O sol da manhã atravessava as cortinas finas do apartamento de Hideo, arrancando-o de um sono inquieto. Ele piscou, ajustando-se à luz, e sentiu um incômodo estranho apertar o seu peito. Levantou-se, escovou os dentes e desceu para preparar o seu café da manhã, mas deu de cara com a sua mãe, Mei, sentada tranquilamente no sofá, lendo uma revista.
A memória da conversa da noite anterior caiu sobre ele como uma marreta. O rubor subiu por seu rosto. Hideo pigarreou, desconfortável, evitando encarar a mãe diretamente.
— Bom dia, mãe... — murmurou, passando a mão pelos cabelos bagunçados.
Mei levantou os olhos, um sorriso brincando em seus lábios.
— Dormiu bem, Hideo?
Ele engoliu em seco, apressando-se em pegar a chave do carro e a carteira.
— Tenho trabalho a fazer. Não posso ficar, a gente se fala depois! — disparou, quase correndo para fora do apartamento antes que Mei pudesse dizer mais alguma coisa.
— Está fugindo de quem, Hideo? — perguntou Jin, dando de cara com Hideo.
— Da minha mãe, e não faça perguntas. — disse ele, passando pelo amigo e entrando no elevador. Jin o seguiu com um sorriso no rosto.
No carro, Hideo batucava os dedos no volante, a mente um turbilhão de pensamentos. A imagem de Sayuri surgia em flashes insistentes. Era ciúmes? Era. Mas ele não queria admitir, nem para si mesmo.
Quando dobrava a esquina próxima ao seu bar, algo prendeu o seu olhar. Num pequeno café com mesas na calçada, Sayuri estava sentada. E não estava sozinha. Matteo ria ao lado dela, inclinando-se de um jeito íntimo, os olhos presos nos dela.
O sangue de Hideo ferveu instantaneamente.
Sem pensar, estacionou o carro de qualquer jeito e saiu, Jin ao seu lado tentando acompanhá-lo.
— Hideo! Espera!
Mas ele já atravessava a rua a passos largos. A raiva queimava em seu peito ao ver aquela cena.
Ao se aproximar, viu Matteo tocando a mão de Sayuri de forma leve, mas confiante. E o pior: ela não recuava. Estava rindo, corada.
Algo dentro de Hideo se partiu.
— Sayuri! — rugiu ele, a voz cortando o ar.
Os dois se viraram, surpresos. Matteo apenas sorriu de maneira provocativa, enquanto Sayuri arregalava os olhos.
— Que cena é essa?! — Hideo continuou, aproximando-se perigosamente.
— Você não está vendo? Estou tomando café com o Matteo. — disse Sayuri com a sobrancelha arqueada.
— Não deveria estar fazendo isso! — cortou ele, a voz tensa. — Você é minha noiva, Sayuri! Minha noiva! E está aqui, se expondo desse jeito, manchando o meu nome!
Sayuri olhava para Hideo sem acreditar no que estava ouvindo, e pior ainda, aquilo estava vindo de Hideo, que sempre a desprezava.
— Eu não sou sua propriedade, Hideo! E saio com quem eu quiser!
Matteo assistia à cena com interesse, os olhos brilhando com diversão maldosa. Ele podia ver o quanto Hideo se corroía de ciúmes.
— Engraçado... — disse ele em tom leve. — Você fala como se cuidasse dela, mas à primeira oportunidade a deixa sozinha.
Hideo virou-se para ele, o punho cerrando-se.
— Fique fora disso, Matteo!
Matteo ergueu as mãos num gesto de falsa paz, mas o sorriso nunca deixou o seu rosto.
— Não se preocupe, só estou aquecendo o seu lugar. Até porque... — ele se inclinou ligeiramente para Sayuri, — algumas pessoas sabem reconhecer o que realmente têm na frente delas.
O coração de Hideo batia descompassado, um misto de raiva e medo o dominando. Sayuri olhava para ele com os olhos faiscando de emoção, desafiando-o a dizer mais.
— O que você disse? — perguntou Hideo, dando um passo em direção a Matteo.
— Esqueça isso, Hideo, vamos. — disse Jin, tentando puxá-lo, mas seu amigo se desvencilhou do seu toque.
— Me deixe, Jin! — disse ele, voltando-se para Matteo. — Você sabe que ela é minha noiva e mesmo assim está com ela!
— Todos sabemos que você pediu o fim do noivado, Hideo. E, diferente de você, os pais de Sayuri gostam de mim. — Matteo assistia com prazer os olhos de Hideo se escurecerem diante das suas palavras.
— Você vem comigo, Sayuri! — disse ele, pegando em seu braço e a puxando para si. Matteo se levantou e tentou impedi-lo, mas Jin entrou na frente.
— Vamos deixar os dois se acertarem. — disse ele com a voz firme, encarando Matteo.
— Me solte, Hideo! — disse Sayuri, mas Hideo não a ouviu.
— Fique quieta, Sayuri! — disse ele, a jogando por sobre o ombro e caminhando em direção ao seu carro. Hideo a colocou no banco do carona, apertou o cinto dela, entrou e arrancou com o carro em alta velocidade, a sua raiva queimando no peito.
— Para onde está me levando, Hideo? — perguntou Sayuri, olhando para ele. Ela nunca o tinha visto daquela forma, e o fato daquele lado sombrio dele estar fora de controle fazia um arrepio subir por sua espinha.
— Tarde para se preocupar com isso, não acha? — disse ele de forma sarcástica, enquanto fazia uma curva cantando pneu.
— Seu maluco! Vai acabar me matando! — disse ela, segurando com força no painel do carro.
— Ah! Eu quero você bem viva para poder pagar pela raiva que está me fazendo sentir! — respondeu ele sem olhar para ela, a suas mãos apertando o volante com tanta força que os nós dos dedos estavam brancos.
— Enlouqueceu de vez, Hideo! Foi você que pediu o fim do nosso compromisso! — gritou ela para ele.
— E você acha que eu não sei disso, Sayuri! — gritou ele de volta, parando o carro bruscamente, os pneus cantando.
O coração de Sayuri batia de forma descontrolada enquanto ela observava Hideo se virar para ela, os seus olhos mais sombrios do que ela jamais tinha visto em toda a sua vida. A pessoa à sua frente era totalmente diferente da que ela conhecia.
Olhando nos olhos assustados de Sayuri, Hideo percebeu que, pela primeira vez, poderia perdê-la de verdade.
E essa ideia era insuportável.