Quando Mei acordou naquele dia, já era fim de tarde. Ela se sentia zonza devido ao remédio que lhe haviam dado, mas, por mais que dormisse, o remédio não servia para aliviar o seu coração partido e a dor que a consumia ao pensar que tinha perdido o marido de forma tão trágica.
Mei estava desorientada descendo as escadas quando, descalça, tropeçou no tapete. Ela fechou os olhos, preparando-se para a queda, mas ela não veio. Mei sentiu quando alguém a segurou, puxando-a de volta. O seu coração disparava com o medo que tinha passado.
— A senhora está bem?
Ao som daquela voz desconhecida, Mei abriu os olhos. Ela encarou dois olhos azuis fascinantes que, naquele momento, estavam nublados de preocupação enquanto a olhavam.
— Desculpe, eu... — começou ela, mas as palavras não vieram.
— Não se preocupe com isso — disse ele de forma tranquila. — Sou Vito Romano, e você deve ser a senhora Shinoda, a mãe de Hideo.
— Sim. Sou Mei — disse ela.
— É um prazer, Mei. Me permita acompanhá-la até lá embaixo, você não me parece muito bem — disse ele, segurando com delicadeza o braço dela.
Mei apenas se permitiu ser levada por Vito, o seu peito ainda doendo terrivelmente, e ela sabia que aquela dor não passaria tão cedo; teria que aprender a conviver com ela.
Assim que chegou à sala, viu Hideo correr em sua direção, pegando-a dos braços de Vito.
— Devia ter me chamado quando acordou — disse ele, em tom de repreensão, ajudando-a a sentar no sofá.
— O senhor Romano me ajudou a descer, querido — disse ela com um sorriso triste.
— Vou buscar um chá para a senhora, tia Mei — disse Sayuri, partindo para a cozinha.
— Essa menina é um amor — disse Mei. — Precisamos cuidar do casamento dela.
— Agora não é hora para isso — disse Hideo, apertando a mão dela. — Estou cuidando do funeral do papai.
As palavras de Hideo fizeram Mei cair no choro. Ele agarrou a sua mãe, puxando-a para si.
— Vamos ficar bem, mãe, você vai ver — disse ele, acariciando as costas dela com carinho.
Sayuri retornou minutos depois com uma bandeja de chá e algumas bolachas, colocando-a à frente de Mei.
— Não quero, querida — disse ela, negando com a cabeça.
— Você precisa comer algo. Não comeu nada até agora — disse Hideo.
— Mas eu não quero — disse ela com voz gentil.
— Me permita, Hideo — pediu Vito, aproximando-se.
— Claro — disse ele.
— Tenho uma história interessante para lhe contar, senhora Shinoda — disse Vito, sentando-se de frente para Mei. Ele pegou a xícara na bandeja e a ofereceu a ela, que, com relutância, aceitou.
— Uma história sobre o quê? — perguntou ela.
— Vamos fazer um trato: enquanto você come algo e toma o chá, eu conto — disse ele, oferecendo uma bolacha.
Mei olhou para a bolacha na mão de Vito e depois para o filho, que a observava com apreensão. Não querendo que o seu garoto sofresse mais, pegou a bolacha e deu uma pequena mordida.
— Espero que não se importe que a história seja longa — disse ele com um sorriso de canto.
— Acho que tenho tempo, senhor Romano — respondeu ela.
Com um suspiro, Vito começou a contar a Mei a história da sua vida. Falava sobre o amor que um dia sentiu e não pôde viver. A forma como seus olhos brilhavam encantava Mei profundamente, e, sem perceber, ela se pegou presa a cada palavra dele. Lentamente, a vasilha com as bolachas e a xícara de chá esvaziaram-se. Mas aquilo tinha sido bom; ela se sentia mais leve e agora sabia que não era a única que sentia aquela dor terrível. Diante dela estava um homem que havia passado por aquilo e que encontrava nas filhas e nos netos a cura para o que sentia.
— Sua história é...
— Triste, eu sei. Mas o que importa é o que faço agora e como vivo. E é isso que a senhora tem que ter em mente. Há pessoas que precisam de você e que contam com o seu apoio e carinho. Então, não se deixe levar pela dor que sente — disse ele, que, em silêncio, se levantou e os deixou a sós. Hideo observava Vito partir com um sentimento de gratidão no peito.
O salão ancestral da família estava silencioso, envolto por uma atmosfera espessa de luto e reverência. Era um espaço amplo, com vigas de madeira escura, tatames recém-dispostos e arranjos de flores brancas — lírios e crisântemos, símbolos tradicionais de pureza e despedida no Japão. Fazia exatamente três dias que Haruki tinha morrido, e finalmente a cerimónia de velório estava sendo realizada.
O corpo de Haruki, vestido com um quimono cerimonial preto com o brasão da família bordado no peito, repousava sobre um tatame elevado. Ao lado, um retrato emoldurado exibia o homem que, em vida, fora temido e respeitado. À sua frente, uma mesa baixa com incenso aceso, frutas, chá e arroz — oferendas para a travessia do espírito.
Hideo permanecia imóvel. O seu semblante era uma máscara de contenção. Usava um terno preto impecável, mas os olhos estavam vermelhos, não de lágrimas, mas de noites m*l dormidas e sentimentos não ditos. Ao seu lado, Mei, a viúva, parecia um espectro de si mesma. Vestida com um quimono de luto tradicional — preto, sem adornos —, segurava um lenço de seda entre os dedos. Os seus olhos fitavam o altar, mas sua mente vagava por memórias distantes.
Conforme os convidados chegavam, o ambiente se enchia de murmúrios baixos, reverências e o som suave das flautas j*******s tocadas ao fundo. Figuras importantes da sociedade ajoelhavam-se para acender o incenso diante do altar, em respeito ao legado de Haruki.
Os outros membros da Fênix haviam chegado alguns dias antes, e Hideo sempre seria eternamente grato pelo apoio de todos, principalmente das mulheres, que não haviam deixado sua mãe sozinha em nenhum momento desde que chegaram.
— Que o espírito de Haruki encontre paz no além — murmurou um dos aliados ao se aproximar de Hideo, tocando brevemente seu ombro. — Ele foi um guerreiro... e você é o herdeiro dele, goste ou não.
Hideo apenas assentiu.
Ricardo, sempre firme, parou ao lado de Mei e se curvou profundamente. Ao seu lado, Estela permanecia firme, os seus olhos serenos enquanto encarava Mei.
— Senhora Shinoda, lementamos profundamente sua perda.
— Obrigada, senhor Algustini — sussurrou ela, com a voz quase inaudível.
— Estaremos aqui para o que precisar, Mei. Não hesite em pedir — disse Estela, lhe dando um abraço apertado.
— Obrigada, querida.
Aurélio tentava amenizar o clima entre os amigos, mas não estava funcionando. Nico permanecia em silêncio, respeitando cada detalhe do ritual. Alicia, com a barriga saliente, fez uma reverência ao altar e se afastou discretamente.
As mulheres da família haviam se encarregado dos rituais de purificação. Sayuri coordenava discretamente tudo nos bastidores — desde o fluxo de convidados até os detalhes do cortejo que aconteceria ao entardecer. Era admirável como, mesmo diante da dor, ela se mantinha firme.
À medida que o sol começava a se pôr, o dourado da luz filtrava-se pelas ripas de madeira, pintando o ambiente com um brilho solene.
Foi nesse momento que um murmúrio percorreu a entrada do salão.
Duas figuras surgiram sob o portal de madeira, criando um silêncio repentino no ambiente. Era uma mulher vestida com um quimono bordado, luxuoso demais para o luto. Os seus cabelos estavam presos em um coque elegante, e os seus olhos carregavam uma mistura de dor e orgulho. Ao seu lado, um rapaz, de olhos escuros e expressão indecifrável. Ele tinha algo no rosto — no modo de se portar — que fazia todos prenderem a respiração.
Hideo ergueu o olhar, franzindo a testa. Mei empalideceu. Sayuri se aproximou, instintivamente colocando-se à frente deles, seus pais e irmão fazendo o mesmo ao verem de quem se tratava.
— Quem são? — sussurrou Alicia, já sentindo o peso da revelação no ar.
A mulher deu dois passos adiante, fitou o altar e então olhou diretamente para Hideo.
— Meu nome é Mariana. E este é Sora, filho de Haruki.
Um silêncio cortante caiu sobre todos. A tensão era palpável. Todos os olhares se voltaram para Hideo, que permaneceu imóvel por alguns segundos. O seu rosto era uma mistura de incredulidade e raiva contida.
— Ele tem o direito de se despedir do pai — completou Mariana, num tom firme, sem arrogância, mas com segurança.