Ettore Santinelli
— Corre Kai, só um pouco mais sim?...
— Ettore, amor me ajuda...
Um grito de dor...
Tiro...
— NÃO!!!
...
— Não...!!! — Meio atordoado, acordo gritando outra vez, mais uma noite em que esses pesadelos não me deixam dormi, me sento sobre a cama e respiro fundo, fazendo minha respiração voltar ao normal, suado levanto da cama olhando as horas, são apenas 3 da manhã. Esses pesadelos estão voltando com mais frequência.
Preciso dar um jeito de parar com esses pesadelos, parecem tão reais, que me pergunto quem é a pessoa que precisa de mim, que precisa da minha ajuda. Quem será Kai? Será ele real? O que duvido muito, talvez minha mente esteja me pregando peças.
Quando eu tinha apenas 9 anos meus pais viviam preocupados com esses pesadelos, depois que os tinha, só conseguia dormir novamente se meu irmão estivesse comigo, eu vivia com medo deles, na minha cabeça eles eram reais e eu nunca conseguia salvar o rapaz. E sempre me martirizei por isso durante anos, perdia a fome e o sono. Infantil? Talvez. Mas eu era apenas uma criança, não queria ter que reviver aquele pavor de deixar alguém sofrendo e não conseguir salvar.
Então meus pais resolveram me levar ao psicólogo, contava como eram meus dias, minhas noites, mas nada adiantava. Os pesadelos pareciam impregnados em minha cabeça, não me deixam em paz, me sentir a ponto de enlouquecer.
Até que um dia eles finalmente pararam, eu tinha meus 16 anos, desde então não tive mais nenhum. Então eu aproveitei isso, sai com amigos, dei meu primeiro beijo, que foi em um menino, pois desde os meus 12 anos me sentia atraído pelo mesmo sexo, no começo foi estranho pois meus pais ficaram meios receosos, mas agora aceitem bem. Nunca me trataram diferente por isso, quando eles estudaram mais sobre me acolheram e me deram muito amor, eles souberam das frequentes violências que a comunidade sofre, então para pelo menos tentar amenizar eles me amaram em triplo. Nunca sofri diretamente algum tipo de violência ou preconceito, agradeço demais por isso e simpatizo com as várias pessoas que sofreram e sofrem com todo o tipo de preconceito.
Mas agora aos meus 27 anos eles voltam com tudo e ainda mais dolorosos do que eu me lembre. Ainda não contei a minha família não quero preocupá-los, e junto com eles veio uma sensação estranha, que não lembro de ter sentido aos meus 9 anos quando eu tinha esses pesadelos é como se agora eles quisessem me alertar de algo, acho que estou ficando louco, deve ser isso!
Voltando ao agora, tomo um longo banho para tirar todo o suor do corpo, pego meu edredom e vou para sala de cinema que tenho em minha casa, coloco um filme do homem de ferro que eu amo, me julguem, mas Tony Stark é muito lindo e inteligente o cara perfeito. Do meu ponto de vista, o melhor herói da Marvel.
Depois de algumas horas assistindo o filme, me levanto e vou fazer um café, preciso disso para acordar um pouco, pois tenho certeza de que vou me acabar na empresa hoje. O trabalho é puxado, mas não me arrependo da vida profissional que escolhi seguir.
Faço meu café e aproveito mais um pouco do filme, tenho que chegar mais cedo na empresa, tenho vários papéis para revisar e assinar.
Algumas horas depois
Assim que estou pronto saio de casa e vou para a garagem, entro no meu carro e sigo rumo a empresa, ligo o som e logo uma música calma começa a tocar. Estou tão distraído que quando o sinal vermelho passa para o verde, volto a andar com o carro, mais de repente um vulto me faz frear bruscamente, mais já é tarde e sinto o impacto do corpo pequeno contra o capô do carro. p***a!
— Maldição. — Deixo meu resmungo de desespero sair, Saio do carro e vou ver se o homem está bem.
Assim que vou me aproximando vejo seu corpo sentado no asfalto, meu coração acelera acho que pelo medo de que por pouco eu não tenha matado alguém. Se isso tivesse acontecido eu teria me culpado pelo resto da vida.
— Você está bem? — Me abaixo em frente do homem e me vejo muito preocupado de repente. Mas em uma situação dessas, quem não ficaria?
— Eu estou sim, foi só um machucado na cabeça. — Ele começa a falar ainda com a cabeça baixa e a mão nas têmporas, sua voz doce faz todo meu corpo se arrepiar, eu o conheço? Tenho para mim que já ouvi sua voz em algum lugar.
— Você devia olhar mais para onde anda, eu poderia tê-lo matado. — Falo me sentindo nervoso.
— Me desculpe, realmente fui muito... — Ele para de falar assim que levanta seu rosto e me olha, um sentimento de reconhecimento me passa e eu também fico estático, cazzo, ele é lindo demais, só que não é só isso. Eu já vi esse rosto em algum lugar. (p**a que pariu). Mas onde?
— A gente se conhece? — pergunto confuso.
— Aa... Não. Mas o seu... — Sua mão levanta em direção ao meu rosto enquanto seus olhos brilham, mas de repente ele deixa sua mão cair como se estivesse dando conta do que iria fazer. Deixo o assunto morrer quando vejo melhor o machucado em sua testa.
— Você precisa de um hospital, acho que vai precisar de alguns pontos. — Aponto em direção a sua cabeça.
— Há sim. — Agora sua mão vai em direção a sua própria testa, mas sou mais rápido e a seguro para que ele não toque no machucando, sinto uma eletricidade passar pelo meu corpo e seus olhos arregalam olhando para onde minha mão se encontra em seu pulso. Acho que ele sentiu o mesmo.
— Eu te levo, vamos. — Mesmo com dificuldade eu consigo falar.
— Não precisa se incomodar.
— Não é incômodo, é minha responsabilidade. Vem. — Ele assente e o ajudo a levantar.
Percebo agora que têm alguns carros atrás do meu buzinando.
O mais rápido que consigo o levo em direção ao carro e abro a porta para ele, que agradece.
— Você pode me levar no hospital na próxima rua, eu trabalho lá.
— Claro, então você é médico? — Estou curioso para descobrir sobre ele.
— Sim, pediatra. — Continuo concentrado no trânsito e não demora muito para chegarmos.
O acompanho até a recepção e quando uma mulher de mais ou menos uns 40 anos, alta, morena e de cabelos pretos nos nota e vem em direção ao rapaz, que me dei conta agora que não sei o nome.
— Você está bem? E esse machucado? — Sua voz escorre preocupação ao que ela fala.
— Estou bem, me distraí atravessando a rua e ele acabou me atropelando, mas foi só um machucado na testa. Só vai precisar de uma limpada e logo melhora.
— O Billy faz isso para você, há Billy — Chama um enfermeiro que estava passando. — Olhe a testa dele, o i****a foi atropelado, qualquer dia morre por ser tão desembestado.
— Ok Mary, é só me seguir Ross. — O tal Billy deve ter uns 45 anos, alto e bonito com uma aliança na mão, assim como noto agora na de Mary, e vejo amor em seus olhos ao falar dela para o rapaz bonito, faz um gesto com a cabeça a indicando. — Sua amiga é dramática de mais, só vai precisar de alguns pontos, mas têm que tomar cuidado mesmo, já falamos com você tantas vezes sobre sua ansiedade, você não nota nada ao seu redor;
Ele olha os outros de forma envergonhada e me olha em seguida ficando mais vermelho ainda e sorrio o tranquilizando, ele fica muito fofo com suas bochechas vermelhas. Sei bem o que ele está passando, quando faço algo irresponsável meu irmão me enche de sermões.
— Foi você quem o atropelou? — Mary pergunta.
— Sim, sou o Ettore. — Falo estendendo minha mão para ela que prontamente aceita, logo depois faço o mesmo com o tal Billy. Noto os olhos do rapaz arregalados ao lado de Billy, me pergunto o porquê?
— Obrigada por trazê-lo, se fosse outro no seu lugar o teria deixado largado na rua.
— Infelizmente têm pessoas assim. — Billy completa. — Vem logo meu rapaz. Vamos cuidar disso.
Fico na recepção com Mary por alguns minutos. Até que um senhor alto de cabelos pretos aparece ao meu lado e conversa com Mary por alguns segundos, quando ele se vai nossos olhos se encontram e sinto minha espinha gelar, não gosto da forma que ele me olha.
— Quem é ele? — Pergunto indicando com a cabeça o lugar por onde o homem saiu.
— Atones, ele é o enfermeiro chefe. — Balanço minha cabeça em concordância, não gostei nenhum pouco dele.
— Então o que faz da vida Ettore? Pergunta me olhando com olhos curiosos e analíticos.
— Eu ajudo meu irmão com a empresa da família.
— Há sim, temos um homem de negócios aqui, — surge uma pessoa na recepção. - Tenho que ir lá. — Assinto e ela vai falar com quem acabou de chegar.
Alguns minutos depois ele volta sem Billy, me levanto da cadeira onde estava sentado e vou de encontro a ele.
— Está tudo bem mesmo? — pergunto para o garoto bonito.
— Sim estou bem mesmo, obrigada pela carona e por esperar notícias.
— Não precisa agradecer. Bom tenho que ir, agora sei que vai ficar bem.
— Há senhor Ross, emergência na sala 3 do 4 andar. — O avisa um enfermeiro que acaba de chegar.
— Tenho que ir. — Fala já me dando as costas.
— Você não me disse seu nome. — Digo ao que ele vai se distanciando, rápido ele olha para trás e me diz o que me deixaria no mínimo confuso pelo resto do dia e até mesmo semanas a frente.
— Kai, meu nome é Kai. — E assim ele some no elevador que tinha acabado de chegar.
“— Corre Kai, só um pouco mais sim”
Meus olhos arregalam. Não poderia ser, isso seria impossível. Mas e tudo que eu senti quando o toquei? Seria apenas coincidência? Isso não teria como.
Desperto ao ver Mary me perguntando se estou bem, lhe respondo que sim me despeço, e muito confuso sigo rumo ao meu carro.
Em mais ou menos uns 30 minutos estou chegando a empresa, sigo direto para o elevador, chego em minha sala e ao entrar vejo Mariano em minha cadeira, ele me nota e começa a falar.
— Dannazione, onde estava? Não tem celular? — Vejo que está com raiva. (Seu maldito)
— Calma irmão, acho que esqueci meu celular. — Toco todos os meus bolsos e não o encontro, me sento na cadeira em frente a minha mesa soltando um suspiro.
— Pois preste mais atenção i****a, estava preocupado, sei que está acontecendo algo, as semanas que você aparece cansado, estava esperando você vir me contar, mas agora você some do nada, chega atrasado e não atende a porcaria do celular.
— Você me conhece bem demais. Sobre o celular eu já expliquei, então não enche o saco. Só que aconteceu algo estranho hoje.
— O que foi estranho?
Conto a ele tudo desde o atropelamento, as sensações que tive ao tocar Kai e a coincidência de ele ter o mesmo nome do rapaz dos meus pesadelos.
— Cara se eu acreditasse, diria que vocês se conhecem de outras vidas. — Ele diz pensativo.
— Não viaja, vamos deixar isso para lá, deve ser apenas besteira, e tenho certeza de que nem vou mais encontrá-lo. Tenho muito trabalho hoje.
— Ok, depois vamos falar melhor sobre isso, e ver se não esquece mais o maldito celular. — Vai falando enquanto se levanta da minha cadeira e some pela porta.
Deixo um suspiro escapar e vou para minha cadeira deixando tudo isso de lado e me concentrando no trabalho.