade em busca do autor do disparo.
— Vocês estão bem? — Pergunta Shiro se aproximando deles. — Merda!
— Pode continuar as suas buscas, vamos garantir a segurança deles. — Diz Nico.
— Obrigada, vou chamar o médico. — Diz Shiro pegando o telefone e saindo gritando ordens.
No meio daquele turbilhão, Hideo estava imóvel.
Não ouvia mais nada. O mundo à sua volta tornara-se um vácuo silencioso. Os gritos da sua mãe, o som dos soldados, tudo parecia distante, abafado. Ele não podia acreditar no que seus olhos tinham visto, era como se tudo aquilo não passasse de um pesadelo do qual ele não conseguia acordar.
Os olhos fixaram-se na figura de Haruki, estendido no colo de Mei. O sangue. O rosto do seu pai, antes cheio de força, agora pálido e sereno como o de uma estátua. O coração de Hideo parecia querer parar, como se, por empatia, desejasse acompanhá-lo.
Deu um passo. Depois outro. As pernas pareciam pesar toneladas. O seu corpo não obedecia aos comandos da sua mente, mas mesmo assim ele o forçou a caminhar passo após passo.
Mei não o viu aproximar-se. Estava consumida pelo desespero, os dedos trémulos acariciando o rosto de Haruki.
— Hideo... — murmurou, ao perceber a sua presença. — Ele... ele não me respondeu...
Hideo ajoelhou-se lentamente ao lado deles. Olhou o pai, depois a mãe. Sentiu um nó na garganta, mas não chorou. Não ainda. Era como se o choque o tivesse paralisado por dentro.
Estendeu a mão, tocando de leve o ombro do pai, como quem teme confirmar o inevitável.
— Pai... — sussurrou.
E naquele instante, o vazio tomou conta dele. Mas Haruki ainda tinha um pouco de força e foi com ela que ele abriu os olhos lentamente para ver o olhar apavorado de seu filho, mas não foi para ele que o seu olhar permaneceu, mas para Mei que estava a sua frente.
— Mei... — Diz ele com dificuldade. A sua mão se erguendo tão lentamente que por um segundo Mei pensou que ela não chegaria ao seu destino. Ele toca o rosto dela com carinho, o seu polegar limpando as lágrimas que rolavam por sua face em desespero. — Não.... chore.
— Fique quieto Haruki, o médico já vem, você só tem que esperar. — Diz ela de forma desesperada.
Haruki olhava para a face da mulher que durante tantos anos o amou com pesar. Mei estava lá em todos os momentos da sua vida, e quando ele tinha sido infiel e a magoara incontáveis vezes ela ainda estava lá, a sua cabeça erguida como se nada tivesse acontecido. Naquele momento o coração dele pesava uma tonelada, ele só queria que o tempo voltasse para que pudesse valorizar a mulher incrível que sempre tinha estado ao seu lado.
— Não... sabemos que não vai .... adiantar. — Diz ele com dificuldade.
— Não você vai ficar bem e... — A mão de Haruki desliza pelos lábios dela a silenciando.
— Você sabe... não a volta.... apenas... me deixe falar. — Diz ele tossindo enquanto um pouco de sangue escorria por seus lábios.
Mei apenas balança a cabeça concordando mais lágrimas descendo por seus olhos. Ele retira a mão de sua boca voltando a coloca-la em sua bochecha.
— Você sempre foi incrível... meu pequeno pássaro. — Diz tentando sorrir para ela. — A mais linda dama... gentil, e amável. Você merecia alguém melhor que eu. Te machuquei tantas vezes que o meu coração pesa apenas por lembrar. Eu te amo Mei, como jamais amei alguém na minha vida.
— Haruki....
— Shhiii... quero que me prometa que vai encontrar um bom homem para dividir a vida com você....
— Haruki eu....
— Eu não tenho tempo querida... e para que possa descansar em paz, preciso saber que você terá alguém para ocupar o espaço vazia em seu coração. — Diz ele com a voz o mais suava que a sua condição permitia.
— Eu não posso! — Diz ela entre soluços.
— Só... vou conseguir descansar se me prometer Mei. — Insiste ele.
— Eu ...
— Me prometa. — Insiste ele olhando fixamente para ela.
— Eu prometo, se precisa ouvir isso para ficar bem, eu prometo Haruki!
— Muito bem querida, o meu coração está mais aliviado agora. — Diz ele. — Eu vou ver se você quebrar a sua palavra.
Com dificuldade Haruki se vira para encontrar os olhos do filho, pela primeira vez em sua vida ele pretendia dizer aquilo que seu filho precisava ouvir, aquilo que o libertaria de uma vez por todas.