Capítulo 3

1050 Words
O sol ainda m*l havia rompido o céu de Tóquio quando passos leves ecoaram pelo corredor sombrio das celas. A chave girou na fechadura com um clique suave, quase cúmplice. A porta da cela se abriu lentamente, revelando Mei, vestida com um quimono de tons claros, o rosto sereno, mas os olhos carregados de angústia. Ela sabia o que iria acontecer quando tinha deixado o filho com o pai, Haruki não levava desafora na sua casa e por mais que Hideo soubesse disso, ele insistia em enfrentá-lo por ela. Algo que a deixava aflita e com o coração pesado. Ela caminhou até Hideo, que ainda estava sentado no canto da cela, encostado na parede úmida, o tronco nu e manchado de sangue seco. A cabeça dele pendia ligeiramente para o lado, os olhos fechados. Por um momento, o coração de Mei parou — até que o viu respirar. — Hideo… — a sua voz saiu em um sussurro trêmulo. Ele ergueu lentamente o rosto, os olhos ainda turvos de sono e dor. Quando a viu, sorriu de leve. — Achei que fosse um sonho. Você é como um anjo mamãe. —Diz ele sorrindo ao ve-la se aproximar. — Eu não conseguiria dormir sabendo que você está aqui... assim — disse ela, ajoelhando-se ao lado dele. Mei passou os braços pelos ombros do filho, ajudando-o a se levantar com cuidado. Ele se apoiou nela sem resistência, como se já estivesse acostumado àquele gesto de carinho que o acolhia desde criança. Os seus passos eram lentos, mas firmes, e a cada um, o sangue seco nas costas se rompia, despertando a dor adormecida. Ela o guiou pelos corredores silenciosos da mansão, como quem protege um segredo sagrado. Subiram as escadas com dificuldade, mas sem dizer palavra. Quando chegaram ao quarto de Hideo, ela o conduziu diretamente até a cama e o fez sentar com delicadeza. — Espere aqui, meu amor — disse, já com os olhos marejados. — Vou buscar água morna e os remédios. Hideo apenas assentiu, observando a mãe sair com passos apressados. Aquilo era algo que ela já estava acostumada a fazer, e Hideo sabia que se negasse ela ficaria apenas mais apreensiva do que já estava. Minutos depois, ela voltou com uma bacia fumegante, toalhas limpas, pomadas e gaze. Sentou-se atrás dele, molhou um pano na água morna e começou a limpar as costas do filho, com toda a ternura de que era capaz. A suas mãos leves tremendo a cada passado que dava sobre as suas feridas ressentes, enquanto os seus olhos se turvavam ao ver as antigas que ele tentava cobrir com uma tatuagem de uma Fênix que tomava as suas costas. O silêncio entre eles era denso, cheio de palavras que não precisavam ser ditas. Até que, ao ver a extensão das marcas em carne viva, Mei deixou o pano cair e levou uma das mãos à boca, contendo um soluço. Ela não suportava mais ver a situação que o seu filho estava. — Meu Deus… — sussurrou, a voz embargada. — Isso… isso não é mais punição. É tortura… Ela começou a chorar em silêncio, deslizando os dedos trêmulos pelas cicatrizes antigas, como se pudesse apagar a dor que o tempo não curou. — Por que ele faz isso com você? — murmurou. — Meu filho… você não merece isso. Nenhuma palavra sua, nenhum erro seu... pode justificar tamanha crueldade. Hideo inclinou a cabeça para trás, apoiando-a no ombro da mãe. O seu olhar se perdeu no teto do quarto, e ele suspirou. No seu meio era comum os pais castigarem os filhos com castigos físicos não importando a idade que eles tivessem. — Não é nada, mãe… — Como assim “não é nada”? — ela respondeu num sussurro revoltado. — Olhe para você, Hideo. Essas feridas... essas marcas... — Já doeram mais — disse ele, com um sorriso fraco. — A primeira vez doeu. A segunda também. Depois... a dor vira só uma lembrança. E eu aprendi a ignorar lembranças. Mei o abraçou por trás, repousando o rosto entre as omoplatas feridas do filho, como se quisesse cobri-las com o seu amor. — Você não devia suportar isso sozinho — disse ela, entre lágrimas. — Eu devia ter feito mais… ter protegido você de tudo isso. — Você fez o que pôde. Você foi o meu único refúgio, mãe. Não chore mais por isso, sabemos que não resolverá nada. — Diz ele conformado com a sua situação. Mei apertou os olhos, tentando conter as lágrimas. Ali, entre os seus braços, estava o mesmo menino que um dia correu para ela após levar um tapa injusto. O mesmo garoto que, mesmo crescendo em meio ao sangue e ao poder, mantinha no olhar uma centelha de ternura. O menino que gostava de tocar flauta quando pensava que todos já estavam dormindo, e que ela fazia questão de ficar acordada até tarde apenas para ouvi-lo tocar. — Se eu pudesse te tirar daqui… te levar para um lugar onde você pudesse viver em paz... Hideo sorriu, virando um pouco o rosto para olhar para ela. Ele sabia que aquilo não seria possível, assim como via no rosto da sua mãe que ela também sabia daquilo, mas ainda assim o desejo brilhava nos seus olhos. — Eu não ficaria sem você. Ela sorriu de volta, mesmo com os olhos vermelhos. — Então prometa que vai aguentar. Prometa que vai suportar... até que essa vida mude. Porque ela vai mudar, Hideo. Eu sei que vai. — Ele apenas assentiu. A esperança da sua mãe era algo louvável, mas ele não se permitia ter a mesma esperança que ela. Mei retomou os cuidados com as costas dele, agora passando a pomada sobre as feridas. As mãos dela, mesmo trêmulas, ainda eram suaves, como uma brisa após a tempestade. Hideo fechou os olhos, permitindo-se aquele raro momento de paz. Ali, naquela manhã silenciosa, entre as paredes da mansão que tantas vezes o feriram, Hideo encontrou o único lugar seguro que conhecia: o colo da sua mãe. Eles estavam tão perdidos um no outro que não haviam percebido a figura que tinha os punhos cerrados ao ouvir aquela conversa, os seus olhos estavam marejados ao ver a situação das costas de Hideo, o seu peito pesando terrivelmente.
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