Capítulo 95

1016 Words
O som da confusão ao redor parecia cada vez mais distante. O mundo havia encolhido ao tamanho de três almas: Haruki, Mei e Hideo. Toda a atenção deles estava voltada para o homem ferido nos braços de Mei, nada mais importava. Com o corpo enfraquecido nos braços de Mei, Haruki levantou os olhos uma última vez, encontrando o rosto do filho. A dor estampada na expressão de Hideo era tão intensa quanto o sangue que manchava o chão. O coração de Haruki se partiu. Ele não queria ser o responsável pelo que via nos olhos do filho, mas sabia que era. Haruki ergueu a mão com esforço, chamando-o com um gesto quase impercetível. Hideo hesitou. Parte dele queria correr. Gritar. Desaparecer. A outra parte… a que ainda era menino, ferido e faminto por reconhecimento… ajoelhou-se ao seu lado. A suas mãos segurando a do pai com carinho. Por quanto tempo Hideo tinha desejado aquilo, poder estar tão perto do pai, ser ele mesmo sem máscaras, mas ele não imaginava que o destino seria c***l o suficiente para os ligar em um momento como aquele. — Hideo... — a voz de Haruki saiu arrastada, mas carregada de verdade — meu filho… eu preciso te dizer… o que nunca soube dizer. Os olhos de Hideo fixaram-se nos do pai. Por dentro, um vendaval. Raiva, tristeza, confusão… e algo que se recusava a morrer: amor. Apesar de tudo o que ele tinha feito, Haruki ainda era seu pai e naquele momento ele sabia que o estava perdendo para sempre. O que ele tinha feito em sua vida já tinha um peso menor diante do que ele vivia naquele momento na presença de sua família. — Eu… — continuou Haruki, com lágrimas nos olhos — eu te amo, filho. Sempre amei. Só não soube como mostrar. Hideo franziu os lábios, os punhos cerrados sobre os joelhos. As palavras que sempre quis ouvir, agora tinham gosto amargo. Era tarde. Tarde demais. Seu pai jogava aquilo em sua cara como se ele pudesse fazer algo a respeito, mas não podia, não havia mais tempo. Haruki podia ver a forma que o filho lutava para receber as suas palavras e aquilo doía mais do que ele esperava. Ele havia falhado com ele tantas vezes que até mesmo acreditar que ele o amava era difícil. Mas ele jamais conseguiria partir em paz sem que seu filho soubesse que o seu sentimento por ele era verdadeiro. — Você é melhor do que eu jamais fui… — Haruki continuava, a voz enfraquecida — e ainda bem. É bondoso. Justo. Não carrega o peso da arrogância… E Sayuri… ela tem sorte de te ter. Vai ser um marido maravilhoso. As lágrimas escorreram silenciosas pelo rosto de Hideo. Ele queria odiar aquelas palavras, rejeitá-las, cuspir o perdão que o pai pedia. Mas não conseguia. Porque, naquele momento, o homem diante dele já não era o patriarca rígido e imponente. Era apenas um pai... humano, quebrado, arrependido. As palavras que ele anciava ouvir por toda a sua vida deixavam seus labios com uma facilidade que assustava Hideo profundamente. — Perdoe-me… pelos castigos, pelas p************s… pelas vezes em que te humilhei. Nunca me perdoei por isso. E nunca me perdoarei. Fui egoísta, Hideo. Vivia para as aparências. Para o nome da família. Me esqueci do que realmente importa. Admitir aquilo custava tudo a Haruki, mas isso não importava mais. Ele se lembrava dos gritos do filho quando criança e a forma que ele pedia ao pai para o poupar, mas seu orgulho jamais tinha permitido. Ele também se lembrava bem de quando ele tinha parado de gritar, ele simplesmente aceitava o seu castigo e nada mais, Haruki acha que seu filho estava aprendendo, mas não, ele apenas o estava odiando em silêncio, e ele nunca mais o tinha conseguido alcançar. A respiração de Haruki tornava-se cada vez mais irregular. Mei chorava em silêncio, acariciando-lhe o rosto com ternura. Hideo absorvia as palavras do pai o máximo que podia, ele se sentia de mãos atadas naquela situação, sem saber o que fazer diante do que era inevitável. — Mas... — ele tossiu, sangue escorrendo por seus lábios — Me orgulho de você. É tudo o que eu nunca consegui ser. Haruki agarrou a mão do filho com a pouca força que ainda tinha. Ele precisava dizer aquelas coisas, já que tinha que partir partiria deixando os seus bens mais preciosos em paz com a sua perda, ele estava lhes dando um motivo para continuar e ser melhor do que ele jamais foi capaz de ser. — Me prometa… que vai cuidar da sua mãe. Que vai fazer tudo diferente do que eu fiz. Me promete isso, Hideo… As palavras deixavam a boca de Haruki de forma desesperada, e a forma que ele segurava a mão do filho deixava claro que ele não o deixaria a menos que fizesse aquela promessa a ele. Haruki queria partir com a certeza de que o filho mudaria a sua organização, que ele mudaria as coisas nas famílias principais, e que acima de tudo ele mudasse a forma com que trataria a sua família. Hideo fechou os olhos. Por dentro, era como se estivesse se partindo em mil pedaços. O ódio e o amor colidiam como ondas furiosas. Mas quando abriu os olhos, já não havia espaço para o rancor. Apenas para a dor da perda. Ele não passaria os últimos segundos de vida do seu pai lhe odiando, não que Haruki não merecesse, mas aquela não era a lembrança que ele queria carregar por toda a sua vida. Ele já tinha odiado de mais, sofrido de mais. Estava na hora de deixar tudo para trás. — Eu prometo… pai. Haruki sorriu. Um sorriso pequeno, quase imperceptível… mas verdadeiro. E ali, nos braços de Mei, com os olhos de Hideo a fitarem os seus, ele partiu. Silêncio. Um silêncio pesado, absoluto. E, pela primeira vez, Hideo chorou como um filho que amava o pai. Não o homem idealizado. Mas o homem real. Com falhas. Com arrependimentos. E naquele instante, o ódio cedeu lugar ao luto.
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