Capítulo 83

1037 Words
O quarto estava mergulhado em uma escuridão suave, as cortinas tinham sido puxadas diminuindo a intensidade da luz. O cheiro de ervas medicinais pairava no ar, misturado ao som baixo da respiração controlada de Hideo. Mei entrou devagar, como se qualquer passo em falso pudesse feri-lo ainda mais. Sayuri seguia atrás dela, o semblante contido, os olhos atentos. Hideo jazia de bruços sobre a cama de Sayuri, o pequeno corpo quase imobilizado pelas ataduras que envolviam as suas costas. Os curativos eram grossos, cobrindo a extensão das feridas deixadas pela crueldade que ele nunca deveria ter conhecido. O seu rosto descansava sobre um travesseiro, ligeiramente voltado para o lado, onde uma sombra de tranquilidade disfarçava a dor que o médico já havia suavizado com sedativos. O médico ergueu-se ao vê-las. — Ele está estável — começou, com voz serena. — As feridas foram tratadas. Não houve infecção, felizmente. As marcas... — hesitou — deixarão cicatrizes, mas ele sobreviverá. Mei levou uma mão à boca, engolindo um soluço de alívio. Ela podia lidar com as cicatrizes do filho, o que nunca suportaria seria se ele a deixasse. — E... ele vai recuperar os movimentos? — Sim, senhora. Nenhum dano profundo nos músculos ou nervos. Mas ele vai precisar de descanso. Muito descanso. E cuidado. Ela assentiu, os olhos fixos no filho. — Obrigada... — sussurrou, a voz embargada. O médico recolheu os utensílios e saiu, seguido silenciosamente pelos membros da Fênix, que deixaram o quarto com discretas reverências. O murmúrio estratégico da guerra recomeçava noutro canto da casa, mas ali o tempo parecia suspenso. Sayuri aproximou-se, parando ao lado de Mei. — Ele é forte, como você — disse baixinho. Mei ajoelhou-se ao lado da cama, com cuidado, estendendo os dedos para tocar suavemente a mão do filho. — Ninguém devia ser forte assim. Meu filho não deveria passar por isso — respondeu, a voz embargada. — Ele devia estar preparando o casamento de vocês, rindo... não... não deitado aqui, coberto de dor. Sayuri sentou-se ao lado dela. O silêncio estendeu-se por alguns instantes, carregado de significado. Até que Sayuri quebrou a quietude: — Quando o vi sair daquelas celas, pensei que ele nos deixaria, Tia Mei. Mas aqui esta ele, lutando por sua vida. — Diz ela tirando uma mecha do cabelo de Hideo que caia em seus olhos. — Eu só... continuo respirando porque ele ainda está aqui. Se tivesse perdido o Hideo... eu não saberia como seguir. Sayuri ficou em silêncio por um momento, olhando o seu noivo adormecido. Ele tinha um ar tranquilo e jovial, algo que ela sabia contrastar bem com a personalidade agitada dele. — Sabe... durante todos esses anos, vi tanta gente se quebrar. Homens armados até aos dentes, caírem ao ver um irmão ferido. Mas você... você é diferente. Há uma força em você que me assusta e me inspira ao mesmo tempo. — Diz Sayuri observando a expressão de Mei mudar. Mei virou-se para ela, os olhos ainda húmidos. Ela não imaginava que a sua nora a visse daquela forma. — Eu não me sinto forte. Sinto-me vazia. Como se tudo o que me resta estivesse dormindo nesta cama, e eu só existisse para o proteger. — Diz ela colocando a mão na boca para conter um soluço. Sayuri tocou-lhe levemente no ombro. — Você o protegeu Tia Mei. Se não tivesse nos avisado ele poderia estar bem pior agora. É graças a sua coragem que ele esta aqui, e bem. — Diz Sayuri com a voz baixa, os seus olhos cheios de gratidão ao observar a mãe de Hideo. Mei olhou para o filho por longos segundos antes de responder. — Quando ele acordar... quando ele me chamar de “mamãe” outra vez... aí sim, eu volto a ser quem sou. — Mei ansiava por ouvir a voz do filho, por ver os seus olhos se abrirem com aquele costumeiro sorriso que tomava o seu rosto sempre que ele a via no seu quarto. Sayuri sorriu levemente, mesmo com o peso da guerra nos olhos. Ela entendia o conflito da mulher a sua frente. — Estaremos aqui. À tua espera. Ele não vai a lugar algum, Tia Mei. — Sabe querida, Hideo sempre foi um verdadeiro cavalheiro, — Diz ela com um sorriso triste nos labios. — Ele me defendia do pai, e sempre terminava naquele maldito galpão por falar o que pensava. Sayuri podia ver os olhos de Mei se perdendo em sua história, ela precisava colocar aquelas coisas para fora. Era a forma que ela tinha de lidar com a dor que estava sentindo naquele momento. — Ele nunca gostou de saber o que o pai fazia, e isso sempre lhe trouxe muitos problemas. — Ele me disse que esse era um dos motivos pelo qual ele não desejava se casar comigo. — Diz Sayuri. — Eu posso entender isso. Ele assim como o pai tem uma honra que fala mais alto, e essa honra era o único motivo pelo qual ele deixava que o pai o castigasse dessa forma. — Mei tinha implorado ao filho tantas vezes para esquecer aquilo, para deixar a sua honra ao menos uma vez e se livrar dos castigos, mas ele era irredutível ao dizer que não iria contra as palavras do seu pai, mesmo ele não merecendo a sua lealdade. — Mas o Tio Haruki fez muita coisa errada, Tia Mei. — Diz Sayuri em voz baixa. — Sim querida, mas a palavra de Haruki sempre foi firme, e ele nunca deixou de cumprir algo que falou ou prometeu. — Isso eu pude perceber hoje. — Diz Sayuri com um suspiro. — O que quer dizer? — Pergunta Mei se virando para ela. — Ricardo cobrou uma dívida de Haruki para poder resgatar Hideo. — Diz ela. — Uma dívida? — pergunta Mei confusa. — Que divida? — Ao que parece anos atrás Ricardo deu uma informação que ajudou o Tio Haruki a salvar o Sora, como pagamento pela informação ele ficou devendo um favor a Ricardo, e foi esse favor que ele cobrou hoje. O Tio Haruki não pode mais tocar em Hideo, Tia Mei. Ele está sobre a proteção da Fênix e os seus aliados agora.
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