O convite pesava nas mãos de Hideo mais do que um simples pedaço de papel. As letras douradas reluziam sob a luz suave da sala, quase como se zombassem da sua hesitação. "Aniversário de Sayuri Matsumoto", dizia o topo do cartão com uma caligrafia elegante. Abaixo, o local: um tradicional palacete japonês nos arredores de Kyoto. Traje black tie obrigatório. Proibida a entrada de armas.
Hideo arqueou a sobrancelha. Sayuri sabia com quem estava lidando — e ainda assim ousava impor regras. Aquilo só aumentava o fascínio que ela exercia sobre ele. Com um suspiro profundo, largou o convite sobre a mesa e afundou-se na poltrona.
“Essa mulher vai me enlouquecer…”
Três dias depois, o céu de Kyoto estava coberto por um véu de nuvens suaves quando Hideo desceu do carro. Vestia um elegante terno preto, o cabelo penteado para trás, os olhos escondendo um turbilhão sob a serenidade habitual. O palacete se erguia à sua frente como uma pintura antiga, envolto em cerejeiras floridas e guardas discretos disfarçados de jardineiros.
Aquela era uma festa da máfia e, mesmo que tentassem manter um clima ameno, ele sabia que toda a segurança seria pouca para proteger as grandes figuras do mundo do crime.
Caminhou até a entrada, onde um segurança vestido de mordomo o recepcionou com um leve aceno. Os seus pais tinham chegado mais cedo e se encontrariam com ele mais tarde — isso, depois das ameaças do seu pai caso faltasse ao evento.
— Senhor Hideo Shinoda. Bem-vindo. A senhorita Sayuri está aguardando a sua chegada.
— Que pontualidade… — murmurou, permitindo-se um sorriso enviesado. Queria poder adiar aquele momento, mas depois de Sayuri ter salvo a sua vida, Hideo se sentia em dívida com ela — e o mínimo que poderia fazer era ir ao seu aniversário.
O interior do palacete era uma mistura refinada entre tradição e ostentação. Lanternas de papel espalhavam uma luz quente pelo salão, onde convidados elegantemente vestidos brindavam com saquê e champanhe. Ele caminhava pelo local cumprimentando as pessoas que o paravam, todos interessados em saber mais sobre o futuro líder da Yakuza.
O salão silenciou de repente, os olhos de todos se voltando para a escadaria. Hideo se virou, acompanhando os olhares ao seu redor. O seu coração falhou uma batida ao encarar a mulher que descia as escadas de braços dados com um senhor.
Lá estava ela.
Sayuri Matsumoto, trajando um quimono preto e dourado que delineava com perfeição sua silhueta. O cabelo preso em um coque intrincado, adornado por uma única flor vermelha. Ela era a mais pura imagem da perfeição, e Hideo se pegava vacilando em seus pensamentos ao observá-la.
— Sejam todos bem-vindos à festa de aniversário da minha amada filha Sayuri! — disse o homem com um largo sorriso no rosto. — Hoje, a minha joia está completando mais um ano de vida e desejo compartilhar esse momento de alegria com vocês. Aproveitem a noite!
O salão se encheu de aplausos enquanto alguns convidados se aproximavam para cumprimentar Sayuri. Hideo apenas observava de longe a interação entre eles — definitivamente, Sayuri não era o que ele esperava.
Ela se virou, e os olhos de ambos se encontraram. Por um momento, o mundo pareceu parar. Com passos firmes, Sayuri caminhou até Hideo, sem desviar os olhos dos dele.
— Achei que não viria — disse ela, parando à sua frente. Os seus olhos transmitindo a sua surpresa por vê-lo ali em sua festa.
— Achei que não devia — Hideo ainda não desejava estar ali, mas Sayuri não precisava saber disso. — Mas não consegui resistir à tentação de ver a mulher que alimenta tubarões.
Sayuri riu, e aquele som foi mais cortante do que qualquer lâmina. Hideo a observava, surpreso, enquanto o riso dela enchia o ambiente ao redor.
— Só os que merecem. E você, Hideo… você ainda está em observação — disse ela, os olhos escaneando o corpo de Hideo sem esconder o aparente interesse.
Hideo se sentia despido com a forma como ela o olhava, como se pudesse ver até o mais profundo da sua alma — algo que não o deixava confortável.
— Justo.
— Fico feliz que esteja melhor — ela o olhou nos olhos, séria. — Se não estivesse tão m*l, eu mesma teria feito aquilo com você.
Aquelas palavras atingiram Hideo em cheio. Ele olhou nos olhos de Sayuri e viu a mais pura raiva irradiar dela. A mulher que rira segundos atrás já não existia; a que estava à sua frente fazia a sua espinha se arrepiar.
— Ficou louca — disse ele, com os dentes cerrados de raiva pelas palavras dela.
— Você ainda não me viu louca, querido — disse ela, aproximando-se e colando a boca ao ouvido dele. — Reze para que nunca precise ver.
Hideo não sabia o que o deixava mais sem reação: o som da voz dela em seu ouvido, que fazia o seu corpo arrepiar, ou o cheiro da sua pele, que o atraía ainda mais para perto.
— Não se preocupe, eu sei que você vai se comportar — disse ela, afastando-se com um sorriso nos lábios, como se nunca o tivesse ameaçado.
— Não sou nenhuma criança, Sayuri — respondeu ele, tentando ignorar as reações do seu corpo à mulher à sua frente.
— Você fica tão bonitinho quando está chateado — disse ela, aproximando-se novamente e apertando as suas bochechas, rindo. Hideo retirou as mãos dela de seu rosto, chateado.
— Quer parar com isso?
— Respondendo à sua afirmação, querido: sim, você é uma criança — disse ela com a voz firme, o humor desaparecido do rosto. — Uma criança que não entende nada de compromisso, uma criança que foge na primeira oportunidade, uma criança que só pensa em si mesmo.
Hideo estava com raiva. Queria retrucar tudo o que ela dizia, mas era como se as palavras dela tivessem roubado a sua voz. E, mesmo que não desejasse, a vergonha pelo que fizera encheu o seu peito.