Sabrina Souza
3 anos antes
Não aguento mais essa vida! Tenho apenas dezoito anos e vivo como uma prisioneira, quando estava no ensino médio era pior ainda, além de estudar tinha que trabalhar durante o dia e ir pra escola a noite. Não conseguia nem parar para comer, aí vocês me perguntam o porquê disso?
Simples, tenho uma mãe que sempre tem que ser a melhor, trata como se eu fosse obrigada a sustentar ela e minha irmã que aliás só usa o dinheiro que ela ganha pra comprar roupas, calçados, bolsas de marca e ir pro salão de beleza com minha mãe. Mas eu sou a filha r**m, pra colocar comida dentro de casa e pagar as contas, aí sim eu posso fazer, se me verem com uma roupa ou calçado novo, tô tirando do dinheiro que era pra comprar coisas pra elas. Não via um centavo do meu salário, todos os meses era isso e é desde que eu comecei a trabalhar. Todo dia primeiro que é quando eu recebia, minha mãe faz questão de ir lá receber meu próprio pagamento.
Com 18 anos vivo o próprio inferno dentro de casa, apanho da Luana e minha mãe não faz nada, se eu revidar ainda apanho dela também.
Meus cabelos lisos e grandes até na altura da b***a já estão horríveis por não verem bons produtos há meses, tô indo agora cedo para o trabalho com a calça furada do lado e é a única que ainda tenho.
Chego no mercado do seu hélio na subida do morro, bato meu ponto antes de entrar e ir até meu armário dando de cara com o Davi, meu melhor amigo.
— Eai mona, tá bem? — pergunta com a voz afeminada me dando um beijo no rosto
— Mesmo de sempre gata — Sim, ele é gay
— Tá ficando r**m pra tu desse jeito Nina — é o meu apelido
— To em ponto de surtar lá em casa, a Luana não da um minuto de trégua — revirei os olhos pegando um copo com água
— Se quiser, minha casa está de portas abertas pra tu — eu ri, ele sempre falava a mesma coisa e eu negava, minha mãe era terrível, acabaria dando merda
— Bicha, minha mãe surtaria e nós dois ia terminar sem emprego — ele riu
— Eu arrasto a cara dela no asfalto e da v***a da tua irmã também — fomos indo pro caixa
Eu trabalhava caixa de supermercado desde o ano passado, durante o dia ficava aqui e a noite trabalhava de garçonete no bar do tião aqui no morro, era perto da boca e sempre tava cheio com os cara do movimento.
— Garota — sai do meu transe com uma das marmitas de traficante mascando chiclete bem na minha cara, encarei ela — passa logo isso — revirei os olhos passando a água oxigenada e o pó descolorante
— Deu 10,39 — ela pegou uma nota de vinte — Seu troco e notinha, obrigada — entreguei a sacola pra ela
— Babado bicha, soube que o Tigrão pegou ela na porrada e pow vi as costas dela cheia de marca, certeza que levou madeiradas — falou baixinho do caixa atrás do meu e eu ri, era sempre assim com as marmitas — Ela deu pra ele no baile e no outro dia foi afrontar a fiel — arregalei os olhos e virei pra ele negando
— Maior s*******m com a Diana — a fiel do Tigrão
— Nem me fala menina — fez um bico — Ela não merece isso não, menina nova e bonita, mas depois que mexer com traficante, não sai disso facilmente — concordei, aqui na favela tem muito disso
Não respondi nada indo atender o próximo cliente e assim passou o dia todo.
[...]
Chego em casa no final do dia correndo pra tomar um banho e ir pro bar, graças a Deus no mercado tinha o Davi e a Julia trabalha comigo no bar, eram meus dois melhores amigos e ambos tínhamos a mesma idade.
Vestindo um short jeans mais comportado e uma regata, aqui tá trazendo muito calor nesses últimos dias. Pego uma amostra de perfume que ganhei da vizinha e passo.
É nem um perfume decente eu tinha!
Como um pacote de biscoito indo na direção do bar, entro e vejo seu tião no caixa que acena pra mim, vou até o banheiro pra vestir a camisa por cima da minha regata. Usava uma camisa branca com a logo do bar vermelho, era um dos bar mais famosos do alemão e já era de costume usar uniforme ali para conseguirem distinguir quem trabalhava ali.
Atendo várias mesas e depois vou ficar no caixa no lugar do seu Tião que foi ajudar na cozinha, quando Julia vem até mim.
— Amiga, aquela não é a sua irmã? — aponta com a cabeça para o outro lado da rua e confirmo
Não sei o que a Luana tá fazendo andando agora com os cara do movimento, vejo ela com um vestido preto e curto, uma papete que achei horrorosa nela quando comprou e os cachos soltos.
— Sabe quem é que tá com ela? — não conseguia ver o cara direito
— É o barão — não sabia quem era — ele é um dos gerentes da boca — explicou e dei de ombros
— Deve tá querendo dar algum golpe — passei um pano com álcool no balcão
— Acho que ela tá fazendo programa — arregalei os olhos olhando pra fora a tempo de ver ela pegando dinheiro dele
Ela disse que fazia fotos como modelo para as lojas aqui do morro, nunca fiquei sabendo onde e como porque não tinha celular pra ver as redes sócias.
— As vezes é outra coisa — não conseguia acreditar
— Não viaja Nina, as únicas bucetas puras é as nossas — eu ri nervosa
— Boa noite, vim pagar — a voz grossa soou alto e me assustei ficando vermelha ao ver o homem na nossa frente
— Boa noite, a comanda, por favor — pedi disfarçando a vergonha
— Tá aqui — entregou o papel e nossos dedos se encostaram, senti uma eletricidade, ele pareceu sentir também — Você é nova aqui? — neguei e vi um sorriso malicioso brotar no seu rosto
— Deu 87,90 senhor — ele deu uma risada pegando o celular
— Vou pagar com pix — avisou e peguei a maquininha — Eu pareço tão velho assim? — corei envergonhada
— É questão de educação — falei firme sem o encarar — Só copiar o código, senhor — dei ênfase no "senhor" e encarei ele que ergueu as sobrancelhas em desafio
— Vou precisar do número — falou do nada
— Não entendi — encarei ele que mexia no celular
— Do seu celular — estendeu o dele pra mim que coloquei a mão impedindo de continuar
— Eu não tenho celular moço — fiquei com vergonha e ele sorriu incrédulo
— Se não queria dar seu número era só falar, não precisa inventar história — encarei ele com raiva
— Mas não é mentira — ele pareceu entender que era a verdade e somente saiu dali
Consegui respirar melhor depois de não ver ele pelo bar, quando vi a Júlia empolgada vindo com uma comanda na mão.
— Tu viu tua irmã com o Barão e agora queria conquistar ele também né safada — como assim?
— Ele é o tal barão? — ela concordou e bufei
— Eca que nojo — fingi vomitar — Capaz de ter pegado alguma doença dela, que horror — ela começou a rir e voltei atender
Assim foi o resto da nossa noite em meio a risadas e muito trabalho, e assim foi o dia que conheci o barão.